sábado, 28 de agosto de 2010

O olhar de Capitu - décima primeira parte de um romance irrefreável

Gongórica canção, samba-canção sussurra o mandrião ao pé do ouvido do ermitão. Reto, ambidestro, ele desdiz o que permeia a solidão das alsácias e aeroplanos. Há um plano, que plano? Um altiplano, importante e inexistente ideologia, uma tia malsã que se esboroa nos vales estivais. Melhor, pior negacear, sacar a arma, a alma que transita lunarmente, fogo, fogo, água, águaforte, tintura da fértil toalha mitocondrial. Palavra, brada o bardo. Pala a lavra, regurgita o pobre e podre poeta do nada, nada que nada em lava gengival. Sangue, sangue, elas inspiram e piram quem delas se aproxima e se revelam aniquilantes.

Microconto 11 de 100

Lúcia no cio, curto o pavio. A lança de Marte em meio-dia. Hoje como nunca, como se fosse o fim de tudo, o último ato dos sobreviventes do planeta.

Código de Hamurábi

57. Se um pastor, sem a permissão do dono do campo, e sem o conhecimento do dono do rebanho, deixar as ovelhas entrarem neste campo para pastar, então o dono do campo deverá fazer a colheita de seus grãos, e o pastor que deixou pastar ali seu rebanho sem permissão deverá pagar ao proprietário do campo 20 gur de cereais cada 10 gan.
58. Se após os rebanhos tiverem deixado o campo e este Ter ficado em campo comum perto dos portões da cidade, e qualquer pastor deixar os rebanhos pastar lá, este pastor deverá tomar posse do campo no qual seu rebanho está pastando, e na colheita deverá pagar sessenta gur de cereais por cada dez gan.
59. Se qualquer um, sem o conhecimento do dono do jardim, deixar cair uma árvore, esta pessoa deverá pagar 1/2 mina em dinheiro ao proprietário.
60. Se alguém passar um campo a um jardineiro para ele plantar como jardim, se ele trabalhar nesta área e cuidar dela por quatro anos, no quinto ano o proprietário e o jardineiro devem dividir a terra, o proprietário tomando conta de sua parte a partir de então.
61. Se o jardineiro não tiver completado a plantação do campo, deixando parte sem plantar, esta deve ser assinalada a ele como dele.
62. Se ele não plantar o campo que lhe foi dado como jardim, se for terra arável (para grãos ou sésamo), o jardineiro deverá pagar ao dono para produzir no campo por ano que não produzir, de acordo com o produto dos campos vizinhos, deve colocar o campo em condições de arabilidade e devolvê-lo a seu dono.
63. Se ele transformar terras ruins em campos aráveis e devolver a terra a seu dono, o dono deverá pagar a ele por um ano dez gur por dez gan.
64. Se alguém der seu jardim para um jardineiro trabalhar, o jardineiro deverá pagar ao proprietário 2/3 do produto do jardim, e manter para si o 1/3 restante enquanto a terra estiver em sua posse.
65. Se o jardineiro não trabalhar no jardim e o produto não vingar, o jardineiro deve pagar ao proprietário na proporção dos jardins vizinhos.
[Aqui uma parte do texto está faltando, compreendendo trinta e quatro parágrafos]

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Marx voltou com tudo


Carlos Abel Suárez
Retirado do site Socialismo e Liberdade (publicado originalmente, no Brasil, no Carta Maior)
Por ocasião dos primeiros sinais da atual crise econômica mundial, antes ainda do estouro da bolha das hipotecas norteamericanas, iniciou um movimento que muitos denominaram o "retorno" de Marx. Revistas de atualidade e de ampla circulação internacional publicaram sua inconfundível imagem em suas edições. O destaque de capa era Marx.

Em algumas pesquisas relevantes, Marx foi eleito como um dos pensadores mais destacados de todos os tempos. Quando das operações de resgate financeiro, nos principais jornais norteamericanos se alternavam como insulto ou como elogio a retomada das idéias daquele personagem tão querido quanto odiado, nascido em Tréveris, em 1818. Não faz muitos anos, sua memória estava sepultada e sua obra engavetada e degradada por pseudoexegetas, interpretadores falsários e filisteus de toda pelagem, processo vitaminado pela direitização da social-democracia e pela implosão da União Soviética.

Mas o Marx original, sua obra - despojada das versões de tantos "marxistas" que tanto ele como Engels desprezavam já em vida - apenas começa a se projetar nos círculos acadêmicos, nas tertúlias da esquerda e nos debates políticos coerentes. No entanto, segundo o atual retrato do mundo, na economia, na política e na cultura, parece que as idéias de Marx e Engels poderão seguir ilustrando grande parte do século XXI.

Muito se perguntarão: o que é o projeto MEGA? Não se trata de um dispositivo eletrônico para espionar comunicações ou do desenho de uma nova represa gigantesca? Trata-se, na verdade, de um dos maiores empreendimentos editoriais da atualidade e, possivelmente, um dos mais destacados de todos os tempos: a nova edição crítica das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe). O professor Michael Krätke, coeditor da nova MEGA, explicou durante quase duas horas as características desta espetacular iniciativa, em uma conferência realizada na Universidade de Barcelona, às vésperas do encontro internacional de Sin Permiso, realizado em Madri, em dezembro último.

O auditório da conferência - majoritariamente formado por acadêmicos e estudantes conhecedores da obra de Marx - foi surpreendido por alguns trechos da minuciosa e apaixonada exposição de Krätke, tanto por sua qualidade acadêmica, rigor conceitual, contextualização histórica e domínio dos temas sobre os quais trabalharam Marx e Engels, como pelas descobertas que virão a público com a nova MEGA.

É conhecido que os textos de Marx e de Engels sofreram múltiplas manipulações. Krätke assegurou que não há um só dos livros publicados que tenha respeitado a versão original, seja por questões políticas ou pela caprichosa tesoura dos editores. Krätke lembrou que a primeira iniciativa de reunir e publicar toda a obra de Marx e Engels iniciou em 1911, dirigida pela socialdemocracia alemã, com a participação de Karl Kautsky, Augusto Bebel e Eduardo Bernstein. Em seguida, o projeto passou para as mãos da União Soviética, em 1922, sob a direção de David Riazanov, até este ser destituído por Stálin, em 1931, e fuzilado anos mais tarde, em 1938, juntamente com seus companheiros da velha guarda bolchevique.

Na MEGA contemporânea, que começou a ser desenhada em 1960 e, estima-se, deve estar concluída em 25 ou 30 anos, trabalham 80 colaboradores de 8 países e 3 continentes. O plano original, explicou Krätke, contempla a publicação de aproximadamente 164 volumes, compreendendo os textos original, mais todos os anexos.

Os princípios acordados para o imenso reordenamento e revisão de manuscritos, vários deles inéditos, livros e artigos publicados, mais toda a correspondência Marx-Engels - e a destes como amigos, colaboradores e editores - são o respeito e a fidelidade com o original, além da certificação de sua autenticidade e sua preparação para serem editados de forma completa e integral. A equipe multidisciplinar que trabalha no MEGA realiza um acompanhamento da evolução dos textos, discute exaustivamente os mesmos, evitando ao mesmo tempo os comentários políticos.

Com a perícia de um arqueólogo que vai limpando com cuidado as peças de um achado para não danificá-lo, Krätke expôs as vicissitudes pelas quais passaram os trabalhos de Marx mais difundidos. Todos têm sua história, suas polêmicas, as marcas da manipulação, do silenciamento. Há "montanhas" de papéis: fichas, apontamentos, cartas, cadernos com cálculos matemáticos, que os entusiastas da MEGA ordenam e classificam.

No plano da nova MEGA, O Capital e todos os textos preparatórios e manuscritos, somam 15 volumes, a maior parte deles já publicados em alemão. A correspondência completa entre Marx e Engels e a destes com terceiros, compreende 35 volumes. A coleção de extratos, fichas bibliográficas e anotações marginais dos amigos inseparáveis, tomará outros 32, segundo o programa editorial.

É notável que, a 127 anos da morte de Marx, ainda existam trabalhos inéditos do autor, observou Krätke. Um deles sobre a crise financeira de 1857-1858 será publicado em breve. Segundo o pesquisador alemão, que possui uma contundente trajetória como economista e historiador, à qual se agrega seus conhecimentos da obra de Marx, o trabalho sobre a crise de 1857 lança luz para entender melhor a crise financeira e econômica atual. Aquela, como a atual, começou nos Estados Unidos1.

Krätke se encarregou de refutar, à luz das investigações até agora realizadas, as especulações sobre as diferenças entre Marx e Engels e as diligências deste em procurar ordenar a publicar a obra inconclusa de seu amigo. Pode ter cometido alguns erros, mãos o trabalho de Engels foi cuidadoso e respeitoso, assegurou.

A Espanha na obra de Marx

Mas se algo ilustra a erudição e, cabe dizer também, a coragem de Krätke, é falar da história da Espanha, em Barcelona, e diante de acadêmicos bem conhecedores dessa história. Um só dado mostra bem a importância dos trabalhos de Marx e Engels sobre a Espanha: do total da nova MEGA, uns 12 volumes contém seus ensaios, artigos e estudos vinculados ao tema. Marx nunca visitou a Espanha, mas começou a estudar espanhol em 1850 e, desde então, encontram-se em seus escritos citações de clássicos como Cervantes e Lope de Vega.

Várias vezes em sua trajetória intelectual, Marx realizou estudos sistemáticos sobre a história da Espanha. Particularmente entre os anos 1847 e 1848, e depois durante os anos 1850 e 1851, 1854 e 1855 e, por último, entre 1878 e 1882m quase ao final de sua vida. Em uma oportunidade, no período que vai de 1854 a 1855, Marx se pôs a escrever uma história crítica das mudanças revolucionárias na Espanha, precisou Krätke.

Por algum tempo, a partir de 1854, Marx escreveu sobre a situação política espanhola para o New York Daily Tribune. Vários desses artigos tiveram a participação de Engels - e fazem parte da seção da MEGA denominada "Espanha Revolucionária"2. Sobre os motivos que levaram Marx a estudar a história e a política espanhola, Krätke assinalou que encontrou aí algumas chaves importantes do que seria sua teoria política, ou, dito de outro modo, a acumulação de conhecimentos e papéis para elaborar uma teoria política.

"Marx não começa com as "leis" da história", afirmou, "ele constata e discute os fenômenos e as aparências, regularidades e irregularidades, e busca então as explicações históricas. Marx estudou em profundidade, no caso espanhol, a relação entre a formação das classes, a sociedade burguesa e o Estado Moderno. Segundo Krätke, o modelo de um primeiro Império colonial global, a forma curiosa que assumiu o absolutismo, o conceito de um liberalismo avançado e o desenvolvimento revolucionário tão particular é o que fazia da Espanha um campo de análise muito valioso para Marx. Entre outras coisas, para entender a transição do feudalismo para o capitalismo. Transição para a formação do Estado moderno, que, lembrou Krätke seguindo Marx, assumiu formas muito diversas.

Um capítulo relevante na seção da nova MEGA dedicada a Espanha trará os trabalhos de Marx sobre a Constituição de Cádiz de 1812. Frequentemente se esquece a sólida e inicial formação de Marx como jurista. A propósito da Espanha, volta a esses temas de seu interesse com a crítica às interpretações contemporâneas da Constituição de 1812, a qual valorizava por sua originalidade e pela situação política que dá origem a ela. Trabalho, por sua vez, que desperta a preocupação de Marx para uma releitura da Constituição francesa de 1791 e para a análise da Constituição espanhola de 1820. Nestes ensaios, observa Krätke, Marx reflete sobre a natureza das constituições revolucionárias, sempre "impraticáveis" e "impossíveis".

Ao retornar a suas investigações espanholas, 20 anos depois, Marx revisa outra vez os vínculos entre Espanha e a história política mundial, a formação do Estado moderno na Europa, depois do ano 1000, a Conquista e a Reconquista e o papel da Espanha como poder militar e imperialista, observou ainda o coordenador da nova MEGA.

Uma vez terminado este grande empenho da nova MEGA, seguramente as idéias de Marx e de Engels poderão seguir ecoando na segunda metade do século XXI. Esta injeção de otimismo nos animou após escutar as palavras de Krätke. Uma maior dose de otimismo exigiria pensar que, na metade deste século, se terá liberado o mundo e o marxismo da "leitura dogmática e clerical" de Marx e Engels, como desejava Manuel Sacristán, ou da "clerigalla marxista", como reclamava Franz Mehring em 1918.

NOTAS


1 Ver Michael R. Krätke, Marx, periodista económico, en Sin Permiso Nº 6, Barcelona, 2010.

2 Com tradução e prefácio de Manuel Sacristán, en 1960, a editorial Ariel de Barcelona publicou con o título de "Revolução na Espanha" os artigos jornalísticos de Marx e Engels sobre a Espanha que se conheciam então.

Carlos Abel Suárez é integrante do Comitê de Redação de SINPERMISO. Publicado em "Bitácora" do Uruguay.


Tradução: Katarina Peixoto