sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O Rio, Verissimo e o Popular

A guerra no Rio não torna o humor apropriado para analisá-la, mas, definitivamente, é inescapável a lembrança de um texto de Luis Fernando Verissimo, de 1973. Veio à mente na quinta-feira, quando uma amiga comentou uma foto em que dezenas de pessoas cercavam um local onde, presumivelmente, havia uma bomba prestes a explodir. Eram os famosos populares - aquele gente desconhecida que testemunha a notícia ali, a quente. Vale a leitura de O Popular.

O Popular, por Luis Fernando Verissimo (retirado da internet, sem recolhimento de direitos autorais que este blog é pobre de marré-de-si).

Um número recente da Veja trazia fotografias sensacionais das (como diria um inglês) “incomodações” na Irlanda do Norte. Todas eram de ganhar prêmio, mas uma me impressionou especialmente. Nela aparecia a versão irlandesa do Popular.
É uma figura que sempre me intrigou. A foto da Veja mostra um soldado inglês espichado na calçada, protegido pela quina de um prédio, o rosto tapado por uma máscara de gás, fazendo pontaria contra um franco-atirador local. Atrás dele, agachados no vão de uma porta, dois ou três dos seus companheiros, também em plena parafernália de guerra, esperam tensamente para entrar no tiroteio. Há fumaça por todos os lados, um clima de medo e drama. Mas ao lado do soldado que atira, em primeiro plano, está o Popular. De pé, olhando com algum interesse o que se passa, com as mãos nos bolsos e um embrulho embaixo do braço. O Popular foi no armazém e na volta parou para ver a guerra.
Sempre pensei que o Popular fosse uma figura exclusivamente brasileira. Nas nossas incomodações políticas, no tempo em que ainda havia política no Brasil, o Popular não perdia uma. Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baioneta calada e lá estava o Popular, com um embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na Avenida? Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia. Cheguei a imaginar, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular aparecia assistindo ao Descobrimento do Brasil, à Primeira Missa, ao Grito da Independência, à Proclamação da República... Sempre com seu embrulho debaixo do braço. E de camisa esporte clara para fora das calças. (O Popular irlandês veste terno e sobretudo contra o frio. O Popular tropical é muito mais Popular.)
Não se deve confundir o Popular com o Transeunte, também conhecido como o Passante. O Transeunte ou Passante às vezes leva uma bala perdida, o Popular nunca. O Transeunte às vezes vai preso por engano, o Popular é que fica assistindo à sua prisão. O Transeunte, não raro, se compromete com os acontecimentos. Aplaude o visitante ilustre que passa, por exemplo. O Popular fica com as mãos nos bolsos e quase sempre presta mais atenção ao motociclo dos batedores do que à figura ilustre. O Transeunte pode se entusiasmar momentaneamente com uma frase de comício ou um drama na rua, e aí o Popular é que fica olhando para o Transeunte.
O Popular não tem opinião sobre as coisas. Quando o rádio ou a televisão resolvem ouvir “a opinião de um popular” na rua, sempre se enganam. O Popular nunca é o entrevistado, é o sujeito que está atrás do entrevistado, olhando para a câmara.
O Popular não merece nem os méritos nem a calhordice que a imprensa lhe atribui. Alguém que é “socorrido por populares”, outro, menos feliz, que é linchado por populares... Engano. Onde há um bando de populares não há o Popular. O Popular é a antimultidão. Sua única virtude é a sua singularidade. E um certo ceticismo inconsciente diante da História e das coisas. Não é que o Popular desmereça o Poder e os grandes lances da Humanidade, é que ele tem uma fatal curiosidade pelo detalhe supérfluo, um fascínio irresistível pelo insignificante. Nas revoluções, o que atrai o Popular é a estranha postura de um soldado deitado no chão, o mecanismo de um tanque, as lentes de uma câmara.
O Popular é uma figura tipicamente urbana. Não tem domicílio certo. Seu habitat natural é a margem dos acontecimentos. E - este é o seu maior mistério, a chave da sua existência - ninguém jamais conseguiu descobrir o que o Popular leva naquele embrulho. E tem mais. O dia em que pegarem um Popular para desvendarem um mistério, será inútil. Vão se enganar outra vez. O Popular verdadeiro estará atrás do preso, assistindo a tudo.

O Olhar de Capitu - 13.ª parte de um romance inexpugnável

Mas os salões destituídos de brechas, xenófobos que só eles, cravam pistolas e alabastros intestinais, respeitosos cabedais, furam castiçais e choram os táxis ecumênicos. Justifica-se? Tal e qual, cavalga o guarani em crescente ópera impressionista, um santo do pau-oco realista, criativo, atacante de pâncreas e sereias.

Mandioca energética, do silêncio à prática um ano depois

Por Montezuma Cruz, do site Gente de Opinião

Manaus (AM) e Brasília - O ato da assinatura do projeto de geração de energia elétrica a partir do etanol de mandioca, em Itacoatiara (AM), nesta quinta-feira (25) teve um simbolismo especial para Amazônia: apesar de o governo federal não ter ainda incluído essa cultura na matriz energética nacional, a Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobras) deu a primeira arrancada rumo à produção desse etanol, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Inedes), Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a Vale Soluções em Energia (VSE). A inclusão da mandioca atenderia à principal recomendação do 13º Congresso Brasileiro da Mandioca de 2009, em Botucatu (SP).

Em Vila de Lindóia, pequena comunidade no município de Itacoatiara, a 177 quilômetros de Manaus, esse grupo instalará dois geradores modificados, de 250 quilowatts (kW) cada, na usina concessionária de energia elétrica. O projeto custa R$ 3,8 milhões e tem prazo de 27 meses para execução. Os primeiros resultados da produção saem em dez meses, estima-se.

Essas máquinas serão abastecidas com etanol produzido na Fazenda Experimental da Ufam, localizada na rodovia Manaus-Caracaraí-Boa Vista (BR-174). Utilizando a mais alta tecnologia mundial, o pólo energético alternativo será acionado on line, ou seja, com transmissão de dados via internet para a base em Manaus.

O uso do etanol de mandioca na produção de energia elétrica fora reivindicado há pouco mais de um ano pelo senador Tião Viana (PT-AC), durante reunião com os gerentes de Planejamento e Engenharia, Ademar Palocci, e de desenvolvimento Energético das Comunidades Isoladas, Ércio Muniz Lima, ambos da Eletrobras.

Naquela ocasião, Viana levava para análise da estatal dois fatores altamente positivos: 1) o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargem), Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho havia concluído com êxito a transformação da massa da mandioca (inclusive da variedade açucarada, do Pará) em etanol, numa experiência feita no barracão da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF); 2) projeto idealizado pelo doutor em energia renovável, Diones Assis Salla, do Acre, demonstrava a possibilidade da construção de uma microdestilaria para o processamento de raízes de mandioca colhidas por famílias de pequenos agricultores no Vale do Juruá.

O senador levou para aquela audiência na Eletrobras o deputado Fernando Melo (PT-AC) e o engenheiro agrônomo Diones Salla. Com estudos em mãos, disseram ao coordenador corporativo de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do Sistema Eletrobras, José Carlos Medeiros, que se tratava de um projeto simples, porém, capaz de revolucionar o fornecimento de energia para pequenas comunidades isoladas. “Uma tecnologia, que se obtiver sucesso poderá ser exportada”, assinalava Tião Viana.

Por que razão? O projeto acreano contempla o mercado local de mistura à gasolina, em torno de 25%, facilitando a produção do seu próprio combustível, o álcool hidratado a ser usado para acionar motores geradores de energia elétrica em comunidades isoladas. Custo inicial: R$ 1,4 milhão.

Mangiare

Na rua Rocha Pombo, no Juvevê, bem em frente ao caro e nem tão bom assim Mangiare Felice, floresce um refeitório de nome Spich. Comida a R$ 4,50, sem direito a mais de duas porções de ovo, quibe ou almôndega (ou seja, pegou uma terceira - e minúscula - almôndega, morre com mais milão). Saladas à vontade, mas só porque pobre gosta de comida que faz cimento no estombo e quase não dá bola pras verduras.
Ali comem peões da região, guardadores de carro ostentando seus coletes de autoridade e até moradores de rua. Nada contra essa plebe que faz lembrar a Revolução Francesa. Mas a ruindade da comida e do serviço tornam irresistível pespegar um trocadilhesco apodo ao local: Mangiare Infelice.