sábado, 29 de maio de 2010

Meu vizinho, o professor

Meu vizinho, o professor, tem manias.
Eu também.
Metódico, busca o óbvio; óbvio, persegue o método.
É assim, o professor.
Em nossa cidade todos sabem de suas extravagâncias, todos conhecem suas esquisitices.
Ele até nos oprime com sua precisão.
Eu também sou um pouco assim, mas só um pouco assim.
Não muito. Mas eu não oprimo ninguém.
Só a mim, de vez em quando.
Minha tia acerta o relógio pela passagem do professor quando ele cruza a pracinha rumo à escola.
Oito e meia, ela diz.
Oito e meia: todos sabemos que é a hora de o professor passar por aquele exato ponto da pracinha em direção à escola. Nem um passo a mais, nem um passo a menos.
O professor, pé a pé a caminho da escola, é um relógio com suas pernada dez pras dez, irritante, silenciosa caminhada de relógio.
Não sei se ele tem relógio, mas acho que não precisa.
O professor não se preocupa com isso. Tem mais em que pensar.
O padre, quinta-feira, oito e trinta, acertou o relógio da igreja na passada dezoito do professor no começo da praça.
Nem pra lá, nem pra cá. Oito e trinta, o professor.
Ele dita o tempo em nosso tempo e espaço.
Ele dita nossa vida no planeta.
Eu não erro, nossa pequena cidade não erra. Porque o professor não erra.
Um dia ele disse para a minha irmã e eu guardei cá comigo e agora repito, racionalmente, controlando o tempo, sem nenhum segundo para menos, sem nenhum segundo para mais: “Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência.”
Experiência eu acho que já tenho.
O professor não falou do tempo, do tempo que passa, dos relógios do tempo.
Tenho comigo que a minha experiência é mais importante – pelo menos para mim – que a do professor.
Meu conhecimento do tempo, do professor, da vida que passa à minha frente e da vida que passará é, obviamente, produto da minha experiência.
E ela é só minha.
Meu conhecimento, e só quando quero, resume-se ao professor.
É minha experiência de vida.
Ele me controla, mas eu o controlo.
Essa, a minha experiência. O meu conhecimento.
Lá vai o professor Emmanuel.
Lá vem o professor Emmanuel.
Engraçado: eu também me chamo Emmanuel.
Ele não sabe, mas eu sei tudo dele, assim como sei tudo de mim.
É o que me basta.
Por ora.
Por hora.
Por minuto.
Por segundo.
Por passo a passo do professor.
E por meu passo, assim, sempre atrasado, sempre atrás dele.

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