Meu vizinho, o professor, tem manias.
Eu também.
Metódico, busca o óbvio; óbvio, persegue o método.
É assim, o professor.
Em nossa cidade todos sabem de suas extravagâncias, todos conhecem suas esquisitices.
Ele até nos oprime com sua precisão.
Eu também sou um pouco assim, mas só um pouco assim.
Não muito. Mas eu não oprimo ninguém.
Só a mim, de vez em quando.
Minha tia acerta o relógio pela passagem do professor quando ele cruza a pracinha rumo à escola.
Oito e meia, ela diz.
Oito e meia: todos sabemos que é a hora de o professor passar por aquele exato ponto da pracinha em direção à escola. Nem um passo a mais, nem um passo a menos.
O professor, pé a pé a caminho da escola, é um relógio com suas pernada dez pras dez, irritante, silenciosa caminhada de relógio.
Não sei se ele tem relógio, mas acho que não precisa.
O professor não se preocupa com isso. Tem mais em que pensar.
O padre, quinta-feira, oito e trinta, acertou o relógio da igreja na passada dezoito do professor no começo da praça.
Nem pra lá, nem pra cá. Oito e trinta, o professor.
Ele dita o tempo em nosso tempo e espaço.
Ele dita nossa vida no planeta.
Eu não erro, nossa pequena cidade não erra. Porque o professor não erra.
Um dia ele disse para a minha irmã e eu guardei cá comigo e agora repito, racionalmente, controlando o tempo, sem nenhum segundo para menos, sem nenhum segundo para mais: “Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência.”
Experiência eu acho que já tenho.
O professor não falou do tempo, do tempo que passa, dos relógios do tempo.
Tenho comigo que a minha experiência é mais importante – pelo menos para mim – que a do professor.
Meu conhecimento do tempo, do professor, da vida que passa à minha frente e da vida que passará é, obviamente, produto da minha experiência.
E ela é só minha.
Meu conhecimento, e só quando quero, resume-se ao professor.
É minha experiência de vida.
Ele me controla, mas eu o controlo.
Essa, a minha experiência. O meu conhecimento.
Lá vai o professor Emmanuel.
Lá vem o professor Emmanuel.
Engraçado: eu também me chamo Emmanuel.
Ele não sabe, mas eu sei tudo dele, assim como sei tudo de mim.
É o que me basta.
Por ora.
Por hora.
Por minuto.
Por segundo.
Por passo a passo do professor.
E por meu passo, assim, sempre atrasado, sempre atrás dele.
sábado, 29 de maio de 2010
Copa do Mundo 34
Não sei, e não encontrei, se a escalação se manteve. Mas lá vai - via gugou - o Brasil de 34, da Copa da Itália.
Pedrosa, Sílvio e Luiz Luz; Tinoco, Martim Silveira e Canalli; Luizinho, Waldemar, Armandinho, Leônidas (da Silva, o Diamante Negro)e Patesko
Pedrosa, Sílvio e Luiz Luz; Tinoco, Martim Silveira e Canalli; Luizinho, Waldemar, Armandinho, Leônidas (da Silva, o Diamante Negro)e Patesko
Código de Hamurábi
Aos que leem os "artigos":
Não há, de minha parte, juro, concordância com o que comanda o tal ordenamento.
Publico só por ele ser desconhecido, embora ache que o código penal chinês devesse ser aplicado a quem rouba o dinheiro público.
Publico o Código de Hamurábi. Para provocar.
Sou da turma dos DH, mas, concordo, às vezes dá coceira na consciência, no passado do berço, da família, da educação.
Eu fui furtado três vezes: tive meus três - um depois do outro, claro; nunca tive três ao mesmo tempo - carros arrombados.
Do último, levaram tudo, menos o próprio, felizmente.
Cada vez mais me convenço: Russeau, vá pra puta que o pariu.
Cada vez mais me convenço: sou hobesiano.
Somos maus, nascemos maus e maus seremos se a sociedade não nos segurar a onda.
Somos os piores mamíferos da natureza, pois a comemos sem dó e nela vomitamos por todos os nossos buracos de corpo, sem cuidado, jogamos sujeira, matamos e comemos sem dó seus demais filhos, f%$#$@+&¨%.
Cagamos (literalmente) para o planeta que nos recebeu.
Nós não valemos nada.
Uma superbomba que acabasse com os humanos salvaria a Terra.
Mas, pra terminar: nada pessoal contra quem me rouba.
Estão no seu ofício.
Culpa nossa, minha, sua, de quem não deu a essa gente, que deixou de ser gente, uma coisinha chamada oportunidade, traduzida em educação - leia-se também disciplina e respeito -, conhecimento, livros, muitos livros - e felicidade, mesmo que um pouquinho dela.
Quem me ferrou deixou-me mais pobre do que já sou, puto da vida e infeliz. Mas isso passa.
A infelicidade deles, apesar da graninha da revenda, do crack, das putas, depois, talvez, da festa na prisão, é pra sempre.
Na verdade, pensando bem, acho que essa infelicidade é minha também. É nossa porque é deles.
Pensando bem, não passa.
Eita mundo, né, seu Rosseau?
Que mundo, né, seu Hobbes?
Hein, seu Marx?
Que tal, tovarich Lenin?
Não sei, não sei.
Não há, de minha parte, juro, concordância com o que comanda o tal ordenamento.
Publico só por ele ser desconhecido, embora ache que o código penal chinês devesse ser aplicado a quem rouba o dinheiro público.
Publico o Código de Hamurábi. Para provocar.
Sou da turma dos DH, mas, concordo, às vezes dá coceira na consciência, no passado do berço, da família, da educação.
Eu fui furtado três vezes: tive meus três - um depois do outro, claro; nunca tive três ao mesmo tempo - carros arrombados.
Do último, levaram tudo, menos o próprio, felizmente.
Cada vez mais me convenço: Russeau, vá pra puta que o pariu.
Cada vez mais me convenço: sou hobesiano.
Somos maus, nascemos maus e maus seremos se a sociedade não nos segurar a onda.
Somos os piores mamíferos da natureza, pois a comemos sem dó e nela vomitamos por todos os nossos buracos de corpo, sem cuidado, jogamos sujeira, matamos e comemos sem dó seus demais filhos, f%$#$@+&¨%.
Cagamos (literalmente) para o planeta que nos recebeu.
Nós não valemos nada.
Uma superbomba que acabasse com os humanos salvaria a Terra.
Mas, pra terminar: nada pessoal contra quem me rouba.
Estão no seu ofício.
Culpa nossa, minha, sua, de quem não deu a essa gente, que deixou de ser gente, uma coisinha chamada oportunidade, traduzida em educação - leia-se também disciplina e respeito -, conhecimento, livros, muitos livros - e felicidade, mesmo que um pouquinho dela.
Quem me ferrou deixou-me mais pobre do que já sou, puto da vida e infeliz. Mas isso passa.
A infelicidade deles, apesar da graninha da revenda, do crack, das putas, depois, talvez, da festa na prisão, é pra sempre.
Na verdade, pensando bem, acho que essa infelicidade é minha também. É nossa porque é deles.
Pensando bem, não passa.
Eita mundo, né, seu Rosseau?
Que mundo, né, seu Hobbes?
Hein, seu Marx?
Que tal, tovarich Lenin?
Não sei, não sei.
A neve do almirante - Alvaro Mutis
Há muitos anos, ganhei de meu amigo Zoilo Martinez, que hoje vive em Madri, a obra principal de Alvaro Mutis (jornalista, poeta, romancista e tal), suas Sete Novelas. Trata-se de um escritor colombiano do nível de Garcia Marquez - espero que vivos, ainda e forévis.
Meti-me - como dizem na língua espanhola - a traduzi-la, acreditando que não havia versão em português. Descobri depois que havia (não me recordo de quem).
Jodi-me.
Parei, não só por isso, mas por falta de tempo, paciência e tal. Pretendo retomar a obra e, um belo dia, editá-la-ei às minhas próprias custas S.A.
Tava bacana.
O original, Mutis, claro, é perfeito.
Pra quem quiser saber, Mutis é mais escrevedor do que Marquez (jornalista editaria, cortaria e tal), mas é um gênio.
Um dia termino. Serei o Houassis dos pobres.
Eric Nepomuceno, tradutor de Garcia Marquez, falava (não sei se por telefone, carta ou etc.) sobre tal palavra, tal termo, tal colocação, e o mestre respondia:
"Você tem um dicionário? Vai traduzindo."
Foi o que fiz com Alvaro Mutis - sem falar com ele -, com o cuidado de checar e tomar xeque do dicionário de espanhol (a língua nobre e oficial, a castelhana, de Castela, óbvio) da Real Academia Espanhola.
Eis o comecinho, só o comecinho.
Se alguém curtir, continuo a publicar. Se dois gostarem, volto à tradução.
Depois cumpro os parágrafos. Estou sem paciência e este copia e tal não os respeita.
---Sete Novelas
Empresas e
Atribulações de
Maqroll, o Gavieiro
Alvaro Mutis
A Neve do Almirante
A Ernesto Volkening
(Amberes, 1908 – Bogotá, 1983)
Em recordação e homenagem
à sua amizade sem sombras,
à sua lição inesquecível.
Quando acreditava que havia passado por minhas mãos a totalidade dos escritos, cartas, documentos, relatos e memórias de Maqroll, o Gavieiro, e que quem sabia de meu interesse pelas coisas da vida dele havia esgotado a busca de sinais escritos de sua desastrada errância, ainda reservava o azar uma bem curiosa surpresa, quando menos se esperava.
Um dos prazeres secretos com que me deparo ao passear pelo Bairro Gótico de Barcelona é visitar seus sebos de livros, para mim os melhor abastecidos e cujos donos ainda conservam essas sutis habilidades, essas intenções gratificantes, esse saber malicioso, reservado e de poucas palavras que são virtudes do autêntico livreiro, espécie em vias de iminente extinção. Outro dia me internei na rua de Botillers, e nela me atraiu a vitrine de uma antiga livraria, que está fechada a maior parte do tempo e oferece à avidez do colecionador peças realmente excepcionais. Nesse dia estava aberta. Entrei como se ungido, como se entra no santuário de algum rito esquecido. Um jovem de espessa barba negra de judeu levantino, tez de marfim e olhos aquosos, negros, detidos numa leve expressão de assombro, atendia detrás de um montão de livros em desordem e de mapas que catalogava com uma minuciosa letra de outros tempos. Sorriu-me ligeiramente e, como bom livreiro de tradição, deixou-me percorrer as estantes, tratando de se manter o mais inadvertido (DISTRAÍDO?) possível. Quando separava alguns livros que me propunha a comprar, encontrei-me de repente com uma bela edição, encadernada em púrpura, do livro de P. Raymond que buscava fazia anos e cujo título é por si toda uma promessa: “Enquête du Prévôt de Paris sur l’assassinat de Louis Duc D’Orleans”, editado pela Bibliothèque de Lécole de Chartres, em 1865. Muitos anos de espera eram assim recompensados por um golpe de sorte sobre o que tempos atrás já não me trazia mais ilusões. Peguei o exemplar sem abri-lo e perguntei ao jovem barbudo quanto custava. Ele respondeu citando a cifra com um tom rotundo, definitivo e inapelável, também próprio de sua altiva confraria. Paguei sem vacilar, junto com os outros livros que escolhera, e saí para gozar a sós minha aquisição, com lenta e saboreada volúpia, num banco da pracinha onde está a estátua de Berenguer, o Grande. Ao passar as páginas notei que na contracapa havia uma ampla bolsa destinada a guardar originalmente mapas e quadros genealógicos que complementavam o saboroso texto do professor Raymond. Ali encontrei um maço de folhas, a maioria de cor rosa, amarelo ou azul-celeste, com aspecto de faturas comerciais e de papéis contábeis. Ao observá-las mais atentamente, notei que estavam cobertas com uma letra miúda, um tanto trêmula, febril, diria eu, traçada com lápis de cor roxo, de vez em quando molhado com saliva pelo autor dos apertados garranchos. As folhas estavam escritas dos dois lados, com o autor evitando o impresso originalmente e que comprovei tratar-se, com efeito, de formas diversas de papelaria comercial. De repente, uma frase saltou-me à vista e me fez esquecer a escrupulosa investigação do escritor francês sobre o ingnominioso assassinato do irmão de Carlos VI da França, ordenado por João Sem Medo, Duque de Borgonha. Ao final da última página, lia-se, em tinta verde e em letra um pouco mais firme: “Escrito por Maqroll, o Gavieiro, durante sua viagem de subida pelo Rio Xurandó. Para entregar a Flor Estévez, onde se encontre. Hotel de Flandres, Antuérpia.” Como o livro tinha numerosos sublinhados e notas grafadas com o mesmo lápis, era fácil deduzir que nosso homem, para não perder essas páginas, preferiu guardá-las na bolsa da contracapa, destinada a fins um tanto mais transcendentes e acadêmicos.
Enquanto as pombas seguiam manchando a nobre estampa do conquistador de Mallorca e genro de El Cid, comecei a ler os amarrotados papéis onde, em forma de diário, o Gaveeiro narrava suas desventuras, recordações, reflexões, sonhos e fantasias, enquanto remontava a corrente de um rio, entre os muitos que vêm da serra para se perder na penumbra vegetal da selva imensurável. Muita coisa estava escrita em letra mais firme, de onde era fácil deduzir que a vibração do motor da embarcação que levava o Gaveeiro era a culpada por esse tremor que, em princípio, atribuí às febres, que nesses climas são tão freqüentes como rebeldes a todo medicamento ou cura.
Este Diário do Gaveeiro, assim como tantas outras coisas que ele deixou escritas como testemunho de seu encontrado destino, é uma mescla indefinível dos mais diversos gêneros: vai desde a narração intranscendente de feitos cotidianos até a enumeração de herméticos preceitos do que acreditava dever ser sua filosofia de vida. Tentar organizar as páginas teria sido ingênua presunção, e bem pouco se ganharia em favor de seu propósito original de consignar, dia a dia, suas experiências nessa viagem, de cuja monotonia e inutilidade talvez tenha distraído seu trabalho de cronista.
Parece-me, de outra parte, de elementar eqüidade que este diário leve como título o nome do local onde por mais tempo Maqroll desfrutou de uma relativa calma e dos cuidados de Flor Estévez, a dona do lugar e a mulher que melhor o soube entender e com quem compartilhou a exorbitante dimensão de seus sonhos e o árduo emaranhado de sua existência.
Também me ocorre que poderia interessar aos leitores do Diário do Gaveeiro ter ao seu alcance algumas outras notícias de Maqroll, relacionadas, de uma ou outra forma, com feitos e pessoas aos quais se refere em seu Diário. Por essa razão, reuni ao final do volume algumas crônicas sobre nosso personagem, surgidas em publicações anteriores e que aqui me parecem ocupar o lugar que na verdade lhes corresponde.
Meti-me - como dizem na língua espanhola - a traduzi-la, acreditando que não havia versão em português. Descobri depois que havia (não me recordo de quem).
Jodi-me.
Parei, não só por isso, mas por falta de tempo, paciência e tal. Pretendo retomar a obra e, um belo dia, editá-la-ei às minhas próprias custas S.A.
Tava bacana.
O original, Mutis, claro, é perfeito.
Pra quem quiser saber, Mutis é mais escrevedor do que Marquez (jornalista editaria, cortaria e tal), mas é um gênio.
Um dia termino. Serei o Houassis dos pobres.
Eric Nepomuceno, tradutor de Garcia Marquez, falava (não sei se por telefone, carta ou etc.) sobre tal palavra, tal termo, tal colocação, e o mestre respondia:
"Você tem um dicionário? Vai traduzindo."
Foi o que fiz com Alvaro Mutis - sem falar com ele -, com o cuidado de checar e tomar xeque do dicionário de espanhol (a língua nobre e oficial, a castelhana, de Castela, óbvio) da Real Academia Espanhola.
Eis o comecinho, só o comecinho.
Se alguém curtir, continuo a publicar. Se dois gostarem, volto à tradução.
Depois cumpro os parágrafos. Estou sem paciência e este copia e tal não os respeita.
---Sete Novelas
Empresas e
Atribulações de
Maqroll, o Gavieiro
Alvaro Mutis
A Neve do Almirante
A Ernesto Volkening
(Amberes, 1908 – Bogotá, 1983)
Em recordação e homenagem
à sua amizade sem sombras,
à sua lição inesquecível.
Quando acreditava que havia passado por minhas mãos a totalidade dos escritos, cartas, documentos, relatos e memórias de Maqroll, o Gavieiro, e que quem sabia de meu interesse pelas coisas da vida dele havia esgotado a busca de sinais escritos de sua desastrada errância, ainda reservava o azar uma bem curiosa surpresa, quando menos se esperava.
Um dos prazeres secretos com que me deparo ao passear pelo Bairro Gótico de Barcelona é visitar seus sebos de livros, para mim os melhor abastecidos e cujos donos ainda conservam essas sutis habilidades, essas intenções gratificantes, esse saber malicioso, reservado e de poucas palavras que são virtudes do autêntico livreiro, espécie em vias de iminente extinção. Outro dia me internei na rua de Botillers, e nela me atraiu a vitrine de uma antiga livraria, que está fechada a maior parte do tempo e oferece à avidez do colecionador peças realmente excepcionais. Nesse dia estava aberta. Entrei como se ungido, como se entra no santuário de algum rito esquecido. Um jovem de espessa barba negra de judeu levantino, tez de marfim e olhos aquosos, negros, detidos numa leve expressão de assombro, atendia detrás de um montão de livros em desordem e de mapas que catalogava com uma minuciosa letra de outros tempos. Sorriu-me ligeiramente e, como bom livreiro de tradição, deixou-me percorrer as estantes, tratando de se manter o mais inadvertido (DISTRAÍDO?) possível. Quando separava alguns livros que me propunha a comprar, encontrei-me de repente com uma bela edição, encadernada em púrpura, do livro de P. Raymond que buscava fazia anos e cujo título é por si toda uma promessa: “Enquête du Prévôt de Paris sur l’assassinat de Louis Duc D’Orleans”, editado pela Bibliothèque de Lécole de Chartres, em 1865. Muitos anos de espera eram assim recompensados por um golpe de sorte sobre o que tempos atrás já não me trazia mais ilusões. Peguei o exemplar sem abri-lo e perguntei ao jovem barbudo quanto custava. Ele respondeu citando a cifra com um tom rotundo, definitivo e inapelável, também próprio de sua altiva confraria. Paguei sem vacilar, junto com os outros livros que escolhera, e saí para gozar a sós minha aquisição, com lenta e saboreada volúpia, num banco da pracinha onde está a estátua de Berenguer, o Grande. Ao passar as páginas notei que na contracapa havia uma ampla bolsa destinada a guardar originalmente mapas e quadros genealógicos que complementavam o saboroso texto do professor Raymond. Ali encontrei um maço de folhas, a maioria de cor rosa, amarelo ou azul-celeste, com aspecto de faturas comerciais e de papéis contábeis. Ao observá-las mais atentamente, notei que estavam cobertas com uma letra miúda, um tanto trêmula, febril, diria eu, traçada com lápis de cor roxo, de vez em quando molhado com saliva pelo autor dos apertados garranchos. As folhas estavam escritas dos dois lados, com o autor evitando o impresso originalmente e que comprovei tratar-se, com efeito, de formas diversas de papelaria comercial. De repente, uma frase saltou-me à vista e me fez esquecer a escrupulosa investigação do escritor francês sobre o ingnominioso assassinato do irmão de Carlos VI da França, ordenado por João Sem Medo, Duque de Borgonha. Ao final da última página, lia-se, em tinta verde e em letra um pouco mais firme: “Escrito por Maqroll, o Gavieiro, durante sua viagem de subida pelo Rio Xurandó. Para entregar a Flor Estévez, onde se encontre. Hotel de Flandres, Antuérpia.” Como o livro tinha numerosos sublinhados e notas grafadas com o mesmo lápis, era fácil deduzir que nosso homem, para não perder essas páginas, preferiu guardá-las na bolsa da contracapa, destinada a fins um tanto mais transcendentes e acadêmicos.
Enquanto as pombas seguiam manchando a nobre estampa do conquistador de Mallorca e genro de El Cid, comecei a ler os amarrotados papéis onde, em forma de diário, o Gaveeiro narrava suas desventuras, recordações, reflexões, sonhos e fantasias, enquanto remontava a corrente de um rio, entre os muitos que vêm da serra para se perder na penumbra vegetal da selva imensurável. Muita coisa estava escrita em letra mais firme, de onde era fácil deduzir que a vibração do motor da embarcação que levava o Gaveeiro era a culpada por esse tremor que, em princípio, atribuí às febres, que nesses climas são tão freqüentes como rebeldes a todo medicamento ou cura.
Este Diário do Gaveeiro, assim como tantas outras coisas que ele deixou escritas como testemunho de seu encontrado destino, é uma mescla indefinível dos mais diversos gêneros: vai desde a narração intranscendente de feitos cotidianos até a enumeração de herméticos preceitos do que acreditava dever ser sua filosofia de vida. Tentar organizar as páginas teria sido ingênua presunção, e bem pouco se ganharia em favor de seu propósito original de consignar, dia a dia, suas experiências nessa viagem, de cuja monotonia e inutilidade talvez tenha distraído seu trabalho de cronista.
Parece-me, de outra parte, de elementar eqüidade que este diário leve como título o nome do local onde por mais tempo Maqroll desfrutou de uma relativa calma e dos cuidados de Flor Estévez, a dona do lugar e a mulher que melhor o soube entender e com quem compartilhou a exorbitante dimensão de seus sonhos e o árduo emaranhado de sua existência.
Também me ocorre que poderia interessar aos leitores do Diário do Gaveeiro ter ao seu alcance algumas outras notícias de Maqroll, relacionadas, de uma ou outra forma, com feitos e pessoas aos quais se refere em seu Diário. Por essa razão, reuni ao final do volume algumas crônicas sobre nosso personagem, surgidas em publicações anteriores e que aqui me parecem ocupar o lugar que na verdade lhes corresponde.
O olhar de Capitu - terceira parte de um romance interminável
A lagarta inclassificável detesta antepassados oleosos, fósforos de aço, iluminuras descabaçadas, cabeçudas descabeladas. Eis a finalização cibernética das civilizações alcoólicas e tranquilas. Piscinas púrpuras fixam clivagem devassa na esteira da hermenêutica pubiana. Salvas de piscicultura atormentam as madrugadas xenófobas dos pedintes xifópagos.
Código de Hamurábi
21. Se alguém arrombar uma casa, ele deverá ser condenado à morte na frente do local do arrombamento e ser enterrado.
Umbanda para crianças (você, eu)
Do livrinhaço de Ney Brasil Hoffmann, que ganhei de minha amiga Juliana Akel. Suerte a ela e à Mãe Lucília e aos demais.
Uma segunda-feira eu estava me preparando para ir ao Terreiro, quando minha filha me pergunta aonde eu ia vestido todo de branco – Vou à gira, filha.
O que é isso papai? O que é gira?
Gira é um dos principais rituais da Umbanda, a gira é formada por três partes, a preparação, a abertura e o fechamento. É onde são realizados os trabalhos de cura, as consultas...
E o que é Umbanda? Eu vejo você sair assim toda segunda-feira e sempre quero perguntar, mas quando você chega eu já estou dormindo.
A Umbanda é uma religião cristã, assim como o Catolicismo, o Protestantismo, a Igreja Batista entre outras. Todos acreditamos que exista uma força superior que comanda todo o universo, cada religião chama essa força por um nome, nós da Umbanda chamamos essa força de Zambi.
Uma segunda-feira eu estava me preparando para ir ao Terreiro, quando minha filha me pergunta aonde eu ia vestido todo de branco – Vou à gira, filha.
O que é isso papai? O que é gira?
Gira é um dos principais rituais da Umbanda, a gira é formada por três partes, a preparação, a abertura e o fechamento. É onde são realizados os trabalhos de cura, as consultas...
E o que é Umbanda? Eu vejo você sair assim toda segunda-feira e sempre quero perguntar, mas quando você chega eu já estou dormindo.
A Umbanda é uma religião cristã, assim como o Catolicismo, o Protestantismo, a Igreja Batista entre outras. Todos acreditamos que exista uma força superior que comanda todo o universo, cada religião chama essa força por um nome, nós da Umbanda chamamos essa força de Zambi.
Entrevista com o craque
O chute de três dedos não é para qualquer um. Não basta bater de três dedos, os do lado de fora do pé. É preciso que o quadril gire e que o joelho aponte na direção oposta à da bola para que o a acerte bem assim, de lado, para que ela ganhe efeito, girando no ar. Em sentido horário, se o chute for com o pé direito. Em sentido anti-horário, se for com o pé esquerdo.
Mestre Wittgeinstein
TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS DE WITTGENSTEIN (1918/1921)
Trad .José Arthur Gianotti
Sinopse feita por Rogel Samuel
O mundo
1 - O mundo é tudo o que ocorre.
1.1 - O mundo é o conjunto dos fatos, não das coisas.
1.11 - O mundo é determinado pelos fatos, estes fatos sendo a totalidade dos fatos.
1. 12 - Porque a totalidade dos fatos determina aquilo que ocorre e também aquilo que não ocorre.
1. 13 - Os fatos, no espaço lógico, constituem o mundo.
1. 2 - O mundo se decide em fatos.
1. 21 - Algo pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto permanecer igual.
2 - O que ocorre, o fato, é a existência de estados de coisas.
2.01 - O estado de coisas é uma ligação de objetos (entidades, coisas).
2.011 - É essencial para a coisa poder ser parte integrante de um estado de coisas.
2.012 - Em lógica nada é acidental: se a coisa pode aparecer dentro de um estado de coisas é necessário que a possibilidade do estado de coisas esteja previamente inscrito na coisa.
Trad .José Arthur Gianotti
Sinopse feita por Rogel Samuel
O mundo
1 - O mundo é tudo o que ocorre.
1.1 - O mundo é o conjunto dos fatos, não das coisas.
1.11 - O mundo é determinado pelos fatos, estes fatos sendo a totalidade dos fatos.
1. 12 - Porque a totalidade dos fatos determina aquilo que ocorre e também aquilo que não ocorre.
1. 13 - Os fatos, no espaço lógico, constituem o mundo.
1. 2 - O mundo se decide em fatos.
1. 21 - Algo pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto permanecer igual.
2 - O que ocorre, o fato, é a existência de estados de coisas.
2.01 - O estado de coisas é uma ligação de objetos (entidades, coisas).
2.011 - É essencial para a coisa poder ser parte integrante de um estado de coisas.
2.012 - Em lógica nada é acidental: se a coisa pode aparecer dentro de um estado de coisas é necessário que a possibilidade do estado de coisas esteja previamente inscrito na coisa.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Código de Hamurábi
15. Se alguém tomar um escravo homem ou mulher da corte para fora dos limites da cidade, e se tal escravo homem ou mulher, pertencer a um homem liberto, este alguém deve ser condenado à morte.
16. Se alguém receber em sua casa um escravo fugitivo da corte, homem ou mulher, e não trouxe-lo à proclamação pública na casa do governante local ou de um homem livre, o mestre da casa deve condenado à morte.
17. Se alguém encontrar um escravo ou escrava fugitivos em terra aberta e trouxe-los a seus mestres, o mestre dos escravos deverá pagar a este alguém dois shekels de prata.
18. Se o escravo não der o nome de seu mestre, aquele que o encontrou deve trazê-lo ao palácio; uma investigação posterior deve ser feita, e o escravo devolvido a seu mestre.
19. Se este alguém mantiver os escravos em sua casa, e eles forem pegos lá, ele deverá ser condenado à morte.
20. Se o escravo que ele capturou fugir dele, então ele deve jurar aos proprietários do escravo, e ficar livre de qualquer culpa.
16. Se alguém receber em sua casa um escravo fugitivo da corte, homem ou mulher, e não trouxe-lo à proclamação pública na casa do governante local ou de um homem livre, o mestre da casa deve condenado à morte.
17. Se alguém encontrar um escravo ou escrava fugitivos em terra aberta e trouxe-los a seus mestres, o mestre dos escravos deverá pagar a este alguém dois shekels de prata.
18. Se o escravo não der o nome de seu mestre, aquele que o encontrou deve trazê-lo ao palácio; uma investigação posterior deve ser feita, e o escravo devolvido a seu mestre.
19. Se este alguém mantiver os escravos em sua casa, e eles forem pegos lá, ele deverá ser condenado à morte.
20. Se o escravo que ele capturou fugir dele, então ele deve jurar aos proprietários do escravo, e ficar livre de qualquer culpa.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
A fantasma virou chefe
As investigações do MP na Assembleia estão fazendo ressuscitar fantasmas e, no setor de imprensa, operaram um verdadeiro Milagre de Fátima. Uma fantasma bem conhecida, que só aparecia por lá de vez em quando, para um café, acaba de assumir a coordenação da área, para desespero dos colegas. Além de fantasma, é apedeuta, ignara, ágrafa e confusa. Aos coleguinhas, minha solidariedade. Não sei se é destino, mas essas coisas às vezes aparecem na vida da gente.
domingo, 23 de maio de 2010
Tutty Vasques (Alfredo Ribeiro) no Estadão deste domingo
Se pretende mesmo continuar ganhando a vida repaginando políticos em época de eleições, Duda Mendonça devia pensar em abrir um salão de beleza. Os anos dourados dos mitos da propaganda política, se já não repetiam ultimamente o brilho dos tempos de glória do ilusionismo marketeiro, ficaram por um fio com a entrada em cena do cabeleireiro Celso Kamura, responsável pelo novo visual de Dilma Rousseff. Com uma dúzia de tesouradas, além de três ou quatro correções no design da maquiagem, o cara conseguiu resultado melhor que o obtido pelo lendário João Santana, publicitário titular da pré-candidata, à frente de um exército de cirurgiões plásticos, ortodontistas, estilistas, personal media training e o escambau.
Feita por Kamura na informalidade do banheiro da ex-ministra, sem frescuras de coiffeuer, a cabeça de Dilma Rousseff foi inaugurada sem a pompa das obras do PAC, ainda que bem acabada e, sobretudo, econômica. Pelos cálculos das editorias de moda, deve ter custado uns R$ 7 mil – dinheiro que, em moeda publicitária, não paga o photoshop. A era dos cabeleireiros que se anuncia dispensa caixa 2 até para dar sustentabilidade à imagem obtida. “É só passar um gel, e pronto!” – garante Kamura, com simplicidade inimaginável na conversa mole dos homens de marketing.
O cabeleireiro deixou Brasília certo de que apagou a imagem de “brava e fria” naquela mulher que, antes do serviço, lhe dava medo. Só se falava disso ontem em Nova York onde Dilma Rousseff passou os últimos três dias toda prosa com a receptividade popular ao seu novo topete: quem antes nas ruas a confundia com dona Marisa Letícia a chama agora de Marta. Nada que um bom e velho crachá não possa resolver.
Feita por Kamura na informalidade do banheiro da ex-ministra, sem frescuras de coiffeuer, a cabeça de Dilma Rousseff foi inaugurada sem a pompa das obras do PAC, ainda que bem acabada e, sobretudo, econômica. Pelos cálculos das editorias de moda, deve ter custado uns R$ 7 mil – dinheiro que, em moeda publicitária, não paga o photoshop. A era dos cabeleireiros que se anuncia dispensa caixa 2 até para dar sustentabilidade à imagem obtida. “É só passar um gel, e pronto!” – garante Kamura, com simplicidade inimaginável na conversa mole dos homens de marketing.
O cabeleireiro deixou Brasília certo de que apagou a imagem de “brava e fria” naquela mulher que, antes do serviço, lhe dava medo. Só se falava disso ontem em Nova York onde Dilma Rousseff passou os últimos três dias toda prosa com a receptividade popular ao seu novo topete: quem antes nas ruas a confundia com dona Marisa Letícia a chama agora de Marta. Nada que um bom e velho crachá não possa resolver.
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