sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Carlos

http://www.youtube.com/watch?v=PL7g1bT0_xg

Carlos, um brasileiro

Retirado do IG.
Por Raphael Gomide.

O jornal francês “Le Monde” o chamava de “mulato hercúleo”, a revista Time fantasiou olhos verdes – eram castanhos –, a CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) o descreveu em relatórios como “sucessor de Guevara” e inspirador de movimentos revolucionários na América Latina. Deputado da constituinte de 1946, cassado quando o partido foi declarado ilegal, o baiano Carlos Marighella aderiu à luta armada durante a ditadura militar, instituída em 1964.
Fundou e comandou a maior organização do gênero, a ALN (Ação Libertadora Nacional), e passou a “inimigo público número 1”, nas palavras do ministro da Justiça, Gama e Silva. Marighella viveu e sofreu quatro das décadas mais intensas da política nacional.
Desarmado, sem seguranças e de peruca, sua vida acabou com quatro tiros, em novembro de 1969, ao tentar alcançar o veneno que levava na pasta, em um “ponto” da ALN, na Alameda Casa Branca, em São Paulo. Organizada pelo temido delegado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) paulista Sérgio Paranhos Fleury, que lhe deu voz de prisão antes da fuzilaria, a operação tinha mais de 30 policiais. “Matamos Carlos Marighella”, contou uma agente à mãe, por telefone.
Figura notória na ditadura, quando estampou duas capas da revista Veja, Marighella passou a um nome esquecido da História brasileira, quase ausente nos livros escolares e desconhecido da juventude. O jornalista Mário Magalhães, 48, dedicou nove anos – mais de um terço de sua carreira de 26 anos – para resgatar a história “de cinema” desse neto de escravos e filho de italiano em 732 páginas no livro “Marighella – O Guerrilheiro que incendiou o mundo”, da Companhia das Letras (R$ 56,50).
Invisível nos livros de História
Polícia SP/ Divulgação biografia
Marighella fichado pela polícia política, em 1939, em São Paulo
“De todos os brasileiros, a vida que identifiquei como a mais fascinante a ser contada foi a de Marighella. Pode-se não gostar dele, mas é impossível ficar indiferente a ele. É um gigante da História do Brasil e um dos brasileiros com maior projeção no exterior. A ausência dele nos livros de História é uma desonestidade intelectual – seria o equivalente a tirar Carlos Lacerda. Não defendo que o promovam, mas não podem omiti-lo”, disse Mário Magalhães ao iG .
Tendo passado boa parte de sua atividade política na clandestinidade, Marighella dificultou o trabalho de seu biógrafo, não tendo deixado diários ou agendas. Para escrever sua reportagem predileta, Magalhães entrevistou 256 pessoas, consultou bibliografia de 600 livros e pesquisou em 32 arquivos públicos – no Brasil, Rússia, República Tcheca, Estados Unidos e Paraguai.
A obstinação – quase obsessão – de Mário Magalhães pela comprovação da prova jornalística o levou a fazer 2580 notas. “A vida de Marighella é tão espetacular que daria margem ao leitor imaginar que havia ficção em um livro que só narra fatos reais. Além disso, é direito do leitor saber a origem de cada informação”, justificou.
Pelo projeto de contar a história “de um brasileiro maldito”, “tido como meio amalucado até por amigos próximos”, Magalhães deixou um confortável emprego na Folha de S.Paulo, onde tinha sido ombudsman e trilhara carreira de destaque e prêmios.
Ateu no candomblé e doações de artistas
Divulgação/Biografia Marighella
Após ser baleado no cinema no Rio, é levado preso
Na pesquisa, foram ouvidos da professora no Ginásio da Bahia ao policial que o revistou logo após a morte e revelou que o guerrilheiro não estava armado – refutando a versão policial, que ficou registrada na História. As descobertas do autor corrigiram lendas, como essa, e revelaram histórias pitorescas.
Mulato baiano da Fonte Nova, Marighella não bebia, não fumava e, embora se declarasse ateu, Magalhães descobriu que o filho de mãe carola iniciou-se no candomblé, e se descobriu “filho de Oxóssi”. Amante da poesia – no colégio, respondeu uma prova de física com versos –, o guerrilheiro mais procurado do País encontrou tempo para, na clandestinidade, escrever, imprimir e distribuir um livro de versos, boa parte deles eróticos. Inspirou artistas como o catalão Joan Miró e os cineastas Jean-Luc Godard e Luchino Visconti a fazer doações a sua causa.
Tortura
Divulgação biografia Marighella
Marighella, aos 24 anos, após três semanas de tortura, no Rio
Pela tortura, passou uma vez, em 1936, sob Getúlio Vargas, nunca durante a ditadura militar iniciada em 64. Foram 22 dias de suplícios nas mãos da polícia. Socos no estômago, golpes com canos de borracha nas plantas dos pés, foi açoitado nos rins, costas e nádegas. Pontas de cigarro eram apagadas no seu corpo. Com um alfinete tirado da gravata, um policial enfiou-lhe o metal sob as unhas, dedo por dedo.
Tornou-se liderança do Partido Comunista Brasileiro nos anos 40, década que dividiu entre presídios em locais paradisíacos, como Fernando de Noronha (PE) e Ilha Grande (RJ), e a Assembleia Constituinte, no Rio. Após ser libertado da prisão política pelo regime de Getúlio Vargas, no pós-guerra, elegeu-se deputado pela Bahia, na bancada comunista que incluía o escritor conterrâneo Jorge Amado. O “Cavaleiro da Esperança” e líder máximo do PCB Luís Carlos Prestes, foi eleito senador pelo Distrito Federal.
O deputado tinha três ternos, doados, e amarrava as mangas da camisa com cordinhas; o cinto partiu-se e adaptou outra corda, qual capoeirista. Homem de partido, destinava 92% do seus 15 mil cruzeiros mensais – equivalente a R$ 20.926, em valor corrigido pelo IGP-DI – ao PCB. Vivia com 1200 cruzeiros – R$ 1674 – por mês, e dividia o apartamento com uma família e um amigo. Acabou cassado em 47, com o voto do futuro presidente Juscelino Kubitschek, depois de o TSE pôr o PCB na ilegalidade.
Terrorista
Divulgação/ Biografia Marighella
Marighella deputado, com um dos seus três ternos
Nos anos 50, organizou greves, foi à China e à União Soviética. Veio a ditadura em abril de 64, e em julho quiseram prendê-lo em um cinema na Tijuca. Reagiu, levou um tiro e foi levado no camburão. Mais adiante, passou à luta armada, quando Moscou era contra e rompeu com o PCB. Criou a ALN e aparecia nos cartazes de “terroristas procurados” do regime militar.
Homem de ação, escreveu o “Minimanual do Guerrilheiro Urbano”, apanhado de erros e acertos da ALN que se tornou um sucesso na esquerda internacional. Em “Ditadura Escancarada”, o jornalista Elio Gaspari diz que o “guerrilheiro urbano de Marighella é algo mais que um super-homem”. A descrição é a de, no mínimo, um James Bond, o 007 dos filmes e livros de Ian Fleming.
“É muito importante aprender a conduzir um automóvel, pilotar um avião, dirigir um barco a motor ou a vela”, [o guerrilheiro] deve “conhecer a arte de se disfarçar”, ter “conhecimento de química e de combinação de cores, fabricação de carimbos, o perfeito conhecimento de caligrafia e de imitação das escritas”, “ser um grande tático e um bom atirador”. O próprio Marighella falharia em cumprir uma das mais prosaicas “exigências”: não dirigia. A peruca do disfarce tampouco enganou a polícia na noite de sua morte.
Divulgação / biografia Marighella
Capa da biografia de Marighella, de Mário Magalhães
Magalhães afirma que, apesar de se definir como “terrorista” e guerrilheiro, Marighella condenava atentados contra alvos civis e usava a concepção de “terror” da Resistência francesa à ocupação nazista na 2ª Guerra Mundial.
Na ilegalidade, o protagonista do livro recebeu dinheiro da União Soviética e o autor revela até um “mensalinho” do insuspeito governador de São Paulo Adhemar de Barros – cujo cofre, após a morte, abasteceria outra organização armada, a VAR-Palmares, que o roubou no Rio.
O famoso “ouro de Moscou”, entregue ao PCB no início dos anos 1960, equivaleria hoje a algo entre US$ 752 mil e US$ 1,13 milhão pagos anualmente e superava, para efeito de comparação, o arrecadado em 30 roubos pela ALN em 1968. Antes chamado de “traidor” por Marighella, Adhemar de Barros lhe pagava um “mensalinho” de cerca de US$ 10 mil, em apoio ao PCB clandestino. “Esse mensalinho não lustra a biografia de ninguém”, disse Mário Magalhães.
Fez curso de guerrilha em Cuba e mandou guerrilheiros para lá, comandou assaltos, teve amantes – dizia que “o adultério é tão inevitável como a morte” – e foi espionado pela CIA e o KGB. Mesmo dirigente máximo da ALN, organização de luta armada que fundou, foi “o último a saber” do mais audacioso golpe da guerrilha no Brasil: o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em setembro de 69. Foi ação da DI-GB (Dissidência Comunista da Guanabara), com o apoio da ALN. “Cutucaram a onça com vara curta”, pressentiu Marighella.
Morte
Divulgação/ Biografia Marighella
Mário Magalhães levou nove anos para escrever a biografia de Marighella
Foi morto exatos dois meses depois, pela equipe do policial Sergio Fleury, cujos métodos de tortura superavam os do nazista Klaus Barbie, o “Açougueiro de Lyon” da 2ª Guerra Mundial, na avaliação de um ex-membro da Resistência francesa, sobrevivente do suplício físico nos dois lugares.
Diferentemente do que a polícia alardeou à época, estava desarmado e sem seguranças. Segundo o autor, Marighella só portava seu revólver calibre 32 ou sua pistola 9mm em ações, o que não ocorria já havia algum tempo.
O guerrilheiro – ou terrorista, dependendo do ponto de vista – mais procurado do País morreu sozinho, cercado de inimigos.
Lançado no fim de outubro, no ano seguinte ao centenário de nascimento do protagonista, o livro já teve 27 mil exemplares impressos (a tiragem inicial foi de 12 mil) e recebeu o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes, como melhor biografia de 2012.
O autor disse ter recebido três sondagens para adaptações para o cinema. “A dúvida é se o ator principal será Denzel Washington ou Wesley Snipes. As mulheres preferem Washington”, brinca.
Secretaria da Segurança Pública SP/DIvulgação
Marighella, morto no Fusca, em 1969

Eu a vi ao vivo, e ela permanece me vendo


domingo, 16 de dezembro de 2012

Lição de que o homem é viável II

Do El País digital
Cuando Kaitlin Roig, de 29 años, se despidió de sus padres como cada mañana para recorrer los 20 kilómetros que separan su casa, en una tranquila zona rodeada de robles en Danbury, Connecticut, de la escuela de primaria Sandy Hook, donde desde hace cinco años imparte clases a alumnos de primer grado (equivalente a primero de Primaria de la ESO), no podía imaginar que en unas horas su determinación iba a impedir que sus 14 alumnos se contaran entre las víctimas de una de las mayores tragedias que se recuerdan en Estados Unidos. Además de la directora, murieron una psicóloga y cuatro maestras del centro.
Roig se encerró en el baño con sus alumnos y trató de tranquilizar a los menores advirtiéndoles de que se quedaran callados y recordándoles lo mucho que los quería
Roig se percató inmediatamente de que los ruidos que escuchó alrededor de las 9.30 de la mañana eran el sonido de disparos. Inmediatamente, según relató el mismo día de la matanza a la cadena ABC –la única a la que ha hecho declaraciones-, se encerró en el baño con sus alumnos, colocó una estantería para bloquear la puerta y trató de tranquilizar a los menores advirtiéndoles de que se quedaran callados y recordándoles lo mucho que los quería. “Pensé en lo que me gustaría que me dijeran a mí si tuviera seis años y estuviera en una situación así”, explicó. Roig creía que el tirador aparecería de un momento a otro en su clase. “Era el primer aula desde la puerta de entrada, era lo lógico”. Cuando la policía llamó a la puerta, ella no se fió de que quienes estaban allí “fueran los buenos”, como les aseguraba constantemente a los niños para calmarlos. “Les pedí que me enseñaran las placas y que si de verdad eran agentes, que abrieran ellos mismos la puerta. Es lo que hicieron”, contó.
24 horas después de la tragedia, Roig se ve incapaz de rememorar de nuevo cómo logró poner a salvo a sus alumnos. “No estoy segura de querer recordarlo, es muy duro”, indicó a este periódico desde el umbral de su casa, parapetada tras su madre. La comunidad de Newtown la considera una heroína. En Facebook se han abierto varios perfiles para agradecerle su entrega. “Ojalá nunca hubieran tenido que crearlos”, se lamentaba su madre. Ayer, en la iglesia metodista de Danbury, de cuya publicación mensual Roig es la encargada, no podían asegurar si la joven acudiría a rezar.
Cuando Adam Lanza se asomó por allí armado con su fusil de repetición, Soto le aseguró que los niños se encontraban haciendo ejercicios en la cancha
Instinto, altruismo valentía, un punto de temeridad… Es difícil determinar cuál es la aleación con la que se forjan los héroes. En la espiral de disparos, caos y terror en la que se convirtieron los pasillos de la escuela de Sandy Hook en la mañana del viernes, cualquier reacción parece justificada. Pero aquellas conductas, como la de Roig, dominadas por la generosidad y el sacrificio desinteresado están destinadas a convertirse en gestas, máxime cuando el corazón de la comunidad de Newtown necesita más que nunca de ejemplos épicos para hacer frente a la sinrazón de una matanza indiscriminada de niños.
Como Roig, Victoria Soto, de 27 años y origen portorriqueño, que este año comenzaba su tercer curso en Sandy Hook, también se apresuró a ocultar a sus alumnos de primaria en las taquillas y en un armario del gimnasio del colegio para protegerlos de los disparos. Cuando Adam Lanza se asomó por allí armado con su fusil de repetición, Soto le aseguró que los niños se encontraban haciendo ejercicios en la cancha. Acto seguido, Lanza disparó a la maestra, pero pasó de largo en su vorágine asesina. 11 menores sobrevivieron a la matanza, gracias al coraje de la profesora.
El sábado, Nick Phelps, el padre de uno de los menores que Soto ayudó a salvar, agradecía entre lágrimas la valentía de la profesora a la salida de una de las muchas vigilias en honor a las víctimas que cada tarde, desde el pasado viernes, se suceden en Newtown. “Es un privilegio saber que los maestros quieren tanto a nuestros hijos que están dispuestos a dar su vida por ellos”, afirmó. A unos 30 kilómetros de allí, en Stratford, de donde Soto era originaria, la ciudad participaba en otro acto en homenaje a su vecina. “Definitivamente, Victoria es de esas personas que se habría sacrificado por sus alumnos en cualquier circunstancia”, reconoció en conversación telefónica, Julie-Lis Marks, compañera de promoción de Soto.
El cadáver de Murphy fue encontrado en un aula cubriendo el cuerpo de varios alumnos
Anne Marie Murphy, una profesora de educación especial de 52 años, también será recordada como una de las heroínas de Sandy Hook. Su cadáver fue encontrado en un aula cubriendo el cuerpo de varios alumnos. La policía contó a sus padres, Hugh y Alice McGowan, un matrimonio de 86 años que reside en la localidad neoyorquina de Katonah, que Murphy falleció mientras protegía a los niños de las ráfagas asesinas de Lanza. “Anne Marie era una gran persona”, reconoció a este periódico un familiar en conversación telefónica.
Carlee una de las hermanas de Soto, pidió a los asistentes a la vigilia que acudieran con algo verde, el color preferido de la profesora. El verde es sinónimo de esperanza y esperanza es a lo que se aferran desesperadamente los vecinos de Newtown para poder sobreponerse a una tragedia que nadie parece ser capaz de asimilar. “Fe, esperanza, amor”, es precisamente lo que se lee en un cartel con luces de neón a la entrada de la ciudad. Es uno de los muchos que se han colocado en todos los accesos a la localidad.