sábado, 11 de setembro de 2010

Microconto 12 de 100

Morena, estou morrendo. Sorva um gole de vinho, mas não engula: beije-me e despeje-o em minha boca amarga. Meu último porre, pelos lábios do meu primeiro amor.

O olhar de Capitu - décima segunda parte de um romance irretratável

Como se dará a execução deste parvo cigarro quase apagado?, indaga o monge anelar. Gera-se o polegar merceeiro secular, seguro de ser alveolar, como se fabricado em oxigenado laticínio, parido em estação farisaica auricular. Industrial, idolatrado quadricular calçado, lendo, modorrento, madrugueiro torneiro. Onde, onde?, provoca o cocainômano, espirrando, salgado, triangular manhã de peras e chaves-de-fenda.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fidel diz que foi mal interpretado. E não desmente o entrevistador

Do El País digital

Enmienda a la totalidad. Fidel Castro ha asegurado hoy que el socialismo cubano sí tiene validez, lo que no funciona, a su juicio, es "el sistema capitalista" que "ya no sirve ni para Estados Unidos, ni para el mundo, al que conduce de crisis en crisis; que son cada vez más graves, globales y repetidas". El líder comunista no ha podido ser más rotundo al matizar sus recientes declaraciones al periodista norteamericano Jeffrey Goldberg, a quien dijo, en una larga entrevista para la revista The Atlantic, que "el modelo cubano no funciona ni siquiera para nosotros". Castro ha asegurado que el reportero no inventó la frase pero que le malinterpretó absolutamente.

El ex mandatario cubano, de 84 años, ha dado su versión de lo sucedido durante la entrevista durante la presentación de un segundo libro autobiográfico suyo en el Aula magna de La Habana. Según Castro, Goldberg le preguntó "si el modelo cubano era algo que aun valía la pena exportar". A su entender, la pregunta llevaba "implícita la teoría de que Cuba exportaba la revolución". Fue entonces cuando le respondió que "el modelo cubano" ya no les funcionaba ni a ellos.

"Se lo exprese sin amargura ni preocupación. Me divierto ahora al ver como él lo interpretó al pie de la letra y consultó con [la académica norteamericana] Julia Sweig que lo acompañó y elaboró la teoría que expuso", ha afirmado. Según Castro, "lo real" es que su "respuesta significaba exactamente lo contrario de lo que ambos periodistas norteamericanos interpretaron. "Mi idea, como todo el mundo conoce, es que el sistema capitalista ya no sirve ni para Estados Unidos, ni para el mundo, al que conduce de crisis en crisis, que son cada vez más graves, globales y repetidas, de las cuales no puede escapara". Y ha sentenciado: "¿Cómo podría servir semejante sistema para un país socialista como Cuba?"

El ex presidente cubano también ha desechado las interpretaciones de Goldberg sobre lo que le dijo sobre la crisis de los misiles. El periodista norteamericano le preguntó si había valido la pena haber pedido en 1962 al líder soviético Nikita Jruschov, durante la crisis de los misiles, que atacara a Estados Unidos con armas nucleares si era necesario. Según Fidel, le contestó textualmente: "después de haber visto lo que he visto y de haber sabido lo que ahora se, no valía la pena en lo absoluto".

Castro dijo que lo que él recomendó a Jruschov era que si "EEUU invadía Cuba", en ese momento con armas nucleares rusas, "no debía dejarse dar el primer golpe". El líder cubano ha explicado que la frase "de haber sabido lo que ahora se", era una "obvia referencia a la traición cometida por un presidente de la URSS que, saturado de sustancia etílica, entrego a EEUU los mas importantes secretos militares de aquel país".

Castro no ha acusado al periodista de manipulación sino de malinterpretarle, pero ha avisado que esperaba con "interés" las próximas entregas de la entrevista, que aparecerán en los próximos días en The Atlantic. El pequeño discurso de Castro ha terminado con una referencia al "imperio que se hunde". Vaya, por si alguien creía otra cosa, el Fidel Castro de toda la vida.

Para discutir o Oriente Médio

Da assessoria de comunicação da UFPR
"Oriente Médio em Cartaz - cinema, política e violência" será tema de uma jornada organizada pelo Nucleo de Processos Identitários, das Etnias, das Crises e da Cultura Árabe do Departamento de Psicologia da UFPR em parceria com o Instituto da Cultura Árabe. Será nos próximos dias 10 e 11 de setembro, no Anfiteatro 100, 1º andar do Edifício D. Pedro I, com entrada pela Rua General Carneiro, 460.
Serão exibidos filmes, documentários e depoimentos seguidos de mesa redonda abordando temas como distúrbios pós-traumáticos, modelagem da opinião pública e estética do terror. O evento tem abertura prevista para as 19 horas desta sexta-feira, com apresentação do filme "Valsa com Bashir". As inscrições são gratuitas e mais informações pelos telefones 3310-2625 e 8865-7886.

PROGRAMAÇÃO

DIA 10 DE SETEMBRO
19h00 - Filme "Valsa com Bashir"
20h30 - Depoimentos dos participantes de Sabra e Chatila
21h10 - Mesa redonda - "Violência, distúrbios pós-traumáticos e o fundamentalismo identitário, com o professor Jamil Zugueib Neto, do departamento de Psicologia da UFPR;
"O Oriente médio no contexto político internacional", com o professor Juliano da Silva Cortinhas, da Unicuritiba e "A questão libanesa: sectarismo e violência", com o professor Fábio Bacila Sahd, da UEM.

DIA 11 DE SETEMBRO:
13h30 - Filme "Palestina ainda é a questão"
14h30 - Filme "Um prato de sardinha"
15h00 - Mesa Redonda - "Fervor étnico e interpretação psicanalítica. O exemplo de Daniel Sibony e o mito Hebreu", com o professor Jamil Zugueib Neto; "Da atualidade do conceito de luta de classes", com o professor Emmanuel José Appel do departamento de Filosofia da UFPR; "A estética do terror e a atração das massas", com a professora Maria Tarcisa Silva Bega, do departamento de Ciências Sociais da UFPR.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O medo do mundo diante do Islã

Por Marcos Guterman, no Estadão digital de hoje.
Que tipo de muçulmano leva realmente a sério a diatribe imbecil de Terry Jones, o obscuro pastor evangélico americano que prometeu queimar dezenas de cópias do Alcorão, no próximo dia 11 de setembro, para lembrar o atentado contra o World Trade Center?
Essa pergunta parece pertinente, a julgar pela ânsia frenética de autoridades ocidentais para criticar Jones e tratar o episódio como “isolado”. Quando a própria secretária de Estado americana, Hillary Clinton, se abala a se pronunciar a respeito do caso, quando a chanceler (premiê) da Alemanha, Angela Merkel, se apressa a emprestar seu peso diplomático contra um insignificante religioso da Flórida, parece que a ofensa causada pelo ato de Jones é algo realmente transcendental.
O jornal Daily Star, do Líbano, deu o tom. Em editorial, informou que a queima dos exemplares do Alcorão será um evento capaz de “detonar uma onda de ódio que pode consumir partes do planeta” e “ameaçar as conquistas da civilização americana”, colocando o mundo “mais perto do precipício de uma guerra de civilizações do que jamais estivemos”. É um exagero típico da retórica antiamericana da maioria dos países árabes e muçulmanos, que voltou a ganhar força após a curta e cínica trégua gerada pela eleição de Barack Obama.
É óbvio que o pastor demente merece ser criticado, como reconhecem mesmo os islamófobos mais empedernidos dos EUA, como Sarah Palin, para quem a queima do Alcorão não se coaduna com os valores americanos e é uma “provocação desnecessária”. De fato, não é queimando o Alcorão que a mensagem contra o radicalismo islâmico será disseminada. Pelo contrário: só lhe dá força, ao fornecer “justificativa” para a histeria de muçulmanos que não enxergam o mundo senão como lugar do embate entre fiéis e infiéis. O problema, contudo, é o duplo padrão na abordagem do caso.
Sempre que radicais muçulmanos prometem destruir os EUA e se explodem para provar sua determinação, eles são retratados no Ocidente como uma minoria irrelevante dentro do chamado “mundo islâmico”. Por que então um pastor evangélico demente não recebe o mesmo tratamento por parte do chamado “mundo islâmico”? Por que é que multidões ao redor do “mundo islâmico” queimarão bandeiras americanas, gritarão “Morte à América” e jurarão vingança, como se o tal pastor representasse a essência do pensamento ocidental?
A resposta, incômoda, é que o chamado “mundo islâmico” instrumentaliza episódios como esse para reforçar a sensação generalizada de insegurança sobre como lidar com o islã, criando um vácuo em que o constrangimento ocidental se torna arma política. Qualquer crítica que diga respeito à violência promovida por muçulmanos, mesmo vinda de vozes moderadas, é imediatamente qualificada de “islamofobia” ou de “blasfêmia” – ao ponto de o lobby islâmico na ONU ter conseguido aprovar resolução que, na prática, estabelece censura a críticas religiosas.
Se o ridículo episódio do pastor americano serve para alguma coisa, é para mostrar que o Ocidente parece cada vez mais envergonhado de defender suas conquistas mais caras, como a liberdade de opinião, ante a campanha insidiosa de seus inimigos ideológicos mais atuantes.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Código de Hamurábi

100. . . . juro pelo dinheiro que tenha recebido, ele dever dar nota, e no dia acordado, pagar ao mercador.
101. Se não existirem acordos mercantis no local onde foi, ele deverá deixar todo dinheiro que recebeu com o intermediário para ser dado ao mercador.
102. Se um mercador confiar dinheiro a um agente para algum investimento, e o agente sofrer uma perda, ele deve ressarcir o capital do mercador.
103. Se, quando em viagem, um inimigo levar dele tudo o que tiver, o intermediário deve jurar ante os deuses que não teve culpa no ocorrido e ser absolvido de qualquer culpa.
104. Se um mercador der a um agente cereais, lã, óleo ou quaisquer outros bens para transporte, o agente deve dar um recibo pela quantia, e compensar o mercador de acordo com o devido. Então ele deve obter um recibo do mercador pelo dinheiro que deve ao primeiro.
105. Se o agente for descuidado e não tomar recibo pelo dinheiro que deu ao mercador, ele não poderá considerar o dinheiro não recebido como seu.
106. Se o agente aceitar dinheiro do mercador, mas brigar com ele (o mercador negando o recibo), então o mercador deve jurar ante os deuses que deu dinheiro ao agente, e o agente deverá pagar ao mercador três vezes a soma devida.
107. Se o mercador enganar o agente, devolvendo ao dono o que lhe foi confiado, mas o mercador negar o recebimento do que for devolvido a ele, o agente deve condenar o mercador ante os deuses e juizes, e se ele ainda negar recebimento do que o agente lhe deu, ele deverá pagar seis vezes mais o total ao agente.

E o comandante Fidel surpreende outra vez

Retirado do El País, versão digital, o melhor jornal do mundo.


Las últimas declaraciones de Fidel Castro han vuelto a sorprender. Y ya se va convirtiendo en un hábito: desde que el ex mandatario comunista reapareció en público hace dos meses, tras cuatro años de reclusión y enfermedad, cada vez el Comandante dispara más alto. Si la semana pasada dejó a más de uno perplejo al reconocer su responsabilidad en la política de persecución a los homosexuales en la década de los sesenta y setenta, ahora Castro ha dado muestras de un increíble realismo al admitir a un periodista estadounidense que "el modelo cubano" no se puede exportar porque "no funciona" ni en la isla.

Castro, de 84 años, fue entrevistado la semana pasada en La Habana por el periodista Jeffrey Goldberg, junto a la experta norteamericana en relaciones exteriores Julia Sweig. Fueron más de diez horas de conversaciones y encuentros durante varios días. En ese tiempo hablaron de los temas últimamente preferidos por el líder comunista, especialmente el conflicto arabe-israelí y la posibilidad del estallido de una guerra nuclear si continúan las tensiones con Irán.

En un momento de la conversación, los norteamericanos preguntaron a Castro sobre la vigencia del modelo cubano y su posible validez en otros países. Castro, cada vez más por encima del bien y del mal, contestó que tal cosa no era pertinente y añadió: "El modelo cubano ya no funciona ni siquiera para nosotros". Lo escribió el propio Goldberg en la revista The Atlantic, y tanta fue su sorpresa que incluso le preguntó a Sweig -una reputada experta en asuntos cubanos- cuál era su interpretación a las palabras del ex presidente cubano, que continúa siendo primer secretario del Partido Comunista de Cuba.

Según Sweig, Castro "no estaba rechazando las ideas de la revolución" sino que se trataba de "un reconocimiento de que bajo el modelo cubano el Estado tiene un papel demasiado grande en la vida económica del país". La analista interpretó que con sus declaraciones Castro buscaba "crear un espacio" para que su hermano, el presidente Raúl Castro, pudiera poner en marcha "reformas necesarias, frente a lo que seguramente encontrará resistencias de los comunistas ortodoxos dentro del partido y la burocracia".

La entrevista publicada este miércoles por la revista norteamericana es la segunda de una serie que resumirá los encuentros de Golberg con Castro en la isla, respondiendo a una invitación del ex jefe de Estado. En el primer trabajo Castro criticó al presidente de Irán, Mahmud Ahmadineyad, por sus declaraciones antisemitas, y le pidió que "deje de difamar a los judíos" y que trate de entender por qué los israelíes temen por su existencia.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Chile: o verdadeiro milagre dos milagres

O escritor chileno Ariel Dorfman contextualiza o desastre na mina San José: a secular exploração dos mineiros, a sabedoria organizativa passada de geração em geração. E pede o milagre de que as coisas mudem em seu país. "O mundo maravilhou-se com a maneira pela qual os trinta e três mineiros confinados debaixo da terra de San José se organizaram em turnos, criaram uma hierarquia de mando e elaboraram um plano de sobrevivência usando os talentos e recursos acumulados ao longo de uma vida de trabalho tenaz. Eu confesso, em troca, não sentir surpresa alguma. É assim que os trabalhadores chilenos sempre resistiram e sobreviveram aos desafios mais formidáveis".

Ariel Dorfman - Página/12

Uma vida inteira. Creio que os trinta e três mineiros sepultados nas profundidades da mina San José,no Chile, prepararam-se durante toda sua vida para enfrentar o desafio de ficar vários meses debaixo da terra. Ou talvez possa me aventurar a dizer que essa é uma batalha que vêm travando desde antes mesmo de nascer.

A epopéia de homens que descem às trevas da montanha, separam minerais em meio à escuridão e sofrem um acidente que os deixa a mercê daquela escuridão é parte do DNA do Chile, uma parte integral da história do meu país. Foi uma das primeiras coisas que aprendi sobre o Chile, quando cheguei a Santiago, em 1954, aos doze anos de idade.

Abram seus livros até encontrar “El Chiflón del Diablo” – nos pediu um professor es espanhol. Um conto de Baldomero Lillo, publicado em 1904.

Era um relato de uma catástrofe semelhante a esta que, muitas décadas mais tarde, no dia 6 de agosto de 2010, afetaria os mineiros de San José. Ali se encontra uma tragédia que iria se repetir interminavelmente, como a terra devora aqueles que se atrevem a mergulhar em suas entranhas, uma exploração da miséria que, como tantos outros contos clássicos escritor por Baldomero Lillo no início do século XX, todo estudante chileno deve estudar. É claro que aqueles trinta e três mineiros não sabiam quando leram “El Chiflón del Diablo” no colégio que algum dia teriam que viver esse terror na realidade de suas vidas e não na literatura. Não podiam adivinhar que, mais de cem anos depois de Baldomero Lillo imaginar essa ficção, as precárias condições da vida mineira, a exploração humana, os riscos para os trabalhadores, seguiriam essencialmente inalterados.

A mineração forjou o Chile
Os conquistadores que fundaram as primeiras cidades cruzaram desertos alarmantes e vales proibidos em busca de ouro. Depois passou a se apreciar o valor de outros minérios: o ferro, que era fundido em altos fornos, o cobre que ainda hoje é o principal produto de exportação do Chile, e o carvão do Sul, sobre o qual Lillo escreveu e que foi crucial para os barcos que aportavam para se reabastecer a caminho de uma Flórida presa à febre do ouro. De fato, muitas das técnicas utilizadas na Califórnia, a partir de 1849, deveram-se a chilenos que nasceram e se criaram em Copiapó, perto de onde hoje se encontra a mina San José. Milhares e milhares deles partiram aos Estados Unidos com a repentina ilusão de enriquecer.

Mas, de todos os minerais, foi o salitre que, acima de todos os outros, criou o Chile da modernidade. Essas extensões de crosta salina no Atacama, o deserto mais seco do mundo, constituíam a base para o melhor fertilizante conhecido pelo homem e, além disso, serviam para fabricar explosivos. Centenas de pequenas cidades se levantaram nas planícies pedregosas do Pampa “salitrero” e milhões de toneladas foram enviadas a uma Europa atada a uma revolução industrial que necessitava desesperadamente aumentar sua produção agrícola. Algumas décadas mais tarde, como ocorre com tanta freqüência na América latina e outros lugares tristes do planeta – pensemos na borracha do Amazonas ou na prata de Potosí -, diminuiu a demanda de salitre e só restaram alguns povoados fantasmas, uma diáspora de casas raquíticas esparramadas pelo deserto, uma legião de vidas em ruínas.

O nitrato deixou algo mais do que desolação detrás de si. O mundo maravilhou-se com a maneira pela qual os trinta e três mineiros confinados debaixo da terra de San José se organizaram em turnos, criaram uma hierarquia de mando e elaboraram um plano de sobrevivência usando os talentos e recursos acumulados ao longo de uma vida de trabalho tenaz. Eu confesso, em troca, não sentir surpresa alguma. É assim que os trabalhadores chilenos sempre resistiram e sobreviveram aos desafios mais formidáveis. É o legado daqueles que extraíram o salitre em uma situação de solidão e pobreza, daqueles que, na época em que Baldomero Lillo escrevia sobre os tormentos dos mineiros, souberam estabelecer os primeiros sindicatos, os primeiros grupos de leitura, os primeiros jornais da classe operária. Essas lições de unidade, força e ordem e, sim, astúcia, foram passadas de pai para filho e neto: o que todo homem precisava saber para superar os desastres que o esperavam em um mundo sem misericórdia.

Por certo, uma sorte piedosa visitou os trinta e três mineiros neste dia de agosto, quando a montanha veio abaixo. Mas não foi a sorte que os manteve com vida. Dentro deles se encontrava o treinamento invisível, o alento de seus ancestrais, que se perpetuaram para murmurar-lhes o que deviam fazer para não morrer uma e outra vez na obscuridade. Houve um milagre em San José, mas por a ênfase tão somente na fortuna benigna é perder de vista o que pode ser talvez o significado mais recôndito do que ocorreu nesse lugar, e que segue ocorrendo, é deixar de lado as perguntas que verdadeiramente importam.

Como é possível que, mais de um século depois de os contos de Baldomero Lillo denunciarem as circunstâncias ferozes em que se trabalhava sob o solo, ainda persistam a mesma insegurança, os mesmos perigos? Quantos novos acidentes como este faltam ocorrer para que se legisle preventivamente e os mineiros possam tocar seu trabalho cotidiano sem arriscar suas vidas de uma forma indecorosa?

Esses trinta e três mineiros são agora heróis nacionais e internacionais, com todo o Chile, e uma boa parte do mundo, acompanhando seu progresso paulatino rumo à luz do dia. Devido a uma dessas coincidências que a história nos oferece de vez em quando, esses homens ficaram presos no preciso momento em que as últimas estatísticas demonstraram, para nossa vergonha, que a pobreza no Chile aumentou drasticamente pela primeira vez desde que Pinochet deixou de ser o ditador do país.
É demasiado sonhar que as tribulações desses homens perturbarão a consciência do Chile, que ajudarão a criar um país onde, dentro de cem anos, os relatos de Baldomero Lillo e a história dos trinta e três mineiros de San José serão coisa do passado, uma relíquia, algo lendário mas já não rotineiro?

Isso sim é que seria um milagre.

(*) Ariel Dorfman é o autor da novela “Americanos: Los Pasos de Murieta” e do livro “Memorias del Desierto”, que explora a vida dos mineiros do norte do Chile.

Tradução: Katarina Peixoto