Pedro Doria, no Estadão digital de hoje (segunda)
Os computadores do TSE ainda estavam quentes de tanto processar voto na segunda-feira passada, quando a estudante de Direito paulistana Mayara Petruso achou por bem navegar pela rede social. “Nordestino não é gente”, escreveu no Twitter. “Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!” Não satisfeita, de lá pulou para o Facebook – “Deem direito de voto pros nordestinos e afundem o País de quem trabalha para sustentar os vagabundos que fazem filho para ganhar o bolsa 171.”
Estupidez pura.
Mayara não foi a única a atacar nordestinos naquela segunda-feira. Uma parcela de eleitores insatisfeitos com o resultado do pleito tomou o caminho do preconceito. É como se dissessem: quem vota contra minha opção algum defeito há de ter. Há um equívoco essencial aí: Dilma não venceu apenas no Nordeste. Também teve maioria em Estados do Sudeste, como Rio e Minas. Mas não importa. Aos preconceituosos, qualquer estereótipo é irresistível.
Mayara não é um caso isolado embora talvez tenha sido a mais agressiva. Também não dá para dizer que a reação racista ao resultado do pleito tenha sido generalizada. Foi pontual.
Mais impressionante do que a estupidez dos comentários, no entanto, foi o tamanho da repercussão na rede. Na terça-feira, a hashtag que dominou o Twitter foi #orgulhodesernordestino. Era gente contando histórias pessoais, prestando solidariedade, desabafando. Perante o ódio, a internet serviu a um levante contra o preconceito.
E a uma surra sem precedentes na moça. Ela apagou seu perfil no Twitter, no Facebook, desapareceu. Terminou demitida do escritório de advocacia onde fazia estágio e tem uma ameaça de processo por crime de racismo movida pela OAB de Pernambuco. Há quem peça sua prisão. Advogados, como jornalistas, têm a obrigação de medir o que escrevem. Que lhe sirva de lição.
Na forte reação aos comentários de Mayara, é importante entender que lições ficam para nós. A principal está na resposta para uma pergunta fundamenta: São Paulo é tão preconceituosa quanto a moça fez parecer?
A resposta pode estar escondida no Google Insights for Search, a ferramenta do serviço que nos permite compreender que padrão uma busca específica segue. Buscas pelo nome “Mayara Petruso” começaram a pipocar no dia primeiro, tiveram queda ligeira no feriado de Finados e deram um salto ainda maior no dia 3. Tudo faz sentido: a notícia de que a internet tinha uma nova vilã corria e teve gente indo ao Google procurando detalhes da história.
O mais interessante, no entanto, é saber quem estava buscando por Mayara. E não eram nordestinos. Eram, principalmente, paulistas.
Buscas pela palavra “nordestino” também cresceram nos três primeiros dias de novembro. E, novamente, foram buscas realizadas de dentro de São Paulo, não no resto do País. “Preconceito” e “racismo” foram outras palavras cuja frequência de buscas aumentou. Nestes casos, a Bahia dividiu com São Paulo o interesse.
Segundo o TrendsMap.com, ferramenta que acumula a história dos assuntos mais populares do Twitter e os divide geograficamente, gente de São Paulo se engajou ativamente na campanha #orgulhodesernordestino. Mais do que gente do Rio Grande do Norte e no mínimo tanto quanto baianos, cearenses e pernambucanos.
Há racismo em São Paulo, mas São Paulo não é racista. Os números do Google mostram que nenhum lugar do Brasil se mobilizou mais por conta das declarações de Mayara do que São Paulo. E a ampla população paulista no Twitter se entregou de alma no movimento de resposta, encampando o mote do orgulho geográfico.
Estereótipos não são tentadores apenas para os preconceituosos. Estão aí para que qualquer um lance mão deles quando busca um argumento fácil. As declarações de Mayara Petruso não circularam apenas no Brasil. Ela apareceu na imprensa britânica, na americana, na espanhola.
A notícia que circulou pouco foi a notícia melhor. Perante uma estupidez, o Brasil inteiro, independentemente de geografia, se incomodou e respondeu. Somos todos muito melhores do que isso. Ainda bem.