Maranhão 66 é um documentário realizado por Glauber Rocha, por encomenda do então governador eleito do Maranhão José Sarney.
Produção de Barretão e Zelito Vianna, fotografia de Eduardo Escorel. Toda a equipe é de cobras.
Entraram nessa pela grana e só pela grana, acredito.
Mas está aí o belo resultado de seu trabalho.
Sarney já era uma pústula naqueles tempos.
É um poltrão, sabujo da ditadura, um homem (?) que transpira indignidade.
Vejam o filme e riam e chorem.
Acho que Glauber estava antevendo o que hoje envergonha todo um País.
http://www.youtube.com/watch?v=t0JJPFruhAA
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Sarney, um homem incomum
por Leandro Fortes, no blog Brasília eu Vi
>
> Há anos, nem me lembro mais quantos, os principais colunistas e
> repórteres de política do Brasil, sobretudo os de Brasília, reputam ao
> senador José Sarney uma aura divinal de grande articulador político,
> uma espécie de gênio da raça dotado do dom da ponderação, da mediação
> e do diálogo. Na selva de preservação de fontes que é o Congresso
> Nacional, estabeleceu-se entre os repórteres ali lotados que gente
> como Sarney – ou como Antonio Carlos Magalhães, em tempos não tão idos
> – não precisa ser olhada pelas raízes, mas apenas pelas folhagens.
> Esse expediente é, no fim das contas, a razão desse descolamento
> absurdo do jornalismo brasiliense da realidade política brasileira e,
> ato contínuo, da desenvoltura criminosa com que deputados e senadores
> passeiam por certos setores da mídia.
>
> Olhassem Sarney como ele é, um coronel arcaico, chefe de um clã
> político que há quatro décadas domina a ferro e fogo o Maranhão,
> estado mais miserável da nação, os jornalistas brasileiros poderiam
> inaugurar um novo tipo de cobertura política no Brasil. Começariam por
> ignorar as mentiras do senador (maranhense, mas eleito pelo Amapá), o
> que reduziria a exposição de Sarney em mais de 90% no noticiário
> nacional. No Maranhão, a família Sarney montou um feudo de cores
> patéticas por onde desfilam parentes e aliados assentados em cargos
> públicos, cada qual com uma cópia da chave do tesouro estadual, ao
> qual recorrem com constância e avidez. O aparato de segurança é
> utilizado para perseguir a população pobre e, não raras vezes, para
> trucidar opositores. A influência política de Sarney foi forte o
> bastante para garantir a derrubada do g overnador Jackson Lago, no
> início do ano, para que a filha, Roseana, fosse reentronizada no cargo
> que, por direito, imaginam os Sarney, cabem a eles, os donatários do
> lugar.
>
> José Sarney é uma vergonha para o Brasil desde sempre. Desde antes da
> Nova República, quando era um político subordinado à ditadura militar
> e um representante mais do que típico da elite brasileira eleita pelos
> generais para arruinar o projeto de nação – rico e popular – que se
> anunciava nos anos 1960. Conservador, patrimonialista e cheio dessa
> falsa erudição tão típica aos escritores de quinta, José Sarney foi o
> último pesadelo coletivo a nós impingido pela ditadura, a mesma que
> ele, Sarney, vergonhosamente abandonou e renegou quando dela não podia
> mais se locupletar. Talvez essa peculiaridade, a de adesista
> profissional, seja o que de mais temerário e repulsivo o senador José
> Sarney carregue na trouxa política que carrega Brasil afora, desde que
> um mau destino o colocou na Presidência da República, em março de
> 1985, após a mor te de Tancredo Neves.
>
> Ainda assim, ao longo desses tantos anos, repórteres e colunistas
> brasileiros insistiram na imagem brasiliense do Sarney cordial,
> erudito e mestre em articulação política. É preciso percorrer o
> interior do Maranhão, como já fiz em algumas oportunidades, para
> estabelecer a dimensão exata dessa visão perversa e inaceitável do
> jornalismo político nacional, alegremente autorizado por uma cobertura
> movida pelos interesses de uns e pelo puxa-saquismo de outros. Ao
> olhar para Sarney, os repórteres do Congresso Nacional deveriam
> visualizar as casas imundas de taipa e palha do sertão maranhense, as
> pústulas dos olhos das crianças subnutridas daquele estado, várias
> gerações marcadas pela verminose crÿnica e pela subnutrição idem. Aí,
> saberiam o que perguntar ao senador, ao invés de elogiar-lhe e,
> desgraçadamente, conceder-lhe salvo conduto p ara, apesar de ser o
> desastre que sempre foi, voltar à presidência do Senado Federal.
>
> Tem razão o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao afirmar, embora
> pela lógica do absurdo, que José Sarney não pode ser julgado como um
> homem comum. É verdade. O homem comum, esse que acorda cedo para
> trabalhar, que parte da perspectiva diária da labuta incerta pelo
> alimento e pelo sucesso, esse homem, que perde horas no transporte
> coletivo e nas muitas filas da vida para, no fim do mês, decidir-se
> pelo descanso ou pelas contas, esse homem comum é, basicamente,
> honesto e solidário. Sarney é o homem incomum. No futuro, Lula não
> será julgado pela História somente por essa declaração infeliz e
> injusta, mas por ter se submetido tão confortavelmente às chantagens
> políticas de José Sarney, a ponto de achá-lo intocável e especial. Em
> nome da governabilidade, esse conceito em forma de gosma fisiológica e
> imoral da qual se alimenta a escór ia da política brasileira, Lula,
> como seus antecessores, achou a justificativa prática para se aliar a
> gente como os Sarney, os Magalhães e os Jucá.
>
> Pelo apoio de José Sarney, o presidente entregou à própria sorte as
> mais de seis milhões de almas do Maranhão, às quais, desde que assumiu
> a Presidência, em janeiro de 2003, só foi visitar esse ano, quando das
> enchentes de outono, mesmo assim, depois que Jackson Lago foi apeado
> do poder. Teria feito melhor e engrandecido a própria biografia se
> tivesse descido em São Luís para visitar o juiz Jorge Moreno.
> Ex-titular da comarca de Santa Quitéria, no sertão maranhense, Moreno
> ficou conhecido mundialmente por ter conseguido erradicar daquele
> município e de regiões próximas o sub-registro civil crÿnico, uma das
> máculas das seguidas administrações da família Sarney no estado. Ao
> conceder certidão de nascimento e carteira de identidade para 100%
> daquela população, o juiz contaminou de cidadania uma massa de gente
> tratada, até então, com o gado sarneyzista. Por conta disso, Jorge
> Moreno foi homenageado pelas Nações Unidas e, no Brasil, viu o nome de
> Santa Quitéria virar nome de categoria do Prêmio Direitos Humanos,
> concedido anualmente pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da
> Presidência da República a, justamente, aqueles que lutam contra o
> sub-registro civil no País.
>
> Em seguida, Jorge Moreno denunciou o uso eleitoral das verbas federais
> do Programa Luz Para Todos pelos aliados de Sarney, sob o comando,
> então, do ministro das Minas e Energia Silas Rondeau – este um
> empregado da família colocado como ministro-títere dentro do governo
> Lula, mas de lá defenestrado sob a acusação, da Polícia Federal, de
> comandar uma quadrilha especializada em fraudar licitações públicas.
> Foi o bastante para o magistrado nunca mais poder respirar no
> Maranhão. Em 2006, o Tribunal de Justiça do Maranhão, infestado de
> aliados e parentes dos Sarney, afastou Moreno das funções de juiz de
> Santa Quitéria, sob a acusação de que ele, ao denunciar as falcatruas
> do clã, estava desenvolvendo uma ação político-partidária. Em abril
> passado, ele foi aposentado, compulsoriamente, aos 42 anos de idade.
> Uma dos algozes do juiz, a corregedora (?) do TRE maranhense, é a
> desembargadora Nelma Sarney, casada com Ronaldo Sarney, irmão de José
> Sarney.
>
> Há poucos dias, vi a cara do senador José Sarney na tribuna do Senado.
> Trêmulo, pálido e murcho, tentava desmentir o indesmentível. Pego com
> a boca na botija, o tribuno brilhante, erudito e ponderado, a raposa
> velha indispensável aos planos de governabilidade do Brasil virou, de
> um dia para a noite, o mascate dos atos secretos do Senado. Ao
> terminar de falar, havia se reduzido a uma massa subnutrida de
> dignidade, famélica, anêmica pela falta da proteína da verdade. Era um
> personagem bizarro enfiado, a socos de pilão, em um jaquetão coberto
> de goma.
>
> Na mesma hora, pensei no povo do Maranhão.
>
> Há anos, nem me lembro mais quantos, os principais colunistas e
> repórteres de política do Brasil, sobretudo os de Brasília, reputam ao
> senador José Sarney uma aura divinal de grande articulador político,
> uma espécie de gênio da raça dotado do dom da ponderação, da mediação
> e do diálogo. Na selva de preservação de fontes que é o Congresso
> Nacional, estabeleceu-se entre os repórteres ali lotados que gente
> como Sarney – ou como Antonio Carlos Magalhães, em tempos não tão idos
> – não precisa ser olhada pelas raízes, mas apenas pelas folhagens.
> Esse expediente é, no fim das contas, a razão desse descolamento
> absurdo do jornalismo brasiliense da realidade política brasileira e,
> ato contínuo, da desenvoltura criminosa com que deputados e senadores
> passeiam por certos setores da mídia.
>
> Olhassem Sarney como ele é, um coronel arcaico, chefe de um clã
> político que há quatro décadas domina a ferro e fogo o Maranhão,
> estado mais miserável da nação, os jornalistas brasileiros poderiam
> inaugurar um novo tipo de cobertura política no Brasil. Começariam por
> ignorar as mentiras do senador (maranhense, mas eleito pelo Amapá), o
> que reduziria a exposição de Sarney em mais de 90% no noticiário
> nacional. No Maranhão, a família Sarney montou um feudo de cores
> patéticas por onde desfilam parentes e aliados assentados em cargos
> públicos, cada qual com uma cópia da chave do tesouro estadual, ao
> qual recorrem com constância e avidez. O aparato de segurança é
> utilizado para perseguir a população pobre e, não raras vezes, para
> trucidar opositores. A influência política de Sarney foi forte o
> bastante para garantir a derrubada do g overnador Jackson Lago, no
> início do ano, para que a filha, Roseana, fosse reentronizada no cargo
> que, por direito, imaginam os Sarney, cabem a eles, os donatários do
> lugar.
>
> José Sarney é uma vergonha para o Brasil desde sempre. Desde antes da
> Nova República, quando era um político subordinado à ditadura militar
> e um representante mais do que típico da elite brasileira eleita pelos
> generais para arruinar o projeto de nação – rico e popular – que se
> anunciava nos anos 1960. Conservador, patrimonialista e cheio dessa
> falsa erudição tão típica aos escritores de quinta, José Sarney foi o
> último pesadelo coletivo a nós impingido pela ditadura, a mesma que
> ele, Sarney, vergonhosamente abandonou e renegou quando dela não podia
> mais se locupletar. Talvez essa peculiaridade, a de adesista
> profissional, seja o que de mais temerário e repulsivo o senador José
> Sarney carregue na trouxa política que carrega Brasil afora, desde que
> um mau destino o colocou na Presidência da República, em março de
> 1985, após a mor te de Tancredo Neves.
>
> Ainda assim, ao longo desses tantos anos, repórteres e colunistas
> brasileiros insistiram na imagem brasiliense do Sarney cordial,
> erudito e mestre em articulação política. É preciso percorrer o
> interior do Maranhão, como já fiz em algumas oportunidades, para
> estabelecer a dimensão exata dessa visão perversa e inaceitável do
> jornalismo político nacional, alegremente autorizado por uma cobertura
> movida pelos interesses de uns e pelo puxa-saquismo de outros. Ao
> olhar para Sarney, os repórteres do Congresso Nacional deveriam
> visualizar as casas imundas de taipa e palha do sertão maranhense, as
> pústulas dos olhos das crianças subnutridas daquele estado, várias
> gerações marcadas pela verminose crÿnica e pela subnutrição idem. Aí,
> saberiam o que perguntar ao senador, ao invés de elogiar-lhe e,
> desgraçadamente, conceder-lhe salvo conduto p ara, apesar de ser o
> desastre que sempre foi, voltar à presidência do Senado Federal.
>
> Tem razão o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao afirmar, embora
> pela lógica do absurdo, que José Sarney não pode ser julgado como um
> homem comum. É verdade. O homem comum, esse que acorda cedo para
> trabalhar, que parte da perspectiva diária da labuta incerta pelo
> alimento e pelo sucesso, esse homem, que perde horas no transporte
> coletivo e nas muitas filas da vida para, no fim do mês, decidir-se
> pelo descanso ou pelas contas, esse homem comum é, basicamente,
> honesto e solidário. Sarney é o homem incomum. No futuro, Lula não
> será julgado pela História somente por essa declaração infeliz e
> injusta, mas por ter se submetido tão confortavelmente às chantagens
> políticas de José Sarney, a ponto de achá-lo intocável e especial. Em
> nome da governabilidade, esse conceito em forma de gosma fisiológica e
> imoral da qual se alimenta a escór ia da política brasileira, Lula,
> como seus antecessores, achou a justificativa prática para se aliar a
> gente como os Sarney, os Magalhães e os Jucá.
>
> Pelo apoio de José Sarney, o presidente entregou à própria sorte as
> mais de seis milhões de almas do Maranhão, às quais, desde que assumiu
> a Presidência, em janeiro de 2003, só foi visitar esse ano, quando das
> enchentes de outono, mesmo assim, depois que Jackson Lago foi apeado
> do poder. Teria feito melhor e engrandecido a própria biografia se
> tivesse descido em São Luís para visitar o juiz Jorge Moreno.
> Ex-titular da comarca de Santa Quitéria, no sertão maranhense, Moreno
> ficou conhecido mundialmente por ter conseguido erradicar daquele
> município e de regiões próximas o sub-registro civil crÿnico, uma das
> máculas das seguidas administrações da família Sarney no estado. Ao
> conceder certidão de nascimento e carteira de identidade para 100%
> daquela população, o juiz contaminou de cidadania uma massa de gente
> tratada, até então, com o gado sarneyzista. Por conta disso, Jorge
> Moreno foi homenageado pelas Nações Unidas e, no Brasil, viu o nome de
> Santa Quitéria virar nome de categoria do Prêmio Direitos Humanos,
> concedido anualmente pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da
> Presidência da República a, justamente, aqueles que lutam contra o
> sub-registro civil no País.
>
> Em seguida, Jorge Moreno denunciou o uso eleitoral das verbas federais
> do Programa Luz Para Todos pelos aliados de Sarney, sob o comando,
> então, do ministro das Minas e Energia Silas Rondeau – este um
> empregado da família colocado como ministro-títere dentro do governo
> Lula, mas de lá defenestrado sob a acusação, da Polícia Federal, de
> comandar uma quadrilha especializada em fraudar licitações públicas.
> Foi o bastante para o magistrado nunca mais poder respirar no
> Maranhão. Em 2006, o Tribunal de Justiça do Maranhão, infestado de
> aliados e parentes dos Sarney, afastou Moreno das funções de juiz de
> Santa Quitéria, sob a acusação de que ele, ao denunciar as falcatruas
> do clã, estava desenvolvendo uma ação político-partidária. Em abril
> passado, ele foi aposentado, compulsoriamente, aos 42 anos de idade.
> Uma dos algozes do juiz, a corregedora (?) do TRE maranhense, é a
> desembargadora Nelma Sarney, casada com Ronaldo Sarney, irmão de José
> Sarney.
>
> Há poucos dias, vi a cara do senador José Sarney na tribuna do Senado.
> Trêmulo, pálido e murcho, tentava desmentir o indesmentível. Pego com
> a boca na botija, o tribuno brilhante, erudito e ponderado, a raposa
> velha indispensável aos planos de governabilidade do Brasil virou, de
> um dia para a noite, o mascate dos atos secretos do Senado. Ao
> terminar de falar, havia se reduzido a uma massa subnutrida de
> dignidade, famélica, anêmica pela falta da proteína da verdade. Era um
> personagem bizarro enfiado, a socos de pilão, em um jaquetão coberto
> de goma.
>
> Na mesma hora, pensei no povo do Maranhão.
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