sábado, 27 de setembro de 2014

O que eu quero do próximo presidente. Ou da presidenta, para ser mais claro e óbvio

Dilma

Minha cara presidenta,
O Aurélio de que disponho em meu computador diz que presidenta é a mulher do presidente ou a mulher que preside.
Logo, como você não é mulher de presidente nenhum, viu?, sei que você é a mulher que preside.
Preside esta Nação chamada Brasil.
Nação é um conceito.
Brasil é um País.
Brasil é um Estado.
Você é a chefa do Executivo.
Têm os chefes do Legislativo e do Judiciário, eu sei.
Mas falo de você.
Você está a poucos dias de se reeleger presidenta da República.
Terá mais quatro anos para prosseguir com um governo iniciado quatro anos atrás.
Sou um homem brasileiro nascido há quase 60 anos e passei pela ditadura (não, não fui perseguido nem nada, e mesmo no movimento estudantil era tão pequeno que nem tive direito a ficha no DOPS, o que, aliás, me chateou).
Mas compareci a assembleias estudantis, fiz uso da palavra e tal.
Na Faculdade de Direito da UFPR ajudei a refundar um partido para combater a direita que lá mandava – e como perdemos ela continuou mandando.
Fui até orador do partido de oposição – eu e minha timidez -, mas perdemos aquela eleição para a direita, que, na verdade, nem sabia que era de direita. Os amigos só queriam jogar bola, truco, fazer festa, bater um sambinha. A bomba na OAB e nas bancas de jornais eram fatos para eles distantes de Curitiba, apenas fatos. Morreu gente. Eram apenas fatos. Nosso Centro Acadêmico, que me lembre, nem sequer escreveu uma nota. Mas tudo bem.
Na escola de Comunicação da UFPR eu sempre fui de oposição. 
Jornalista, sempre fui da oposição sindical.
Na vida, sempre fui de oposição.
Continuo de oposição.
Falei demais, não?
Veio 1989 e lá estou eu: oposição. Roberto Freire (arrependimento não mata) e Lula. E Lula e Lula... E Plínio (é isso, não votei em você, viu?)
Sempre na oposição.
Vou encurtar o papo.
Estamos na eleição democrática mais importante da história “desse” País.
Decidi que vou votar em você.
Minha mulher adorou. Meu irmão é Luciana e me chamou de fraco.
Não acho que seu governo tenha sido o dos meus sonhos, mas duvido que o dos seus adversários pudesse vir a ser o dos meus anseios.
Falo de Marina e Aécio.
Seus adversários diretos não me inspiram confiança.
Confesso que se você já estivesse garantida escolheria entre a Luciana e o Eduardo – mais próximos do que sonho.
Mas a vida não é sonho, são os fatos, o mundo são os fatos, como já disse meu filósofo favorito, o Ludovico.
Então escolhi você.
Você não sabe quem sou e certamente meu voto será apenas mais um no seu balaio, que, espero, esteja tão cheio neste primeiro turno que lhe garanta a reeleição desde logo.
Mas Dilma, ou Diiilma, coração valente...
Como seus antecessores, você está devendo. E é por isso que lhe dou, humildemente, meu pobre e ralo voto – uma gota no seu oceano, que, espero, a manterá no comando do conceito Nação, no concreto Brasil.
Dou-lhe, Dilma, meu humilde voto na esperança e na cobrança de que você, nos quatro anos que lhe restam de comando, cumpra o que todos, digo todos, prometeram e não cumpriram. Não, justiça seja feita, em alguns temas seus antecessores nem chegaram perto.
Acho que sou eu que falo demais.
Melhor, jogo agora. Nesta campanha, pelo que li (não vi porque não tenho TV em casa, o que me faz muito bem), nem você nem Marina nem Aécio nem Luciana nem Eduardo Jorge (meu xará ao contrário) nem os demais cobriram os temas que queria ver abordados. Por certo para não magoar o agronegócio, as empreiteiras, os bancos, o grande capital, até as contas do governo, enfim.
Os mais à esquerda falaram claro, mas sem proporem as soluções que eu esperava.
Cara futura presidenta reeleita, serei breve, como breve é nossa vida humana, mas longa é a vida do nosso Brasil.
Você vai ser por mais quatro anos presidenta da República Federativa do Brasil devendo a mim e a quem interessar possa a solução definitiva ou encaminhada, vá lá, (algumas das quase resolvidas há séculos em alguns países e outras mais recentes em outros, mas de urgente solução por aqui) dos seguintes temas, colocados sem ordem de importância, pois todos são urgentes:
1 – Fechamento e selamento definitivo das usinas nucleares de Angra dos Reis;
2 – Definição de matriz energética e suas alternativas, sem energia nuclear;
3 – Democracia (e tudo o que nela está implícito) na discussão sobre a construção de usinas hidrelétricas em rios vitais (é difícil, mas deve haver democracia nessa discussão) Mais: propostas em torno de alternativas;
4 – Demarcação definitiva e com proteção permanente (pelas Forças Armadas, PF, governos estaduais e prefeituras – entendam-se) das terras indígenas, mais assistência, no mato, no campo e na cidade aos nossos fundadores;
5 – Contratação, por concurso público, de equipes que garantam a proteção às terras indígenas, punindo severamente a invasão de fazendeiros, mineradores, etc.;
6 – Demarcação e proteção por forças federais de áreas de mineração estratégica, com exploração estatal (ou por concessão) para o governo federal;
7 – Reforma agrária ampla e sem subterfúgios, com expropriação, de terras improdutivas, em favor de famílias e cooperativas legalmente constituídas;
8 – Banimento definitivo do trabalho escravo no campo, com expropriação de terras em que ele seja constatado de acordo com a lei, mais incentivo claro à agricultura familiar, ou você come soja?. No mesmo item, fiscalização e zoneamento de áreas transgênicas (sou pelo banimento, mas não vai colar);
9 – Expropriação de terras, em favor da União e, em seguida, de famílias produtoras agrícolas, onde haja produção de tóxicos (maconha, etc.), em extensão da reforma agrária;
10 – Extinção definitiva do trabalho escravo – ou dele análogo – em propriedades de qualquer natureza, com o consequente confisco, em favor da União, das propriedades onde este se verificar, e destinação do imóvel às vítimas, na forma da lei vigente ou por lei nova ou, ainda, Medida Provisória;
11- Confisco de imóveis e de bens de capital onde se comprovar trabalho escravo na cidade, sempre em favor da União, que reverterá tais bens aos trabalhadores explorados (brasileiros ou estrangeiros) na forma da lei ou ser estabelecida para tal, cumulado com expatriação de seus exploradores ou com punição, na forma da lei, se forem nacionais;
12 – Extinção do trabalho infantil, com as consequências da lei vigente e destinação das vítimas à atenção devida, na forma da lei, de acordo com o Estatuto de Criança e do Adolescente, sobretudo, da Constituição; 
13 – Reforma urbana, com ampla discussão entre cidadãos, empresas, sindicatos, associações, organizações e conselhos profissionais, com o objetivo de tornar as cidades mais habitáveis. Trata-se de um conceito mais etéreo, mas possível.

Mas não é só isso, presidenta.
Mas  não é o mínimo.


Deixei por último, dois pontos:
1 - Aumento do salário mínimo, na média de cálculo do Dieese e do MF;
2 - Extinção do Fator Previdenciário (perguntem ao Paulo Paim).

E agora edito, pois quase me esqueci, mas não menos importante:

Com todas as letras, Dilma: TRIBUTAÇÃO DAS GRANDES FORTUNAS, CONFORME A CONSTITUIÇÃO.

Afinal, 

Vivemos no capitalismo.

Meu voto pesa.
Vou cobrar.
Beijo.
Suerte pra você, presidenta.

domingo, 21 de setembro de 2014

Escravidão, a poderosa empresa estatal que movia todo um país de funcionários públicos

Por Valério Fabris, jornalista em Belo Horizonte
                 

O Brasil é apaixonado por empreendimentos estatais. O maior foi a escravidão, que durou ininterruptos 335 anos, de 1533 a 1888.  Em mais de três séculos, foram embarcados para cá cerca de 5,5 milhões de africanos.  Chegaram 4,8 milhões de pessoas; 700 mil morreram nas viagens. O inexpugnável aparato escravagista blindou o país inteiro. Os olhos e ouvidos do vigilante monarca multiplicavam-se em juízes, intendentes, milicianos, conselheiros, ouvidores, proprietários de terra e padres.

A escravidão de mais de três séculos obteve apoio da larga maioria dos brasileiros; excetuavam-se umas duas dúzias de intelectuais. Os escravos padeciam silenciosamente.  No mais, por aqui, aplausos à chibata. O Brasil veio a abolir a escravidão a contragosto, em face da intensa pressão dos movimentos sociais do hemisfério norte, levados adiante por religiosos e humanistas, tendo como epicentro a Inglaterra. A mobilização da opinião pública inglesa iniciou-se em 1787. A onda espalhou-se pelas nações vizinhas, chegando ao norte dos Estados Unidos.  O fenômeno da proliferação de núcleos antiabolicionistas seria semelhante, hoje, ao dos globalizantes movimentos ambientalistas.  

As campanhas internacionais ecoaram no Brasil, animando o agrupamento de abolicionistas daqui a continuar a sua pregação.  Acusavam-se esses abolicionistas brasileiros de serem liberais e anglófilos, antipatrióticos, integristas e até mesmo de comunistas, uma vez que se opunham à propriedade privada, à posse dos escravos.  Semelhanças há entre os argumentos lançados, ontem e hoje, com o intuito de desqualificar os abolicionistas do século XIX e os ecologistas deste novo milênio: estariam a serviço do capital monopolista, que se utiliza de todos os meios com vistas ao continuado enfraquecimento das economias periféricas, tornando-as ainda mais dependentes dos países centrais. 

Os abolicionistas Joaquim Nabuco, André Rebouças, Antônio Bento, Luis Gama e José do Patrocínio, entre outros, foram tachados de antipatrióticos e subalternos ao ideário inglês.  Nabuco viu estreitar de tal modo o seu campo profissional de advogado que, pela falta de clientes, optou pelo auto-exílio na Inglaterra, em 1882.  Mesmo com a constante oposição dos abolicionistas, o empreendimento escravagista nacional avançava olimpicamente. No Brasil, a escravidão durou 109 anos a mais do que nos Estados Unidos – lá, ela começou em 1619 e acabou em 1863.   

O jeitinho brasileiro é -  usando uma frase do historiador Sergio Buarque de Holanda -  a “forma que se converteu em fórmula” de conservação do modelo estatizante, burocrático e escravagista. Com o pretexto da (ainda hoje) alegada governabilidade, na tentativa de acalmar os ingleses e a opinião pública estrangeira, o império anunciou a interrupção do tráfico negreiro, em 1883, com a Lei Eusébio de Queiroz.  Mas, o tráfico persistiu até a assinatura da Lei Áurea, em 1888, com o subterfúgio do contrabando consentido pelo império.  Assim nasceu a expressão “só para inglês ver”. 

Nabuco previu que, a despeito da abolição, o conservadorismo do poder imperial permaneceria, secularmente, como nossa matriz ideológica, baseada no tripé do centralismo, da burocracia e do empreguismo, da concentração de renda.  As escolas inexistiam pelo Brasil afora, já que não se educam escravos.  O interior do Brasil era uma vastidão de miséria. Sem dinheiro circulando, pois trabalho escravo é impagável, não florescem as atividades do comércio varejista ou atacadista, e, consequentemente, as poucas cidades de então continuavam atrofiadas na pobreza. 

O abolicionista vaticinou, ainda, que nossos corações e mentes guardariam “invencível horror a toda a espécie de trabalho” relacionada à lida dos escravos. Isto é, aos afazeres que provoquem suor na camisa. Essa pretendida leveza e assepsia aristocráticas encontraram aconchego na “empregomania” (como sublinhou Nabuco) das repartições.  Excetuando-se os escravos, os brasileiros de toda a nação buscavam empregos públicos.

Eis uma fala de Nabuco, pronunciada em 1888:  “Vós compreendeis que quem sustenta os empregados públicos são os produtores, os contribuintes: se o funcionalismo chegasse para quantos o procuram, o ordenado de cada empregado teria que sair da sua própria algibeira”. 

Ou seja, 1888 é um ano que ainda não terminou.