sábado, 15 de maio de 2010

Código de Hamurabi

7. Se alguém comprar o filho ou o escravo de outro homem sem testemunhas ou um contrato, prata ou ouro, um escravo ou escrava, um boi ou ovelha, uma cabra ou seja o que for, se ele tomar este bem, este alguém será considerado um ladrão e deverá ser condenado à morte.

Jornalismo é isso aí, ou Dino Almeida

Aqui também tem. Como diz e sentencia o mestre Gilmar: pra que diproma?
Acredite: http://comkharinanogueira.blogspot.com/

KHARINA NOGUEIRA
CUIABÁ, MATO GROSSO, Brazil
Funciona mais ou menos assim: Você fala comigo, eu falo com quem interessa e todo mundo fala bem de você, ou do seu negócio. KHARINA NOGUEIRA Image Maker e Colunista Social do Jornal Circuito Mato Grosso.

Dentro da noite veloz, por Ferreira Gullar

Lia sempre João Cabral, Drummond, Mané Bandeira (ainda não conhecia Manoel de Barros). Mas Gullar me deu um soco na cara em 75. O poema é para Ernesto Guevara. Depois li Poema Sujo e tal. Ferreira Gullar forévis.wm
I - Na quebrada do Yuro
eram 13,30 horas
(em São Paulo
era mais tarde; em Paris anoitecera;
na Ásia o sono era seda)
Na quebrada do rio Yuro
a claridade da hora
mostrava seu fundo escuro:
as águas limpas batiam
sem passado e sem futuro.
Estalo de mato, pio
de ave, brisa nas folhas
era silêncio o barulho
a paisagem
(que se move)
está imóvel, se move
dentro de si
(igual que uma máquina de lavar
lavando sob o céu boliviano, a paisagem
com suas polias e correntes de ar)
Na quebrada do Yuro
não era hora nenhuma
só pedras e águas

II
Não era hora nenhuma
até que um tiro
explode em pássaros
e animais até que passos
vozes na água rosto nas folhas
peito ofegando a clorofila
penetra o sangue humano
e a história se move a paisagem
como um trem começa a andar
Na quebrada do Yuro eram 13,30 horas

III
Ernesto Che Guevara
teu fim está perto
não basta estar certo
para vencer a batalha
Ernesto Che Guevara
Entrega-te à prisão
não basta ter razão
pra não morrer de bala
Ernesto Che Guevara
não estejas iludido
a bala entra em teu corpo
como em qualquer bandido
Ernesto Che Guevara
por que lutas ainda?
a batalha está finda
antes que o dia acabe
Ernesto Che Guevara
é chegada a tua hora
e o povo ignora
se por ele lutavas

IV
Correm as águas do Yuro, o tiroteio agora
é mais intenso, o inimigo avança
e fecha o cerco.
Os guerrilheiros
em pequenos grupos divididos
agüentam a luta, protegem a retirada
dos companheiros feridos.
No alto,
grandes massas de nuvens se deslocam lentamente
sobrevoando países
em direção ao Pacífico, de cabeleira azul.
Uma greve em Santiago. Chove
na Jamaica. Em Buenos Aires há sol
nas alamedas arborizadas, um general maquina um golpe.
Uma família festeja bodas de prata num trem que se aproxima
de Montevidéu. À beira da estrada
muge um boi da Swift. A Bolsa
no Rio fecha em alta ou baixa.
Inti Peredo, Benigno, Urbano, Eustáquio, Ñato
castigam o avanço dos rangers .
Urbano tomba, Eustáquio
Che Guevara sustenta
o fogo, uma rajada o atinge, atira ainda, solve-se-lhe
o joelho, no espanto
os companheiros voltam
para apanhá-lo. É tarde. Fogem.
A noite veloz se fecha sobre o rosto dos mortos.

V
Não está morto, só ferido
Num helicóptero iangue
é levado para Higuera
onde a morte o espera
Não morrerá das feridas
ganhas no combate
mas de mão assassina
que o abate
Não morrerá das feridas
ganhas no combate
mas de mão assassina
que o abate
Não morrerá das feridas
ganhas a céu aberto
mas de um golpe escondido
ao nascer do dia
Assim o levam pra morte
(sujo de terra e de sangue)
subjugado no bojo
de um helicóptero ianque
É seu último vôo
sobre a América Latina
sob o fulgir das estrelas
que nada sabem dos homens
que nada sabem do sonho,
da esperança, da alegria,
da luta surda do homem
pela flor da cada dia
É seu último vôo
sobre a choupana de homens
que não sabem o que se passa
naquela noite de outubro
quem passa sobre seu teto
dentro daquele barulho
quem é levado pra morte
naquela noite noturna

VI
A noite é mais veloz nos trópicos
(com seus na vertigem das folhas na explosão
monturos) das águas sujas
surdas
nos pantanais
é mais veloz sob a pele da treva, na
conspiração de azuis
e vermelhos pulsando
como vaginas frutas bocas
vegetais (confundidos com sonhos)
ou um ramo florido feito um relâmpago
parado sobre uma cisterna d´água
no escuro
É mais funda
a noite no sono
do homem na sua carne
de coca e de fome
e dentro do pote uma caneca
de lata velha de ervilha
da Armour Company
A noite é mais veloz nos trópicos
com seus monturos
e cassinos de jogos
entre as pernas das putas
o assalto a mão armada
aberta em sangue a vida.
É mais veloz (e mais demorada)
nos cárceres
a noite latino-americana
entre interrogatórios
e torturas (lá fora as violetas)
e mais violenta (a noite)
na cona da ditadura
Sob a pele da treva, os frutos
crescem
conspira o açúcar
(de boca para baixo) debaixo
das pedras, debaixo
da palavra escrita no muro
ABAIX
e inacabada Ó Tlalhuicole
as vozes soterradas da platina
Das plumas que ondularam já não resta
mais que a lembrança
no vento
Mas é o dia (com seus monturos)
pulsando dentro do chão
como um pulso
apesar da South American Gold and Platinum
é a língua do dia
no azinhavre
Golpeábamos en tanto los muros de adobe
y era nuestra herencia una red de agujeros
é a língua do homem
sob a noite
no leprosário de San Pablo
nas ruínas de Tiahuanaco
nas galerias de chumbo e silicose
da Cerro de Pasço Corporation
Hemos comido grama salitrosa
piedras de adobe lagartijas ratones
tierra en polvo y gusanos
até que
(de dentro dos monturos) irrumpa
com seu bastão turquesa

VII
Súbito vimos ao mundo
E nos chamamos Ernesto
Súbito vimos ao mundo
e estamos
na América Latina
Mas a vida onde está
nos perguntamos
Nas tavernas?
nas eternas tardes tardas?
nas favelas
onde a história fede a merda?
no cinema?
na fêmea caverna de sonhos
e de urina?
ou na ingrata
faina do poema?
(a vida
que se esvai
no estuário do Prata)
Serei cantor
serei poeta?
Responde o cobre (da Anaconda Copper):
Serás assaltante
E proxeneta
Policial jagunço alcagueta
Serei pederasta e homicida?
serei o viciado?
Responde o ferro (da Bethlehem Steel):
Serás ministro de Estado
e suicida
Serei dentista
talvez quem sabe oftalmologista?
Otorrinolaringologista?
Responde a bauxita (da Kaiser Aluminium):
serás médico aborteiro
que dá mais dinheiro
Serei um merda
quero ser um merda
Quero de fato viver.
Mas onde está essa imunda
vida – mesmo que imunda?
No hospício?
num santo
ofício?
no orifício da bunda?
Devo mudar o mundo,
a República? A vida
terei de plantá-la
como um estandarte
em praça pública?

VIII
A vida muda como a cor dos frutos
lentamente
e para sempre
A vida muda como a flor em fruto
velozmente
A vida muda como a água em folhas
o sonho em luz elétrica
a rosa desembrulha do carbono
o pássaro da boca
mas
quando for tempo
E é tempo todo o tempo
mas
não basta um século para fazer a pétala
que um só minuto faz
ou não
mas
a vida muda
a vida muda o morto em multidão.

O amor, por Maiakovski

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.

Nós que amávamos a revolução

Cantada, de Ferreira Gullar.

Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro
Você é mais bonita que uma poça dágua
límpida
num lugar escondido
Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar
Você é mais bonita que um jardim florido
em frente ao mar em Ipanema
Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira
da República Dominicana
Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana

Sambinha

Quero chorar
Não tenho lágrimas
Quero fumar
Não tenho fósforos
Não tenho nada
Mas que saco

O olhar de Capitu

Primeiro parágrafo de um romance interminável.

Prestimosa, inconseqüente defensoria das retumbantes coxias fluorescentes, deita-se ao alvedrio das nuvens claras, planaltos em decúbito. Resta, incandescente, a inspeção risonha de obras raras postas nuas pela estrada. Estufa a aurora, claramente uma nesga de ossatura invejável percorre as trufas sob a égide crepuscular. Haja listas frouxas, pendência decisiva rente à nuca. O que se depreende desta cártula ilesa, urbana e mera quimera pubiana?

Código de Hamurábi

6. Se alguém roubar a propriedade de um templo ou corte, ele deve ser condenado à morte, e também aquele que receber o produto do roubo do ladrão deve ser igualmente condenado à morte.

Antes de ler Pompeu

"O patriotismo é o último refúgio de um canalha".
Samuel Johnson, muito antes do imenso Nelson Rodrigues.


A Wikipédia diz quem foi (é) o tal.

Talibãs de chuteiras

A Veja está uma merda, direitaça, raivosa, babaca. Sei porque trabalhei lá, quando era uma revista do caramba, tocada pelo Guzzo, pelo Gaspari, pelo Augusto Nunes e por quem escreve abaixo, todos craques das pretinhas (ainda não havia computer; tô ficando velho). Roberto Pompeu de Toledo, editor executivo no meu tempo, hoje colunista, anda cada vez mais craque. Pompeu forévis. (Em tempo: saudade do Pedro Franco, que hoje caminha no céu de Almeria.) O artigo do Pompeu foi retirado da Veja desta semana.

A temporada de Copa do Mundo começa mal. Logo de saída, o técnico Dunga nos ameaça com patriotismo. Nada menos do que patriotismo! Um anúncio de cerveja na televisão, no ar faz algumas semanas, já batia na mesma infausta tecla. Um desesperado Dunga, esbravejando iracundas palavras de ordem e gesticulando como um possesso, num cenário cheio de sugestões de verde-amarelismo, pregava que para ganhar no futebol só sendo "guerreiro" – no caso, "guerreiro" como os consumidores da cerveja em questão. Na entrevista em que divulgou a lista dos convocados, na semana passada, o técnico ofereceu novas manifestações de seu ardor cívico. Disse que a mãe, professora de história e geografia, o ensinou a ser patriota. Insistiu em que cada um dos jogadores convocados tem de "mostrar patriotismo". E tome expressões como "doar-se pelo país", "comprometimento", "responsabilidade". A Copa do Mundo, na doutrina Dunga, é um calvário que é preciso escalar sem medir prejuízos, físicos ou morais, para fincar lá no alto o pendão verde-amarelo.

O anúncio da cerveja, ou antes a série de anúncios, pois se trata de mais de um filme, com variações sobre o mesmo tema, já nos ensinava que Copa do Mundo é "guerra". Vai-se para um jogo do Mundial, segundo prega uma das peças publicitárias, "como quem vai para uma batalha". Alguns jogadores aparecem em cena secundando o técnico no ímpeto belicoso. "É o Brasil contra o resto do mundo", anuncia o locutor. "Vamos para a guerra juntos." As tomadas épicas exibidas a seguir evidenciam que os atletas estão prontos para a missão sagrada. "Raça", pede o locutor. Tanto jogadores quanto torcida devem se irmanar na "raça". Quando o time entra em campo, não é um time. São os marines desembarcando em Bagdá, ainda mais temíveis por se acharem anabolizados pelos teores guerreiros inerentes ao consumo da cerveja. O resto do mundo que se cuide.

O anúncio é a expressão de uma filosofia (decifre-a quem for capaz) que combina os efeitos da cevada fermentada, o nacionalismo e o bom desempenho no esporte. De quebra, explica que a Copa do Mundo não é, como pensariam os mais desavisados a respeito das competições ou dos congressos internacionais, uma oportunidade no mínimo interessante para sair um pouco da própria casca e deparar com outros panoramas, outras gentes e outros costumes, ainda que se tenha de disputar um campeonato. É a arena em que ou se fará correr o sangue do inimigo ou se deixará o próprio sangue.

Tanto o discurso de Dunga como a publicidade da cerveja obedecem à mesma concepção de futebol das torcidas organizadas. Os estádios são hoje o território delas. Os coros, as músicas e as coreografias se sucedem durante os jogos. É bonito de ver, mas é assustador cruzar com elas na rua. A noção que as congrega é a de "nação". Fala-se na "nação alvinegra", na "nação tricolor". A preferência por um clube traveste-se de patriotismo. Como exige todo patriotismo, o passo seguinte é eleger um inimigo. O inimigo é o que veste uma cor diferente e entoa um coro diferente. Que fazer com ele? Ora, inimigo se combate. Estraçalha-se, ao primeiro encontro na estação de metrô. O embate de torcidas organizadas tem causado mortos e feridos, no Brasil e mundo afora. Dunga e a cerveja endossam a mesma lógica nacionalista que as embala. A mensagem que deixam no ar é que as torcidas organizadas estão certas.

O técnico da seleção transmite uma visão sacrificial do futebol. No seu repertório, ao "comprometimento" e à "doação" soma-se a "superação". ("Superação" é palavra da moda. Por "superação" entende-se até conseguir fazer regime para emagrecer.) Na entrevista da convocação ele disse que não gosta de se pôr como vítima e que seu propósito é ser feliz. O conjunto do discurso, no entanto, aponta para o inverso. Ele é vítima de críticos que não reconhecem o valor de "todo um trabalho", por ele feito ao longo de três anos e meio com "coerência". Mas não importa. A infelicidade é o caminho pelo qual se chega ao triunfo. A alegria que pode (e em princípio até deve) haver numa disputa esportiva desaparece sob os imperativos da renúncia e da abnegação. Futebol é jogo, e jogo é brinquedo. Paulo Mendes Campos escreveu uma vez que a bola é o mais perfeito brinquedo jamais inventado. Dunga e a cerveja, com seus arrebatamentos cívicos, seu espírito "guerreiro" e sua busca de inimigos, passam longe das noções de jogo e brinquedo. Sob a inspiração deles, quem entra em campo é o talibã de chuteiras.

Vox Dei?

Dilma agora em primeiro.
Trata-se do primeiro poste mal educado liderando pesquisa.
Plínio forévis.

Microconto 5 de 100

Clarice fugiu com o circo. Voltou grávida. O pai não perdoa: “Se nascer anão, afogo no tanque.”

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A Paulo Henrique, o Ganso que é de Deus

Um quase João Cabral. E quem me dera...
Paulo Henrique imprime ao jogo
E ao inimigo
O peso do nada
Da bola que vai
E fica
E logo vai
No peito do amigo
Na cara do gol
Paulo Henrique
Joga tênis
Bola sem peso
Ao nada
Ao de repente
No canto da quadra
Paulo Henrique
Lança
Do meio da quadra
Três pontos
Frio feito pedra
Paulo Henrique
Passa curling
Ao gol
Só ele
Jamais
Outro Ganso
No inverno
No inferno
Do jogo

OSS

É O CAMINHO DO SHINOBU.
SHINOBU É A SABEDORIA DO ATAERU, KANGAERU E TAERU.
SHINOBU É A BONDADE DO YURUSSU E SUKUU.
ATAERU- PRESENTEAR, FICAR À DISPOSIÇÃO
KANGAERU- PENSAR,PESQUISAR
TAERU- SUPORTAR, PERSISTIR
YURUSSU- PERDOAR
SUKUU- APOIAR, AJUDAR.

Microconto 4 de 100

Não, Mário. Não aqui. Guarde o teu. Agora, aperte, morda, até babe. Pare um pouquinho só. O filme já começou, amor.

Código de Hamurábi

3. Se alguém trouxer uma acusação de um crime frente aos anciões, e este alguém não trouxer provas, se for pena capital, este alguém deverá ser condenado à morte.
4. Se ele satisfizer aos anciões em termos de Ter de pagar uma multa de cereais ou dinheiro, ele deverá receber a multa que a ação produzir.
5. Um juiz deve julgar um caso, alcançar um veredito e apresentá-lo por escrito. Se erro posterior aparecer na decisão do juiz, e tal juiz for culpado, então ele deverá pagar doze vezes a pena que ele mesmo instituiu para o caso, sendo publicamente destituído de sua posição de juiz, e jamais sentar-se novamente para efetuar julgamentos.

O livro jamais acabará

Pela Associated Press, retirado do Valor Econômico.

O escritor italiano Umberto Eco é um entusiasmado estudioso do erro. "Sou fascinado pelo erro, pela má-fé e pela estupidez", diz. Já escreveu um livro, "A Guerra do Falso", inédito no Brasil, dedicado aos museus americanos de reproduções de obras de arte. Criou, com "Os Limites da Interpretação", uma teoria da falsificação. Baudolino, um de seus personagens mais célebres, é um sofisticado falsário. O erro sempre aponta para algo que não devemos esquecer.
Entre as obsessões de Eco está o combate a uma das mais celebradas falsificações de nossos dias: aquela que, cheia de argumentos e certezas, anuncia a morte do livro. A disseminação do computador, desdobrada agora nos livros eletrônicos, é o argumento principal dos que desempenham o papel de coveiros. Umberto Eco crê, ao contrário, que a informática e o avanço tecnológico nos trouxeram de volta à era alfabética. "Se um dia acreditamos ter entrado na civilização das imagens, eis que o computador nos reintroduz na Galáxia de Gutemberg", argumenta. Já que, com o advento do computador e da web, "todo mundo vê-se obrigado a ler".
Eco defende sua tese com ênfase em "Não Contem com o Fim dos Livros", longo diálogo com o escritor e ensaísta francês Jean-Claude Carrière (organização e mediação de Jean-Philippe de Tonnac, tradução de André Telles, Record, 272 págs., R$ 39,00). Os que apostam na morte dos livros - seja como um sinal da era das imagens, seja como uma oportunidade de novos negócios - devem colocar suas barbas de molho, os dois alertam. Por um motivo simples: o livro não vai morrer.
Eco observa que o livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Instrumentos que, uma vez inventados, não podemos aprimorar. "Você não pode fazer uma colher melhor que uma colher", diz. Do mesmo modo, e para o mesmo uso, não podemos fazer algo melhor que o próprio livro. Ao longo dos séculos, muitos se esforçaram para matar o livro. Censura, ignorância, imbecilidade, inquisição, negligência, incêndio são, apenas, alguns de seus inimigos, lembra o prefaciador Jean-Philippe de Tonnac. Muita coisa, por certo, se perdeu, o que leva Tonnac a construir uma sedutora tese sobre a cultura. "A cultura é muito precisamente o que resta quando tudo foi esquecido." O livro é o guardião desse grande resto que nos constitui.
Eco sempre diz que o homem é metade gênio, metade imbecil. Os livros não poderiam escapar desse destino e por isso sua história também é, muitas vezes, lamentável e cheia de impurezas. Nada de glorificar o livro, nada de elevá-lo acima das contingências humanas. Como qualquer artefato humano, ele tem uma história oscilante e pode, com a mesma facilidade com que nos eleva, também nos enganar e afundar.
Feita essa ressalva, e ainda assim, o livro não morrerá, Eco e Carrière garantem. Não podemos usar um computador sem saber ler e escrever, eles lembram. Para Eco, a escrita é "um prolongamento da mão e, nesse sentido, é quase biológica". Ele medita: "Quando você inventa uma coisa dessas, não pode mais dar para trás".
A escrita sempre terá seus lapsos, nenhuma tecnologia a livrará deles. Essa condição invade até mesmo o universo dos livros sagrados. Muitos especialistas acreditam que existiu um "Evangelho" original, conhecido com "Q." - evangelho-fonte, batizado a partir da palavra alemã "Quelle". As primeiras palavras de Buda só foram transcritas em "O Sermão de Benares", trabalho de um discípulo, Ananda. A cultura é cheia de lapsos, ausência e furos. Muita coisa boa - mas também muita coisa ruim - se perdeu e se perderá. Nem o computador, que parece tão preciso e poderoso, nos serve de garantia.
É verdade, eles admitem, a velocidade tecnológica transforma nossos hábitos mentais. "Foi preciso quase um século para as galinhas aprenderem a não atravessar a rua", Eco recorda. "A espécie terminou por se adaptar às novas condições de circulação." Mas nós, humanos, não dispomos desse tempo. Nos filmes de ação americanos de hoje, nenhum plano deve durar mais de três segundos, ele lembra. O mundo contemporâneo não admite a lentidão.
Sim, agora temos o e-book - mais ágil, mais rápido, mais limpo. A partir dessa notável invenção, passamos, porém, a vaticinar a morte do livro. Ocorre que "a grande qualidade do futuro é ser perpetuamente surpreendente", lembra Carrière. O futuro não procede do conhecido, mas do desconhecido. Não é uma repetição, mas uma revelação. Matar o livro por antecedência, como um assassino que acredita que basta planejar uma morte para que ela aconteça, é, em consequência, inútil. Inútil e estúpido.
O próprio passado não é bem o que pensamos. Imaginamos, por exemplo, que o século XIX foi muito mais lento que o nosso. Um dia, visitando a biblioteca de José Mindlin, em São Paulo, Jean-Claude Carrière teve a chance de ver uma edição de "Os Miseráveis", de Victor Hugo, publicada e impressa no Rio, em português, em 1862. Isto é, no mesmo ano em que o livro foi publicado em Paris, só dois meses depois! O ensaísta descobriu, então, que, enquanto Hugo escrevia, Hetzel, seu editor, despachava o livro, capítulo após capítulo, aos editores estrangeiros. A rapidez de sua primeira tradução brasileira ultrapassa a velocidade dos atuais best-sellers.
"Às vezes é útil relativizar nossas pretensas proezas técnicas", Carrière sugere.
Muito de nosso mundo virtual foi, de certa forma sutil, antecipado pelos clássicos. Carrière cita o exemplo da "Eneida", em que Virgílio, no famoso "Livro VI", já descia não só ao inferno, mas a algo que se assemelhava ao mundo virtual. "Todos os personagens com que você se depara nesse mundo foram alguém ou têm a possibilidade de ser alguém um dia", ele rememora. "Como se Virgílio tivesse tido a intuição das tecnologias de que nos vangloriamos." Se for assim, nada mais fizemos do que cumprir suas profecias. O computador, quem sabe, começou com Virgílio!

No mundo de hoje, mais do que as supostas ameaças ao livro, o que mais impressiona Carrière é "a completa extinção do presente". De um lado, vivemos obcecados pelo futuro - que é sempre incerto. De outro, "o passado nos alcança a toda velocidade". Entre o futuro e o passado, o presente se estreita, se comprime, é quase nada. Mais do que a possibilidade do fim do livro, Carrière se assombra com o fim do presente. Pergunta: "Onde enfiaram o presente? O maravilhoso momento que estamos vivendo e que diversos conspiradores tentam nos roubar?"
O grande problema trazido pela web, entendem os dois amigos, é uma inundação de detalhes e de caminhos, que nos afogam, sem que tenhamos como filtrá-los. Cada página da web nos lança em um desfiladeiro. Cada vez mais, precisamos decidir o que ler - precisamos escolher. Nesse aspecto, o livro ganha ainda mais importância. Em um mundo acelerado e atulhado, impõe-se a necessidade de uma "edição do presente". Carrière compara a web ao panteão dos deuses hindus, com suas 36 mil divindades principais. Para se movimentar nessa teia de deuses, e embora compartilhem as mesmas crenças, cada indiano elege suas divindades prediletas. Diante da tela do computador, precisamos fazer o mesmo. Nesse aspecto, o livro é nosso melhor parceiro.
Bibliófilos apaixonados, Eco e Carrière têm seus sonhos impossíveis. Eco, por exemplo, gostaria de encontrar outro exemplar da "Bíblia" de Gutemberg. Também gostaria de ter em sua biblioteca as tragédias gregas perdidas que Aristóteles cita na "Poética" e que, se descobertas, poderiam colocar em risco, quem sabe, reputações respeitáveis como as de Sófocles e de Eurípides. Já Carrière diz que subiria nas nuvens caso descobrisse um códice maia desconhecido. Ambos se espelham em Paul Pelliot, o explorador e linguista francês que, em 1911, descobriu, em uma caverna, 70 mil manuscritos do século X. Hoje eles formam o acervo Pelliot na Biblioteca Nacional de Paris.
Por que alguns livros sobrevivem e outros não? Quantos grandes autores existiram a respeito dos quais nada sabemos? Muitas vezes, grandes livros estão bem ao nosso lado, mas somos incapazes de vê-los. "Cada leitura modifica o livro, assim como os acontecimentos que atravessamos", Carrière comenta. Semanas antes da conversa com Eco, ele abrira o "Quixote" em sua última parte, a que é menos lida. Nela, Sancho, de volta para casa, diz uma frase espantosa: "Em lugar nenhum encontramos a acolhida almejada por nosso infortúnio". Resume Carrière: "Atualidade de um grande livro: nós o abrimos, ele nos fala de nós". Não precisamos de mais nada.
Flaubert dizia, nos lembram os dois amigos, que a burrice é querer concluir. Umberto Eco sugere: "A burrice é uma forma de administrar a estupidez com orgulho e assiduidade". Afirma Carrière que o imbecil pode chegar por si mesmo a soluções peremptórias e impressionantes. "Ele quer encerrar para sempre uma determinada questão." Esta é a única garantia que o livro nos dá: questões não podem ser encerradas sem se converter em tolices. Os que perguntam se o livro vai morrer buscam uma resposta que encerre a pergunta, que a extermine e liquide. Eles, sim, pretendem matar o livro.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Microconto 3 de 100

O menino de castigo, trancado no armário da escada. Rasga o pacote de açúcar para o rato com fome e com ele conversa sobre a vida no escuro.

Código de Hamurábi

2. Se alguém fizer uma acusação a outrem, e o acusado for ao rio e pular neste rio, se ele afundar, seu acusador deverá tomar posse da casa do culpado, e se ele escapar sem ferimentos, o acusado não será culpado, e então aquele que fez a acusação deverá ser condenado à morte, enquanto que aquele que pulou no rio deve tomar posse da casa que pertencia a seu acusador.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O cachorro antissistema

Retirado do El País (on-line), o melhor jornal do mundo.

Lo descubrió el periódico británico The Guardian. Bajo el título Kanelos, el perro griego manifestante, el diario publicó un amplio despliegue fotográfico sobre el curioso protagonismo de un cuadrúpedo mil razas, de tamaño medio y collar azul que acostumbra a enseñar los dientes a los hombres del MAT (antidisturbios) y no se arredra ni siquiera ante los botes de humo, en casi todas las manifestaciones que desde hace dos años sacuden el centro de Atenas. Sólo que Kanelos -en alusión al color de su pelaje- no atiende a ese nombre, sino al de Lukánikos (salchicha).

Los disturbios por la muerte de un joven a manos de un policía se recrudecen en Grecia
La cuarta huelga general en Grecia desde febrero se cobra tres muertos
Grecia
A FONDO
Capital: Atenas.Gobierno:República.Población:10,722,816 (est. 2008)La noticia en otros webs
•webs en español
•en otros idiomas
El reportaje del Guardian llamó la atención de otros medios de comunicación extranjeros, donde, todo hay que decirlo, Lukánikos, Luk para los amigos, chupa más cámara que en Grecia, pese a que hoy le dedica una página entera Ta Nea (centro-izquierda), un diario nada sospechoso de sensacionalismo. Tras el Guardian, se han fijado en Luk los diarios italianos Il Corriere della Sera y La Repubblica, el semanario estadounidense Newsweek, el periódico francés Libération, el canadiense Globe and Mail, o el sueco Aftonbladet.

La presencia de Luk en las manifestaciones -la mayoría de las veces pacíficas, pero con derivas violentas- no es de extrañar. El centro de Atenas está plagado de perros callejeros, absolutamente inofensivos, que pasan las horas tumbados a la bartola bajo un árbol o sobre el pavimento. Si el suelo es de mármol, mejor que mejor: por ejemplo, el de la explanada del Parlamento, en la plaza Sintagma. Así ocurre en invierno y en verano. Los griegos son amables con los animales -también con los miles de gatos diseminados por doquier- y siempre hay un alma generosa que les acerca las sobras de una taberna, o un poco de pienso de supermercado. El Ayuntamiento se encarga de vacunarlos y esterilizarlos, indicándolo con un collar azul para los machos y uno rojo para las hembras.

Pero lo de Lukánikos ha batido todos los récords. Aparte de su presencia en medios de comunicación internacionales, el perro, "la mascota de los griegos, el que siempre está en primera línea" -escribe Ta Nea-, ha saltado a la Red, donde protagoniza varios vídeos colgados en YouTube, tiene su propio blog y otros con entradas dedicadas al animal. También disfruta de sus propios grupos de amigos en Facebook. Riot Dog, una de las páginas dedicadas a él de esa red social, tiene cerca de 10.000 seguidores. Tiene otro, Kanellos, con cerca de 2.800 fans.

Este último nombre, utilizado por el Guardian era una referencia al perro de un grupo antisistema radicado en el barrio de Exarjia -la zona de marcha de Atenas, en el más amplio sentido de la palabra: desde refriegas con los antidisturbios a infinidad de bares y clubes-, donde murió en julio de 2008 a los 17 años de edad; todo un símbolo del movimiento antisistema, que también tiene su propio blog. Lukánikos, su sucesor, hizo su debú en el mundo radical en diciembre de ese año, en los disturbios que siguieron a la muerte del joven Alexis Grigorópulos, de 15 años, por un disparo de la policía. Hay cierta confusión mediática y cibernética, por lo que el mismo perro (por lo menos en apariencia) aparece en blogs y noticias bautizado tanto como Kanelos como Lukánikos.

El chucho le cogió afición a los gases lacrimógenos, al parecer, porque desde entonces no se ha perdido ninguna manifestación que tenga la bronca asegurada. Una nueva raza de manifestante, le llama hoy el diario Ta Nea. Aunque, a saber, entre las decenas de perros callejeros que hay en Atenas, cuántos clones tiene ahora mismo Lukánikos, o incluso el difunto Kanelos.