sábado, 19 de junho de 2010
Que time o de 70
Félix: Carlos Alberto, Britto, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Rivelino; Jairzinho, Tostão e Pelé.
Código de Hamurábi
28. Se um comandante ou homem comum cair em desgraça frente ao rei, se seu filho for capaz de gerir seus bens, então o campo e o jardim serão dados ao filho deste homem, que terá de pagar a taxa devida por seu pai.
29. Se seu filho for muito jovem e não puder tomar posse, 1/3 do campo e jardim deverá ser dado à sua mãe, que deverá educar o menino.
30. Se um comandante ou homem comum deixar sua casa, jardim e campos, e alugar tal propriedade, e outrém tomar posse de sua casa, jardim e campo e usá-los por três anos. Se o primeiro proprietário retornar à sua casa, jardim ou campo, este não deve retornar ao seu primeiro dono, mas ficar com que tomou posse e fez uso destes bens.
31. Se ele fizer um contrato de um ano e então retornar, seus bens devem-lhe ser devolvidos para que tome posse deles novamente.
32. Se um soldado ou homem leigo for capturado no Caminho do Rei (guerra) e um mercador comprar sua liberdade, trazendo-o de volta para casa, se ele tiver meios em sua casa para comprar sua liberdade, ele deverá fazer isto por seus próprios meios. Se ele não tiver nada em sua casa que com o que puder comprar sua liberdade, ele terá de ser comprado pelo templo de sua comunidade. Se não houver nada no templo para poder comprá-lo, a corte deverá comprar sua liberdade. Seu campo, jardim
e casa não devem ser dados para comprar sua liberdade.
29. Se seu filho for muito jovem e não puder tomar posse, 1/3 do campo e jardim deverá ser dado à sua mãe, que deverá educar o menino.
30. Se um comandante ou homem comum deixar sua casa, jardim e campos, e alugar tal propriedade, e outrém tomar posse de sua casa, jardim e campo e usá-los por três anos. Se o primeiro proprietário retornar à sua casa, jardim ou campo, este não deve retornar ao seu primeiro dono, mas ficar com que tomou posse e fez uso destes bens.
31. Se ele fizer um contrato de um ano e então retornar, seus bens devem-lhe ser devolvidos para que tome posse deles novamente.
32. Se um soldado ou homem leigo for capturado no Caminho do Rei (guerra) e um mercador comprar sua liberdade, trazendo-o de volta para casa, se ele tiver meios em sua casa para comprar sua liberdade, ele deverá fazer isto por seus próprios meios. Se ele não tiver nada em sua casa que com o que puder comprar sua liberdade, ele terá de ser comprado pelo templo de sua comunidade. Se não houver nada no templo para poder comprá-lo, a corte deverá comprar sua liberdade. Seu campo, jardim
e casa não devem ser dados para comprar sua liberdade.
Montezuma, el imperador
Faz tempo que queria escrever sobre Montezuma Cruz.
Montezuma: Célio Montezuma Cruz, da última dinastia de jornalistas românticos, dos que se enfiam, dos que se inscrevem na mata ainda inexplorável do Brasil.
Eu o conheci faz tempo, e mais ainda o conheci pelos coleguinhas que o reverenciam, como Ademar Orichio, Silvio Andrade e Evandro Fadel, por exemplo.
Afinal, por onde ele passou, deixou amigos pela amizade, pela coerência profissional, pela ousadia, pelo amor à profissão e por “esse país”.
Eu não teria tanta coragem.
Monte se enfia, cava matérias sensacionais, descobre os brasis.
Já correu o trecho, mas não sossega, o velho Montezuma.
Com a Ana junto, claro.
Rodou o Paraná, os dois Mato Grossos, Rondônia, Amazônias todas.
Agora tem base em Brasília.
Quer saber do Brasil que você não conhece? Monte está ou esteve lá.
Escreva o nome dele no gugou. Tá lá.
Pretendia estender-me sobre o gajo, mas não preciso.
http://www.gentedeopiniao.com/hotsite/index.php?hot=7
E ele tuita em:
http://twitter.com/MontezumaCruz
Montezuma forévis.
Longa vida a meu ídalo Montezuma Cruz.
Montezuma: Célio Montezuma Cruz, da última dinastia de jornalistas românticos, dos que se enfiam, dos que se inscrevem na mata ainda inexplorável do Brasil.
Eu o conheci faz tempo, e mais ainda o conheci pelos coleguinhas que o reverenciam, como Ademar Orichio, Silvio Andrade e Evandro Fadel, por exemplo.
Afinal, por onde ele passou, deixou amigos pela amizade, pela coerência profissional, pela ousadia, pelo amor à profissão e por “esse país”.
Eu não teria tanta coragem.
Monte se enfia, cava matérias sensacionais, descobre os brasis.
Já correu o trecho, mas não sossega, o velho Montezuma.
Com a Ana junto, claro.
Rodou o Paraná, os dois Mato Grossos, Rondônia, Amazônias todas.
Agora tem base em Brasília.
Quer saber do Brasil que você não conhece? Monte está ou esteve lá.
Escreva o nome dele no gugou. Tá lá.
Pretendia estender-me sobre o gajo, mas não preciso.
http://www.gentedeopiniao.com/hotsite/index.php?hot=7
E ele tuita em:
http://twitter.com/MontezumaCruz
Montezuma forévis.
Longa vida a meu ídalo Montezuma Cruz.
Código de Hamurábi
27. Se um comandante ou homem comum cair em desgraça frente ao rei (capturado em batalha) e se seus campos e jardins forem dados a outrém, que tomou posse deste campo, se o primeiro proprietário retornar, seu campo devem ser devolvidos a ele, que entrará novamente de posse de seus bens.
28. Se um comandante ou homem comum cair em desgraça frente ao rei, se seu filho for capaz de gerir seus bens, então o campo e o jardim serão dados ao filho deste homem, que terá de pagar a taxa devida por seu pai.
28. Se um comandante ou homem comum cair em desgraça frente ao rei, se seu filho for capaz de gerir seus bens, então o campo e o jardim serão dados ao filho deste homem, que terá de pagar a taxa devida por seu pai.
O tri no México, 1970
Eu já era bem crescidinho.
Foi em 70, diante de um TV PB que meu pai chorou de emoção, enquanto eu chorava e berrava, meu irmão só berrava e minha irmã achava bacana berrar e berrava.
O Brasil (sob Médici) foi ao México e venceu todas: 4 x 1 na Checoslováquia; 1 x 0 na Inglaterra; 3 x 2 na Rumânia; 4 x 2 no Peru; 3 x 1 no Uruguai (mas 50 continua entalado); 4 x 1 na Itália.
Foi um jogaço.
Eu sei porque vi e quase estava lá.
Acompanhe minha narração, sem tempo, lógico.
Tostão bate lateral, Rivelino cruza e Pelé faz de cabeça.
Clodoaldo dá de calcanhar, os italianos roubam, Brito se choca com Felix (que não precisava sair) e Bonisegna empata.
No segundo tempo, o gigante Gerson faz 2 a 1, de fora da área. Jair faz 3 a 1, num chute que não foi chute, porque o italiano cometia pênalti, mas ele escapou.
No final, Clodoaldo, que fizera aquela bobagem no primeiro tempo, dribla quatro italianos, passa a Rivelino, que passa a Pelé, que segura um segundo e toca no vazio - de onde vem Carlos Alberto: 4 x 1.
Nos porões da ditadura, como lembra Millôr em "Bons tempos, hein?", show do MPB4 com texto dele, berrava-se por outros motivos.
Depois eu aprendi.
Mas como lia e sabia tudo de futebol, lá vai o time campeão, com sobrenome e tudo:
Felix Miéli Venerando; Carlos Alberto Torres, Hércules Brito Ruas, Wilson da Silva Piazza e Everaldo Marques da Silva; Clodoaldo Tavares Santana, Gerson de Oliveira Nunes e Roberto Rivelino; Jair Ventura Filho, Eduardo Gonçalves de Andrade e Edson Arantes do Nascimento.
Como disse o pássaro negro de Poe, nunca mais.
Bons tempos, hein?
Foi em 70, diante de um TV PB que meu pai chorou de emoção, enquanto eu chorava e berrava, meu irmão só berrava e minha irmã achava bacana berrar e berrava.
O Brasil (sob Médici) foi ao México e venceu todas: 4 x 1 na Checoslováquia; 1 x 0 na Inglaterra; 3 x 2 na Rumânia; 4 x 2 no Peru; 3 x 1 no Uruguai (mas 50 continua entalado); 4 x 1 na Itália.
Foi um jogaço.
Eu sei porque vi e quase estava lá.
Acompanhe minha narração, sem tempo, lógico.
Tostão bate lateral, Rivelino cruza e Pelé faz de cabeça.
Clodoaldo dá de calcanhar, os italianos roubam, Brito se choca com Felix (que não precisava sair) e Bonisegna empata.
No segundo tempo, o gigante Gerson faz 2 a 1, de fora da área. Jair faz 3 a 1, num chute que não foi chute, porque o italiano cometia pênalti, mas ele escapou.
No final, Clodoaldo, que fizera aquela bobagem no primeiro tempo, dribla quatro italianos, passa a Rivelino, que passa a Pelé, que segura um segundo e toca no vazio - de onde vem Carlos Alberto: 4 x 1.
Nos porões da ditadura, como lembra Millôr em "Bons tempos, hein?", show do MPB4 com texto dele, berrava-se por outros motivos.
Depois eu aprendi.
Mas como lia e sabia tudo de futebol, lá vai o time campeão, com sobrenome e tudo:
Felix Miéli Venerando; Carlos Alberto Torres, Hércules Brito Ruas, Wilson da Silva Piazza e Everaldo Marques da Silva; Clodoaldo Tavares Santana, Gerson de Oliveira Nunes e Roberto Rivelino; Jair Ventura Filho, Eduardo Gonçalves de Andrade e Edson Arantes do Nascimento.
Como disse o pássaro negro de Poe, nunca mais.
Bons tempos, hein?
As empresas de mídia e seu calote na Previdência
Encontrada, não sei onde, por Chico Duarte (leia o blog dele: compaixaoefortaleza.blogspot.com).
Como era de se esperar, há choro e ranger de dentes na mídia serro-conservadora hoje, com a decisão de Lula de conceder a ampliação de 6,14% para 7,7% no reajuste dos aposentados. Desde ontem à noite, nos telejornais, as matérias se esmeram em dar um tom eleitoreiro à decisão coerente tomada pelo Presidente da República.
O ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, comentando sobre o reajustes de 7,72% nas aposentadorias do INSS de quem ganha acima do salário mínimo, disse que pretende compensar o pagamento a mais com a cobrança sobre devedores da previdência. Ele disse que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem R$ 400 bilhões em dívida que podem cobradas.
No início do ano, algumas das empresas mais caloteiras com a previdência, eram:
- Infoglobo (das Organizações Globo) com dívidas de R$ 17.664.500,51
- Editora Globo S.A.: R$ 2.078.955,87
- Editora Abril: R$ 1.169.560,41
- Rádio e Televisão Bandeirantes: R$ 2.646.664,15
– Folha da Manhã S.A. (Folha de São Paulo): R$ 3.740.776,10
– O Estado de São Paulo (Estadão): R$ 2.078.955,87
Como era de se esperar, há choro e ranger de dentes na mídia serro-conservadora hoje, com a decisão de Lula de conceder a ampliação de 6,14% para 7,7% no reajuste dos aposentados. Desde ontem à noite, nos telejornais, as matérias se esmeram em dar um tom eleitoreiro à decisão coerente tomada pelo Presidente da República.
O ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, comentando sobre o reajustes de 7,72% nas aposentadorias do INSS de quem ganha acima do salário mínimo, disse que pretende compensar o pagamento a mais com a cobrança sobre devedores da previdência. Ele disse que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem R$ 400 bilhões em dívida que podem cobradas.
No início do ano, algumas das empresas mais caloteiras com a previdência, eram:
- Infoglobo (das Organizações Globo) com dívidas de R$ 17.664.500,51
- Editora Globo S.A.: R$ 2.078.955,87
- Editora Abril: R$ 1.169.560,41
- Rádio e Televisão Bandeirantes: R$ 2.646.664,15
– Folha da Manhã S.A. (Folha de São Paulo): R$ 3.740.776,10
– O Estado de São Paulo (Estadão): R$ 2.078.955,87
sexta-feira, 18 de junho de 2010
O MST e Saramago
Não me lembro de onde tirei.
O líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, lamentou nesta sexta-feira (18) a morte do escritor português José Saramago. Ligado às causas sociais, o escritor foi um dos responsáveis pela construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, uma das idealizações do MST.
Localizada na cidade de Guararema, interior de São Paulo, a escola só foi construída em 2005, diante de um trabalho conjunto feito entre Saramago, o fotógrafo Sebastião Salgado e o compositor Chico Buarque de Holanda.
A parceria entre os três resultou no livro "Terra", lançado em 1997. A obra retratou o cotidiano do movimento sem terra no Brasil por meio das fotos em preto e branco de Salgado, unidas aos textos de José Saramago e à música de Chico Buarque.
O projeto foi o grande suporte para que MST pudesse construir a escola, que atende a militantes do movimento. O terreno onde está localizada a escola foi comprado com o auxílio do projeto. Nesta sexta-feira, Stedile afirmou que o movimento se sentiu "honrado" em contar com o apoio do escritor português.
"O MST teve o privilégio e a honra de ter seu envolvimento militante, quando ele somou-se ao projeto de Sebastião Salgado e Chico Buarque e nos ajudou a difundir a exposição 'Terra'. Graças aos livros e fotos dos três, pudemos iniciar a construção de nossa escola nacional. Seremos sempre gratos a sua solidariedade", disse.
Stedile ainda afirmou que a " literatura universal e a portuguesa, em especial, perdem seu patrono maior". "Pessoalmente, sinto-me extremamente lisonjeado por ter podido conhecê-lo. Saramago deixou um legado enorme para a literatura e para a militância comprometida com as causas justas. Por isso, será eterno."
O líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, lamentou nesta sexta-feira (18) a morte do escritor português José Saramago. Ligado às causas sociais, o escritor foi um dos responsáveis pela construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, uma das idealizações do MST.
Localizada na cidade de Guararema, interior de São Paulo, a escola só foi construída em 2005, diante de um trabalho conjunto feito entre Saramago, o fotógrafo Sebastião Salgado e o compositor Chico Buarque de Holanda.
A parceria entre os três resultou no livro "Terra", lançado em 1997. A obra retratou o cotidiano do movimento sem terra no Brasil por meio das fotos em preto e branco de Salgado, unidas aos textos de José Saramago e à música de Chico Buarque.
O projeto foi o grande suporte para que MST pudesse construir a escola, que atende a militantes do movimento. O terreno onde está localizada a escola foi comprado com o auxílio do projeto. Nesta sexta-feira, Stedile afirmou que o movimento se sentiu "honrado" em contar com o apoio do escritor português.
"O MST teve o privilégio e a honra de ter seu envolvimento militante, quando ele somou-se ao projeto de Sebastião Salgado e Chico Buarque e nos ajudou a difundir a exposição 'Terra'. Graças aos livros e fotos dos três, pudemos iniciar a construção de nossa escola nacional. Seremos sempre gratos a sua solidariedade", disse.
Stedile ainda afirmou que a " literatura universal e a portuguesa, em especial, perdem seu patrono maior". "Pessoalmente, sinto-me extremamente lisonjeado por ter podido conhecê-lo. Saramago deixou um legado enorme para a literatura e para a militância comprometida com as causas justas. Por isso, será eterno."
Portugal 3 x 1 Brasil
Veja o que Portugal fez com Pelé, veja o que Eusébio fez com o Brasil.
http://www.youtube.com/watch?v=HpHY8bSPihg
http://www.youtube.com/watch?v=HpHY8bSPihg
O Brasil na Copa da Inglaterra, 1966
Ouvi nossos três jogos pelo rádio, na sala de casa, na General Carneiro, 265, Alto da Glória (sempre), hoje memória, fantasma que paira sobre um estacionamento ao lado do HC.
Tinha 11 anos e, quando caímos fora, chorei feito criança, torcedor doente e criança saudável que era. Meu irmão, sete anos mais novo, chorou ao me ver chorando. Minha mãe, 23 anos mais velha, chorou ao nos ver chorando. E minha irmã, nove anos mais nova, chorou assustada com o choro geral e chorou porque chorava por qualquer coisa. Meu pai, 30 anos mais velho, não chorou porque estava trabalhando (chorou em 1970, mas aí é outra história).
O Brasil saiu pela porta dos fundos ao ser eliminado ainda nas oitavas-de-final pelo valente e violento Portugal, que desceu o chinelo sob o comando do brasileiro Oto Glória. Bateram no Pelé até quase matá-lo. Na época não tinha cartão, só expulsão, o que não houve. 3 a 1 para os patrícios.
Nosso time naquela partida: Manga; Fidélis, Brito, Orlando e Rildo; Denilson, Lima e Pelé; Jairzinho, Silva e Paraná.
O Brasil levou para a Copa Jairzinho, do Botafogo, com 21 anos, Tostão, do Cruzeiro, com 19, e Edu, do Santos, com 16. Levou ainda os veteraníssimos Gilmar, Djalma, Bellini, Orlando, Zito, Garrincha (fez um gol de falta na estreia, contra a Bulgaria, mas já estava estourado).
Antes que me esqueça: no ano seguinte, em 3 de dezembro de 1967 (não, não sei de memória: fui conferir a data no São Gugou), na estreia do videoteipe pela TV Iguaçu, o Coritiba bateu a mesma Hungria (sem o mestre magiar Albert) por 1 a 0, gol do ponta parnanguara Oromar. O lateral direito Zé Carlos, do Água Verde, o meia Paulo Vecchio (jogaria depois no Glorioso) e o ponta esquerda Humberto, ambos do Ferroviário, defenderam nossas cores.
Eu sei porque vi, eu estava lá.
Microconto 9 de 100
Quando acabou, bêbado, rolou de lado e dormiu. Acordou com o lençol encharcado de vermelho. O membro morto no travesseiro, sob o rosto. No chuveiro, a jovem deflorada lavando a faca e o sexo e cantando "Siboney".
Código de Hamurábi
26. Se um comandante ou soldado, que tenha recebido ordens de seguir o rei numa guerra não o fizer, mas contratar um mercenário, se ele não pagar uma compensação, então tal oficial deve ser condenado à morte, e seu representante tomar posse de seus bens.
O olhar de Capitu - quinta parte de um romance interminável
Mulheres siderais espoucam labaredas pelos becos, lamaçais estóicos. Podologia complexa barra o chiste do xistáceo. Mas necas de pitibiribas do pastel convexo desnudar andorinhas. Patelas semitonam, apesar de nada acontecer no arrebol, e a passada do escoteiro arrefecer em frente ao urinol candente dos crustáceos marrons, como cheias e colcheias sob a colcha de retalhos e recursos derivados das maçãs.
Fidel e os EUA, a Jabulani, Maradona...
É a salsa do dinossauro doido.
Publicado originalmente no Cuba Debate (www.cubadebate.cu)
Recientemente afirmé que el mundo se olvidaría pronto de la tragedia que estaba a punto de producirse como fruto de la política seguida, durante más de dos siglos, por la superpotencia vecina: Estados Unidos.
Hemos conocido su forma sinuosa y artera de actuar; el impetuoso crecimiento económico alcanzado a partir del desarrollo técnico y científico; las enormes riquezas acumuladas a costa de la inmensa mayoría de su pueblo trabajador y de los del resto del mundo por una exigua minoría que, en ese país y en los demás, dispone y disfruta de riquezas sin límite.
¿Quiénes se quejan cada vez más sino los trabajadores, los profesionales, los que prestan servicios a la población, los jubilados, los que carecen de empleo, los niños de la calle, las personas desprovistas de conocimientos elementales, que constituyen la inmensa mayoría de los casi siete mil millones de pobladores del planeta, cuyos recursos vitales se agotan visiblemente?
¿Cómo los tratan las llamadas fuerzas del orden que debieran protegerlos?
¿A quiénes golpean los policías, armados de todos los instrumentos de represión posible?
No necesito describir hechos que los pueblos en todas partes, incluido el de Estados Unidos, observan a través de los televisores, las computadoras y otros medios de información masiva.
Un poco más difícil es desentrañar los proyectos siniestros de quienes tienen en sus manos el destino de la humanidad, pensando absurdamente que se puede imponer semejante orden mundial.
¿Qué escribí en las últimas cinco reflexiones con las cuales ocupé el espacio de Granma y del sitio Web CubaDebate entre el 30 de mayo y el 10 de junio de 2010?
Ya los elementos básicos de un futuro muy próximo han sido lanzados al vuelo y no tienen marcha atrás posible. Los impactantes acontecimientos de la Copa Mundial de Fútbol en Sudáfrica, en el curso de unos breves días, han captado nuestras mentes.
Apenas tenemos tiempo de respirar durante las seis horas que se transmiten en vivo y en directo por la televisión de casi todos los países del mundo.
Habiendo presenciado ya los encuentros entre los equipos más prestigiosos en sólo seis días, y aplicando mis poco confiables puntos de vista, me atrevo a considerar que entre Argentina, Brasil, Alemania, Inglaterra y España está el campeón de la Copa.
Ya no queda equipo prominente que no haya mostrado sus garras de león en ese deporte, donde con anterioridad no veía más que personas corriendo en el extenso campo de una puerta a otra. Hoy, gracias a nombres famosos como Maradona y Messi, conocedor de las proezas del primero como el mejor jugador de la historia de este deporte y su criterio de que el otro es igual o mejor que él, puedo ya distinguir el papel de cada uno de los 11 jugadores.
Conocí también en estos días que la nueva pelota de fútbol es de geometría variable en el aire, más veloz y rebota mucho más. Los propios jugadores, comenzando por los porteros, se quejan de estas nuevas características, pero incluso los delanteros y la defensa también se quejan y bastante, ya que la bola va más rápida y toda su vida ellos aprendieron a manejar otra. Son los dirigentes de la FIFA quienes deciden sobre el asunto en cada Copa Mundial.
Esta vez han transfigurado ese deporte; es otro, aunque sigue llamándose igual. Los fanáticos, que no conocen los cambios introducidos en la pelota -que es el alma de un gran número de actividades deportivas- y repletan las gradas de cualquier estadio, son los que gozan de lo lindo y todos los aceptarán bajo el mágico nombre del glorioso fútbol. Hasta Maradona, que fue el mejor jugador de su historia, se resignará tranquilamente a que otros atletas anoten más goles, a más distancia, más espectaculares y con más puntería que él, en la misma puerta, y del mismo tamaño, que aquella donde su fama alcanzó un sitial tan alto.
En la pelota amateur era distinto, los bates pasaban de la madera al aluminio, o de este a la madera, sólo se establecían determinados requisitos.
Los poderosos clubes profesionales de Estados Unidos decidieron aplicar normas rígidas con relación al bate y otra serie de requisitos tradicionales, que mantienen las características del viejo deporte. Realmente dieron al espectáculo especial interés y también las enormes ganancias con que el público y los anuncios publicitarios pagan.
En la actual vorágine deportiva, un deporte extraordinario y noble como el voleibol, que tanto gusta en nuestro país, está inmerso en su Liga Mundial, el torneo más importante para esta especialidad cada año, exceptuando los títulos que se derivan del primer lugar en unas competencias olímpicas o los campeonatos mundiales.
El viernes y sábado de la semana pasada, en la Ciudad Deportiva, se efectuaron los penúltimos juegos que deben tener lugar en Cuba. Nuestro equipo hasta ahora no ha perdido un solo partido. El último adversario fue nada menos que Alemania. Entre sus atletas estaba un gigante alemán de 2,14 metros de altura, y es un excelente rematador. Fue una verdadera hazaña ganarle todos los set, excepto el tercero del segundo partido. Los miembros de nuestro equipo, muy jóvenes todos, uno de los cuales tiene sólo 16 años, mostraron una sorprendente capacidad de reacción. El actual campeón de Europa es Polonia, y el equipo alemán obtuvo la victoria en los dos encuentros que tuvo contra aquel equipo. Antes de estos éxitos, nadie supuso que el equipo de Cuba estaría de nuevo entre los mejores del mundo.
Desgraciadamente, por otro lado, en la esfera política el camino está saturado de enormes riesgos.
Un asunto que señalé con anterioridad, entre los elementos básicos de un futuro muy próximo lanzados al vuelo, que no tienen ya retroceso posible, es el hundimiento del Cheonan, buque insignia de la marina surcoreana que naufragó el 26 de marzo en cuestión de minutos, ocasionando la muerte de 46 marinos y decenas de heridos.
El gobierno de Corea del Sur ordenó una investigación para conocer si el hecho fue consecuencia de una explosión interna o externa. Al comprobar que procedía del exterior, acusó al gobierno de Pyongyang del hundimiento de la nave. Corea del Norte sólo disponía de un viejo modelo de torpedo de fabricación soviética. Carecía de cualquier otro elemento excepto la lógica más simple. No podía siquiera imaginar otra causa.
El pasado mes de marzo, como primer paso, el gobierno de Corea del Sur ordenó la activación de los altavoces de propaganda en 11 puntos de la frontera común desmilitarizada que separa las dos Coreas.
El alto mando de las Fuerzas Armadas de la República Popular Democrática de Corea, por su parte, declaró que destruiría los altavoces tan pronto se iniciara esa actividad. La misma había sido suspendida desde el año 2004. La República Popular Democrática de Corea declaró textualmente que convertiría a Seúl en un “mar de fuego”.
El pasado viernes, el Ejército de Corea del Sur anunció que la iniciaría tan pronto el Consejo de Seguridad anunciara sus medidas por el hundimiento del buque surcoreano Cheonan. Ambas repúblicas coreanas están ya con el dedo en el gatillo.
El gobierno de Surcorea no podía imaginar que su estrecho aliado, Estados Unidos, había colocado una mina en el fondo del Cheonan, como relata en un artículo el periodista investigador Wayne Madsen, publicado por Global Research el 1º de junio de 2010, con una explicación coherente de lo sucedido. Se fundamenta en el hecho de que Corea del Norte no posee ningún tipo de cohete o instrumento alguno para hundir el Cheonan, que no pudiera ser detectado por los sofisticados equipos del caza submarino.
Norcorea había sido acusada de algo que no llevó a cabo, lo cual determinó el viaje urgente de Kim Jong Il a China en el tren blindado.
Cuando estos hechos se producen súbitamente, en la mente del gobierno de Corea del Sur no había ni hay espacio para otra causa posible.
En medio del ambiente deportivo y alegre, el cielo se ensombrece cada vez más.
Las intenciones de Estados Unidos son obvias desde hace rato, a medida que su gobierno actúa obligado por sus propios designios sin alternativas posibles.
Su propósito -acostumbrados a la imposición de sus designios por la fuerza-, es que Israel ataque las instalaciones productoras de uranio enriquecido en Irán, utilizando los más modernos aviones y el sofisticado armamento que irresponsablemente le suministra la superpotencia. Ésta le sugirió a Israel, que no tiene fronteras con Irán, solicitar de Arabia Saudita permiso para sobrevolar un largo y estrecho corredor aéreo, acortando considerablemente la distancia entre el punto de partida de los aviones atacantes y los objetivos a destruir.
Según el plan, que en partes esenciales ha sido divulgado por la Inteligencia de Israel, oleadas de aviones atacarán una y otra vez para machacar los objetivos.
El pasado sábado 12 de junio, importantes órganos de prensa occidentales publicaron la noticia sobre un corredor aéreo concedido por Arabia Saudita a Israel, previo acuerdo con el Departamento de Estado norteamericano, con el objetivo de realizar ensayos de vuelo con los caza bombarderos israelitas para atacar sorpresivamente a Irán, que ya estos habían llevado a cabo en el espacio aéreo saudita.
Voceros de Israel nada negaron, limitándose sólo a declarar que los mencionados países sentían más temor por el desarrollo nuclear iraní que el propio Israel.
El 13 de junio, cuando el Times de Londres publicó una información tomada de fuentes de inteligencia, asegurando que Arabia Saudita divulgó un acuerdo que concede autorización a Israel para el paso por un corredor aéreo sobre su territorio para el ataque a Irán, el Presidente Ahmadinejad declaró, al recibir las cartas credenciales del nuevo Embajador saudita en Teherán, Mohamad ibn Abbas al Kalabi, que había muchos enemigos que no deseaban relaciones cercanas entre ambos países, “…Pero si Irán y Arabia Saudí permanecen uno al lado del otro, esos enemigos renunciarán a continuar con la agresión…”.
Desde el punto de vista iraní, a mi juicio, esas declaraciones se justificaban, cualesquiera que fuesen sus razones para hacerlo. Posiblemente no deseaba herir en lo más mínimo a sus vecinos árabes.
Los yankis no han dicho una palabra, sólo para reflejar más que nunca su deseo ardiente de barrer el gobierno nacionalista que dirige a Irán.
Hay que preguntar ahora cuándo el Consejo de Seguridad analizará el hundimiento del Cheonan, que fuera buque insignia de la Armada Surcoreana; qué conducta seguirá después que los dedos en los gatillos de las armas en la península coreana las disparen; si es cierto o no que Arabia Saudita, de acuerdo con el Departamento de Estado, autorizó un corredor aéreo para que las oleadas de modernos bombarderos israelitas ataquen las instalaciones iraníes, lo que posibilita incluso el empleo de las armas nucleares suministradas por Estados Unidos.
Entre juego y juego de la Copa Mundial de Fútbol, las diabólicas noticias se van deslizando poco a poco, de modo que nadie se ocupe de ellas.
Fidel Castro Ruz
Junio 16 de 2010
Publicado originalmente no Cuba Debate (www.cubadebate.cu)
Recientemente afirmé que el mundo se olvidaría pronto de la tragedia que estaba a punto de producirse como fruto de la política seguida, durante más de dos siglos, por la superpotencia vecina: Estados Unidos.
Hemos conocido su forma sinuosa y artera de actuar; el impetuoso crecimiento económico alcanzado a partir del desarrollo técnico y científico; las enormes riquezas acumuladas a costa de la inmensa mayoría de su pueblo trabajador y de los del resto del mundo por una exigua minoría que, en ese país y en los demás, dispone y disfruta de riquezas sin límite.
¿Quiénes se quejan cada vez más sino los trabajadores, los profesionales, los que prestan servicios a la población, los jubilados, los que carecen de empleo, los niños de la calle, las personas desprovistas de conocimientos elementales, que constituyen la inmensa mayoría de los casi siete mil millones de pobladores del planeta, cuyos recursos vitales se agotan visiblemente?
¿Cómo los tratan las llamadas fuerzas del orden que debieran protegerlos?
¿A quiénes golpean los policías, armados de todos los instrumentos de represión posible?
No necesito describir hechos que los pueblos en todas partes, incluido el de Estados Unidos, observan a través de los televisores, las computadoras y otros medios de información masiva.
Un poco más difícil es desentrañar los proyectos siniestros de quienes tienen en sus manos el destino de la humanidad, pensando absurdamente que se puede imponer semejante orden mundial.
¿Qué escribí en las últimas cinco reflexiones con las cuales ocupé el espacio de Granma y del sitio Web CubaDebate entre el 30 de mayo y el 10 de junio de 2010?
Ya los elementos básicos de un futuro muy próximo han sido lanzados al vuelo y no tienen marcha atrás posible. Los impactantes acontecimientos de la Copa Mundial de Fútbol en Sudáfrica, en el curso de unos breves días, han captado nuestras mentes.
Apenas tenemos tiempo de respirar durante las seis horas que se transmiten en vivo y en directo por la televisión de casi todos los países del mundo.
Habiendo presenciado ya los encuentros entre los equipos más prestigiosos en sólo seis días, y aplicando mis poco confiables puntos de vista, me atrevo a considerar que entre Argentina, Brasil, Alemania, Inglaterra y España está el campeón de la Copa.
Ya no queda equipo prominente que no haya mostrado sus garras de león en ese deporte, donde con anterioridad no veía más que personas corriendo en el extenso campo de una puerta a otra. Hoy, gracias a nombres famosos como Maradona y Messi, conocedor de las proezas del primero como el mejor jugador de la historia de este deporte y su criterio de que el otro es igual o mejor que él, puedo ya distinguir el papel de cada uno de los 11 jugadores.
Conocí también en estos días que la nueva pelota de fútbol es de geometría variable en el aire, más veloz y rebota mucho más. Los propios jugadores, comenzando por los porteros, se quejan de estas nuevas características, pero incluso los delanteros y la defensa también se quejan y bastante, ya que la bola va más rápida y toda su vida ellos aprendieron a manejar otra. Son los dirigentes de la FIFA quienes deciden sobre el asunto en cada Copa Mundial.
Esta vez han transfigurado ese deporte; es otro, aunque sigue llamándose igual. Los fanáticos, que no conocen los cambios introducidos en la pelota -que es el alma de un gran número de actividades deportivas- y repletan las gradas de cualquier estadio, son los que gozan de lo lindo y todos los aceptarán bajo el mágico nombre del glorioso fútbol. Hasta Maradona, que fue el mejor jugador de su historia, se resignará tranquilamente a que otros atletas anoten más goles, a más distancia, más espectaculares y con más puntería que él, en la misma puerta, y del mismo tamaño, que aquella donde su fama alcanzó un sitial tan alto.
En la pelota amateur era distinto, los bates pasaban de la madera al aluminio, o de este a la madera, sólo se establecían determinados requisitos.
Los poderosos clubes profesionales de Estados Unidos decidieron aplicar normas rígidas con relación al bate y otra serie de requisitos tradicionales, que mantienen las características del viejo deporte. Realmente dieron al espectáculo especial interés y también las enormes ganancias con que el público y los anuncios publicitarios pagan.
En la actual vorágine deportiva, un deporte extraordinario y noble como el voleibol, que tanto gusta en nuestro país, está inmerso en su Liga Mundial, el torneo más importante para esta especialidad cada año, exceptuando los títulos que se derivan del primer lugar en unas competencias olímpicas o los campeonatos mundiales.
El viernes y sábado de la semana pasada, en la Ciudad Deportiva, se efectuaron los penúltimos juegos que deben tener lugar en Cuba. Nuestro equipo hasta ahora no ha perdido un solo partido. El último adversario fue nada menos que Alemania. Entre sus atletas estaba un gigante alemán de 2,14 metros de altura, y es un excelente rematador. Fue una verdadera hazaña ganarle todos los set, excepto el tercero del segundo partido. Los miembros de nuestro equipo, muy jóvenes todos, uno de los cuales tiene sólo 16 años, mostraron una sorprendente capacidad de reacción. El actual campeón de Europa es Polonia, y el equipo alemán obtuvo la victoria en los dos encuentros que tuvo contra aquel equipo. Antes de estos éxitos, nadie supuso que el equipo de Cuba estaría de nuevo entre los mejores del mundo.
Desgraciadamente, por otro lado, en la esfera política el camino está saturado de enormes riesgos.
Un asunto que señalé con anterioridad, entre los elementos básicos de un futuro muy próximo lanzados al vuelo, que no tienen ya retroceso posible, es el hundimiento del Cheonan, buque insignia de la marina surcoreana que naufragó el 26 de marzo en cuestión de minutos, ocasionando la muerte de 46 marinos y decenas de heridos.
El gobierno de Corea del Sur ordenó una investigación para conocer si el hecho fue consecuencia de una explosión interna o externa. Al comprobar que procedía del exterior, acusó al gobierno de Pyongyang del hundimiento de la nave. Corea del Norte sólo disponía de un viejo modelo de torpedo de fabricación soviética. Carecía de cualquier otro elemento excepto la lógica más simple. No podía siquiera imaginar otra causa.
El pasado mes de marzo, como primer paso, el gobierno de Corea del Sur ordenó la activación de los altavoces de propaganda en 11 puntos de la frontera común desmilitarizada que separa las dos Coreas.
El alto mando de las Fuerzas Armadas de la República Popular Democrática de Corea, por su parte, declaró que destruiría los altavoces tan pronto se iniciara esa actividad. La misma había sido suspendida desde el año 2004. La República Popular Democrática de Corea declaró textualmente que convertiría a Seúl en un “mar de fuego”.
El pasado viernes, el Ejército de Corea del Sur anunció que la iniciaría tan pronto el Consejo de Seguridad anunciara sus medidas por el hundimiento del buque surcoreano Cheonan. Ambas repúblicas coreanas están ya con el dedo en el gatillo.
El gobierno de Surcorea no podía imaginar que su estrecho aliado, Estados Unidos, había colocado una mina en el fondo del Cheonan, como relata en un artículo el periodista investigador Wayne Madsen, publicado por Global Research el 1º de junio de 2010, con una explicación coherente de lo sucedido. Se fundamenta en el hecho de que Corea del Norte no posee ningún tipo de cohete o instrumento alguno para hundir el Cheonan, que no pudiera ser detectado por los sofisticados equipos del caza submarino.
Norcorea había sido acusada de algo que no llevó a cabo, lo cual determinó el viaje urgente de Kim Jong Il a China en el tren blindado.
Cuando estos hechos se producen súbitamente, en la mente del gobierno de Corea del Sur no había ni hay espacio para otra causa posible.
En medio del ambiente deportivo y alegre, el cielo se ensombrece cada vez más.
Las intenciones de Estados Unidos son obvias desde hace rato, a medida que su gobierno actúa obligado por sus propios designios sin alternativas posibles.
Su propósito -acostumbrados a la imposición de sus designios por la fuerza-, es que Israel ataque las instalaciones productoras de uranio enriquecido en Irán, utilizando los más modernos aviones y el sofisticado armamento que irresponsablemente le suministra la superpotencia. Ésta le sugirió a Israel, que no tiene fronteras con Irán, solicitar de Arabia Saudita permiso para sobrevolar un largo y estrecho corredor aéreo, acortando considerablemente la distancia entre el punto de partida de los aviones atacantes y los objetivos a destruir.
Según el plan, que en partes esenciales ha sido divulgado por la Inteligencia de Israel, oleadas de aviones atacarán una y otra vez para machacar los objetivos.
El pasado sábado 12 de junio, importantes órganos de prensa occidentales publicaron la noticia sobre un corredor aéreo concedido por Arabia Saudita a Israel, previo acuerdo con el Departamento de Estado norteamericano, con el objetivo de realizar ensayos de vuelo con los caza bombarderos israelitas para atacar sorpresivamente a Irán, que ya estos habían llevado a cabo en el espacio aéreo saudita.
Voceros de Israel nada negaron, limitándose sólo a declarar que los mencionados países sentían más temor por el desarrollo nuclear iraní que el propio Israel.
El 13 de junio, cuando el Times de Londres publicó una información tomada de fuentes de inteligencia, asegurando que Arabia Saudita divulgó un acuerdo que concede autorización a Israel para el paso por un corredor aéreo sobre su territorio para el ataque a Irán, el Presidente Ahmadinejad declaró, al recibir las cartas credenciales del nuevo Embajador saudita en Teherán, Mohamad ibn Abbas al Kalabi, que había muchos enemigos que no deseaban relaciones cercanas entre ambos países, “…Pero si Irán y Arabia Saudí permanecen uno al lado del otro, esos enemigos renunciarán a continuar con la agresión…”.
Desde el punto de vista iraní, a mi juicio, esas declaraciones se justificaban, cualesquiera que fuesen sus razones para hacerlo. Posiblemente no deseaba herir en lo más mínimo a sus vecinos árabes.
Los yankis no han dicho una palabra, sólo para reflejar más que nunca su deseo ardiente de barrer el gobierno nacionalista que dirige a Irán.
Hay que preguntar ahora cuándo el Consejo de Seguridad analizará el hundimiento del Cheonan, que fuera buque insignia de la Armada Surcoreana; qué conducta seguirá después que los dedos en los gatillos de las armas en la península coreana las disparen; si es cierto o no que Arabia Saudita, de acuerdo con el Departamento de Estado, autorizó un corredor aéreo para que las oleadas de modernos bombarderos israelitas ataquen las instalaciones iraníes, lo que posibilita incluso el empleo de las armas nucleares suministradas por Estados Unidos.
Entre juego y juego de la Copa Mundial de Fútbol, las diabólicas noticias se van deslizando poco a poco, de modo que nadie se ocupe de ellas.
Fidel Castro Ruz
Junio 16 de 2010
O ano que não terminou, Dulce Maia etc.
Reportagem de Helena Wolfenson publicada na edição de maio da revista Brasileiros.
1968 foi o ano das revoltas estudantis estrondosas. Uma onda de gritos por liberdade varreu todo o planeta, com a mesma sincronia que o espantou. Sua maneira de ser, de existir e de se desmanchar no ar foi única; porém, como diz Caetano Veloso em depoimento ao jornalista Zuenir Ventura: "Para acontecer de novo, teria de ser muito diferente". Em Paris, o movimento eclodiu porque a burocracia moralizante da Universidade de Nanterre proibiu a entrada de rapazes no alojamento feminino. Mas as razões de fundo que levaram às explosões juvenis em todo o mundo são até hoje estudadas e explicadas sob diversos pontos de vista.
No período pós-guerra, triplicou a densidade demográfica da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. O fenômeno dessa explosão populacional chamado baby boom criou, na virada da década de 1960 para 1970, uma juventude cuja profunda insatisfação moral e cultural veio à tona através de sua participação massiva nos movimentos revoltosos recém-nascidos. A impressão de que o status quo, hipocritamente, parecia estar evoluindo de vento em popa começou a se diluir. O PIB crescia, o poder aquisitivo também, e essa geração, dos chamados baby boomers, estava nas universidades, uma juventude três vezes maior do que a anterior, mais rica, contudo mais insatisfeita, descontente e inquieta.
Em 67 morreu Guevara, em 68 Luther King e Bobby Kennedy
Eram tempos de guerra no Vietnã, o primeiro conflito televisionado e que gerou uma profunda angústia entre os civis, principalmente os jovens e artistas. Ativistas políticos se propagavam pelo mundo, havia uma conscientização planetária da injustiça da guerra e de seus campos de batalha. Paralelamente, o conservadorismo de direita lutava contra as ações sociais e coletivas. No fim de 1967 houve o assassinato de Che Guevara, logo em abril de 1968 Martin Luther King, o líder carismático da causa negra, foi morto. Meses passados, e o então candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Robert Kennedy, teve o mesmo destino de seu irmão mais velho, o ex-presidente John Kennedy, assassinado alguns anos antes, e o republicano Nixon foi reeleito. No fim do ano, o homem chegou à Lua.
Nos esportes, foi o ano das Olimpíadas do México, boicotadas em junho e que só ocorreram em outubro. As bandeiras feministas eram levantadas em todos os cantos. Na França, a imaginação juvenil buscava a tomada do poder. Jimi Hendrix, Beatles, Bob Dylan, pop art, tropicália... as artes se renovavam, se engajavam politicamente. Esse foi o chamado ano zero da globalização, a primeira vez em que se vislumbrou um cordão que interligaria Sul e Norte, Leste e Oeste, não por questões geográficas ou físicas, mas humanas e, acima de tudo, jovens.
Oriundos de todos os cantos do planeta, países com governos e culturas distintos se encontravam sob um denominador comum. Eram tempos de Guerra Fria, o moralismo, as estritas e burocráticas normas do mundo dividido causavam efeitos agonizantes na juventude daquele ciclo de prosperidade econômica. O mês de maio de 1968 estabeleceu-se como símbolo de uma época, uma luta essencialmente contra a autoridade, a paterna, em particular, e o modelo de família vigente até então. Seu legado permitiu o nascimento de milhares de novos canais de expressão nas artes, de novas formas de contestação social e de novos tipos de relações humanas.
Como nos grandes centros, alguns países da América Latina foram tomados pela efervescência inebriante de 1968, também fatídico para nós, brasileiros. Em dezembro foi promulgado o AI-5, que enterrou de vez o pouco que ainda restava de atividade democrática no País, jogando-nos num período de trevas, perseguições e censura durante quase duas décadas. Um pouco antes disso, sentindo os ventos libertadores da Europa, o Rio de Janeiro começou a demonstrar grandes articulações de massa, através de manifestações de rua.
A cidade chegou a parar por alguns dias, como na lendária Passeata dos 100 Mil. A impressão que se tinha era a de uma coletividade envolvida em uma só causa, que escapava do estereótipo do futebol e do Carnaval. No entanto, os que estavam realmente por dentro dessa movimentação eram uma minoria - atuante, barulhenta, que fazia estardalhaço e criava sem parar. Alguns de seus representantes, os que resistiram às prisões, às torturas, ao exílio e ao tempo, são hoje, em sua maioria, grandes nomes da cultura nacional, da política e da academia.
De emos a neo-hippies é o mesmo: falta ideologia
As ditaduras militares na América Latina se erguiam em nome da liberdade e contra o comunismo. Tinham como primeiro pretexto manter a segurança. Para proteger as sociedades do temido comunismo, impedia-se qualquer forma de oposição, das mais ingênuas às mais contundentes. Uma indignação latente e reprimida alastrava-se em vários campos da sociedade.
A juventude não tinha espaço para a expressão política, a cultura encontrava os seus canais fechados pelo sistema burocrático e corporativista da esquerda e da direita. Há quem diga que o mundo se libertou de normas rígidas e que a juventude passou a ser reconhecida e ouvida. Outros crêem que seu legado gerou uma despolitização nas gerações seguintes. As tão sonhadas e inovadoras formas de expressão já foram absorvidas pelo sistema. A sociedade não se libertou da angústia e do mal-estar de então. Houve uma sucatização do ensino. Os milhares de grupos adolescentes de hoje, que buscam sua identidade na mercadoria, de emos a neo-hippies, todos padecem do mesmo vazio: a falta de ideologia.
Enxergar esse momento através de pessoas e não de documentos foi uma escolha. Os jovens de então, que não acreditavam em ninguém com mais de 30 anos, hoje ultrapassam os 60. Se esse foi o período da história da humanidade em que a juventude encontrou seu lugar, participou e absorveu mudanças que ainda desabrochavam, como será que aqueles que contribuíram com a história estão hoje? O que pensam? Como enxergam a juventude atual? Como construíram suas vidas a partir desse rompante?
Mexer com a memória, penetrar nessa história foi a nossa busca ao fazer esta reportagem. Entrevistamos cinco personagens que, de formas diferentes, em locais diversos, absorveram a força dessa energia no ano de 1968. Pessoas que hoje estão entre os 60 e os 70 anos e na época se indignavam com uma sociedade que consideravam injusta e hipócrita, e que, vista sob aquela ótica, assim permanece. A memória e a história se confundem nas mentes desses vividos adultos. Enxergar a história partindo de olhares subjetivos, tentar ver o mundo da forma como foi visto por eles e, finalmente, o que ficou daquele mês, ano ou década foi o que encontramos nos relatos feitos por nossos protagonistas.
Paris, maio, ano de 1968, o estudante de economia da Escola de Lausanne, na Suíça, Ladislau Dowbor, aos 27 anos de idade, passava uns dias na "Cidade Luz" para visitar amigos. Dias que acabaram virando meses, tamanha a efervescência das ruas parisienses. Seu relato é um olhar de quem teve o privilégio de presenciar a força do movimento ali, no seu momento histórico. A abrangência e as conseqüências desse movimento foram inesperadas, e a França em particular foi um estopim importante em todo o processo. "Alguém precisa pôr o fogo no estopim e isso se dá em Paris na forma de manifestações estudantis", como testemunhou Dowbor.
Estavam em andamento alguns movimentos de contestação em relação à educação, outros em relação à Guerra do Vietnã. O processo de descolonização de algumas regiões da África também estava em curso. A compreensão da injusta e profunda interligação das economias do Primeiro e do Terceiro Mundo, uma como causa da outra, se iniciara. A esquerda também buscava uma renovação nos seus canais de expressão e uma alternativa que fugisse aos moldes antigos da política partidária burocrática e sindical. Esse era o pano de fundo do quadro vivido pela juventude universitária, não só na França, mas também na Itália e na Alemanha. Já a juventude norte-americana vivia às voltas com a Guerra do Vietnã. "Foi como jogar uma pedra em um lago e ver suas ondas se espalharem."
Seu carro era um dos únicos que andavam no Quartier Latin
Um jovem alemão residente na França, Daniel Cohn-Bendit, era o líder do movimento francês. "Daniel, o vermelho", como era chamado por seus seguidores e por toda a mídia (por conta de seus cabelos ruivos), guardava em si duas características marcantes da geração de 1968 e também o seu legado: a língua afiada e um forte destemor frente às autoridades.
As primeiras manifestações nas universidades parisienses eram muito focalizadas em reivindicações da esfera estudantil, mas a resposta do governo francês foi de extrema violência. Conduta que se revelou de uma burrice tática, pois fez o movimento crescer e tomar todas as universidades da capital. Foi uma reação em cadeia, que causou também a união de outros setores da sociedade contra a repressão. O tiro saiu pela culatra. "Todas as universidades fecharam. A polícia tomou as ruas, a repressão se instalou. Pela primeira vez houve uma coalizão entre líderes estudantis e de sindicatos. Houve uma paralisação geral da cidade, os transportes públicos não funcionaram, os distribuidores de gasolina pararam, as escolas fecharam suas portas. Criou-se um movimento de férias nacionais e foi se instaurando um medo generalizado nas camadas não-organizadas da população."
Como Ladislau estudava na Suíça e havia ido a Paris de carro, um Citroën Deux Chevaux, com o tanque cheio, ao final de três dias de paralisação o seu era um dos poucos carros que andavam pelas ruas do Quartier Latin. O clima era inebriante, Ladislau não conseguia ir embora, começou a participar das muitas reuniões que se organizavam por quarteirões. Todos, por não irem ao trabalho ou à universidade, estavam nas ruas, nas casas, nas esquinas, se encontrando, discutindo, criando frases, pensando em propostas sonhadoras para um mundo diferente. Colocavam- se papéis e frases nas paredes, todos participavam escrevendo: "Era como se descobríssemos que era legítimo ter sentimentos que iam além da busca organizada e disciplinada de alguns porcentuais de aumento do PIB. O movimento tornou-se extremamente amplo e o vento de liberdade que soprava era enorme, as pessoas estavam felizes e criando nas ruas".
O povo ocupou as ruas e praças. Os dizeres das paredes tornaram-se símbolos mundiais, saíram das universidades, atravessaram oceanos, conclamando o poder do amor, da juventude, escancarando a hipocrisia do sistema e das autoridades repressoras. "De Paris a Woodstock - chegou até a abrir algumas frestas de luz na ditadura então vigente no Brasil", conclui o economista. O movimento perdurou por algumas semanas, até que, como era de se esperar, a polícia e o Exército o sufocaram.
O presidente francês Charles De Gaulle se uniu ao então primeiro-ministro alemão e voltaram a colocar a polícia para reprimir, mas agora em uma ação muito mais organizada e sistemática do que a primeira. Dissolveram o movimento através de prisões seletivas dos líderes estudantis; Daniel Cohn-Bendit foi expulso do país e voltou para a Alemanha; criou-se uma campanha televisiva massiva, chamando os trabalhadores de volta ao batente, ameaçando-os de demissão.
O sentimento que ficou cravado na mente de muitos daqueles jovens que viveram o Maio de 68 francês, e na memória do economista Dowbor particularmente, foi extremamente poderoso, pois, por um instante, foi possível perceber o que era gozar a vida sem portas, sem barreiras burocráticas, sem horários nem fórmulas. Foi um pulso criativo para uma geração desorientada. A herança desse tempo é muito mais de ordem comportamental do que da esfera política. Para aquela geração, o que estava na mesa eram as contundentes transformações do ponto de vista moral e cultural, que remodelaram as relações humanas - entre professores e alunos, autoridades e população, homens e mulheres, pais e filhos, vizinhos.
Todos os movimentos libertários, como o da liberdade sexual, feminista, gay, ecológico, o fortalecimento do movimento negro e a expansão de correntes artísticas como a pop art e o tropicalismo, entre outros, seguramente se alimentaram dessa ruptura. "Foi um basta para toda aquela geração que nos dizia: calem as bocas, vocês têm televisão, carro e geladeira, querem mais o quê?", afirma Ladislau.
Depois de dois meses no Brasil, foi preso como comunista
A geração 68 buscava coerência nas ações, procurava entender o mundo a partir de outro viés. As autoridades impunham à população um leque de ordens a ser seguidas para evitar o caos, mas, quando tais ordens foram descumpridas, o que se viu foi a criação livre, a harmonia, não o caos. Como diz Dowbor: "Sabíamos onde estava o mal, mas não onde estava o bem. Por polarização natural, apoiávamos o comunismo, mas era por um nivelamento artificial do antiamericanismo".
Em Paris, Ladislau, um polonês nascido na França, começou a ter contato com algumas organizações da esquerda brasileira, país onde cresceu e se radicou, e decidiu voltar ao Brasil e partir para a luta. "Eu, que financiava os meus estudos trabalhando nos trens noturnos internacionais, aproveitava as escalas em Paris para participar das reuniões. A opção da luta armada não me parecia apresentar mistérios, estava no ar, todos conheciam bem a resistência vietnamita, a Revolução Cubana, a guerrilha de Angola, de Moçambique, de Bissau... Fazia parte das opções. Pessoalmente, não me julgava capaz de definir grande coisa, pela própria idade e insuficiência de cultura política, e, quando as pessoas com quem convivia em Paris, com outro nível de experiência, me chamaram, fiz as malas e fui."
Depois de dois meses no Brasil ele foi preso, tido como terrorista e comunista. Depois de uma semana estava solto, era antes do AI-5. "De certa forma, as próprias torturas justificavam a nossa luta armada, como os policiais e os militares justificariam a tortura com o fato de estarmos armados. Nos processos de polarização, o culpado é sempre o outro", argumenta o ex-guerrilheiro.
Depois de 1968, Ladislau entrou nas organizações clandestinas de esquerda Vanguarda Popular Revoluconária (VPR) e Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares). Foi preso, torturado e exilado. Hoje é professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), nas áreas de economia e administração.
Primeiro chegam os cães, depois os gatos, todos dando as boas-vindas no "Lar Dulce Lar", como ela mesma gosta de chamar a sua casa em Cunha, na Serra do Mar, entre a praia e o campo, entre São Paulo e Rio de Janeiro, entre Ubatuba e Parati. Com cheiro de madeira, livros, revistas, discos, cerâmicas e muita vida espalhada por todos os cantos. A espaçosa e aconchegante casa foi construída por Dulce Maia de Souza há três anos, depois que ela se mudou de um sítio na mesma região. Basta um passeio no jardim e já se pode notar que a senhora de olhar profundo e cabeleira toda branca tem um vício: as árvores, plantas e flores.
Desde que se mudou para essa casa em Cunha, já plantou mais de 6 mil pés de árvore dentro e fora de seu terreno. "Quando voltei ao Brasil, depois dos anos de exílio, me mudei para Floripa, porque queria viver perto da praia." Lá conseguiu refazer sua vida pós-exílio, ganhou algum dinheiro vendendo por 300 mil dólares os terrenos que comprara por apenas poucos mil. "Alguma coisa está muito errada neste país, não?", indaga Dulce, que procurou outro rumo depois que a especulação imobiliária se instalou na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, capital de Santa Catarina.
Ela chegou a Cunha há exatos 15 anos, e nunca mais saiu. Conhecida por todos na cidade, hoje a ex-guerrilheira da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) é diretora de uma ONG para projetos de proteção da flora e da fauna brasileira na Serra da Bocaina, a Econsenso, e fundadora de outra na cidadezinha onde vive.
Atéia por convicção, ela diz que sua religião é a solidariedade
Aos 70 anos, ela não pára, sobe e desce escadas, vai e volta da cidade com o seu conservado jipe preto, está sempre viajando a trabalho, recebe amigos e cuida da casa em que vive com um de seus dois filhos adotivos, o mais novo, Isaías, de 20 anos. Dulce diz que a tortura a deixou com a cabeça meio ruim e, por isso, prefere se cercar de gente, de vida, "para não pensar muito nas suas cicatrizes". A política está presente até em suas veias, raízes e fios brancos de cabelo.
Atéia por convicção, Dulce Maia diz que sua religião é a solidariedade. Seus santos são Che Guevara, Ho Chi Minh (líder e herói da luta antiamericana no ex-Vietnã do Norte) e Amílcar Cabral (líder do movimento que derrubou o colonialismo português na Guiné-Bissau e em Cabo Verde). Em 1966, Judith - codinome pelo qual ela se identificava entre os companheiros de luta clandestina - entrou para o grupo de guerrilha urbana VPR, uma organização da ultra-esquerda brasileira que, como muitas outras na época da ditadura, acreditava na mudança com base na luta armada. Formada por estudantes, operários e ex-militares que compunham o recém-deposto governo João Goulart, a organização tinha em sua liderança Carlos Lamarca, o ex-capitão do Exército morto anos depois pela repressão.
Nessa mesma época, ainda como Dulce, ela perambulava entre São Paulo e Rio de Janeiro enquanto produzia shows e encontros culturais, principalmente no Teatro Maria Della Costa. "Trabalhávamos em forma de cooperativa, cada um ajudava com o que sabia e podia, o Ricardo Ohtake (hoje diretor do Instituto Tomie Ohtake) fazia os cartazes, Gil, Vandré e Chico Buarque tocavam e cantavam para fazer com que a venda de ingressos dos shows fosse revertida para mantermos muitos companheiros na clandestinidade."
Muito amiga do artista plástico Zé Roberto Aguilar e do cantor e compositor Jorge Mautner, era chamada pelos amigos de "sacerdotisa do kaos", uma espécie de brincadeira com o livro e pseudomovimento que Mautner inaugurara na época. "Éramos de uma confraria, digamos assim." A guerrilha foi um caminho natural para ela, talvez por conta de sua formação, vinda de uma família politizada, humanista e libertária, pais socialistas - sua mãe havia sido presa durante a ditadura de Vargas -, ou pela situação em si, pelo meio em que vivia, como ela mesma aponta. "Eu nunca tive medo de pegar em armas, porque havia muita confiança, amor e crença na autenticidade dessa luta. Acho que se não tivéssemos feito isso haveria um vazio na história de nosso país em relação ao resto do mundo."
Fez ponta em O Bandido da Luz Vermelha como uma marchadeira
No ano de 1968 ela se dividia entre Rio e São Paulo. Sempre atuante, envolvida com o trabalho do dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa e toda a turma do Teatro Oficina, Dulce ainda era guerrilheira da VPR, mas esse fato não era uma informação pública, pois seguia as estritas normas de segurança das organizações militantes.
Nem todos conheciam Judith. Para a maioria, ela era apenas Dulce. Uma mulher de 30 anos, bonita e elegante. Ninguém suspeitaria que andava com uma arma na bolsa. "Esse foi um ano cheio de ações de luta armada. Mas foi também o ano de Roda Viva (peça escrita por Chico Buarque e produzida por ela, com direção de Zé Celso e cenário e figurino realizados pelo artista plástico e cenógrafo Flávio Império). Foi o ano da inauguração da sede do Masp na Avenida Paulista, das reuniões com os companheiros de luta na Casa de Vidro da Lina ( a arquiteta que projetou o Masp, Lina Bo Bardi), no Morumbi. Foi a estréia do filme inaugural do cinema marginal, O Bandido da Luz Vermelha, do cineasta Rogério Sganzerla, em que fiz até uma ponta como uma marchadeira (como ficaram conhecidas as mulheres que participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade). Teve o Caetano com o show Opinião, as montagens teatrais como Arena Conta Zumbi e Liberdade, Liberdade, e finalmente o cinema revolucionário de Glauber Rocha, com Terra em Transe, que foi um marco revolucionário para a época."
Foi o ano em que a peça O Rei da Vela, também montada pelo Oficina, foi apresentada em Florença, na Itália, e convidada para o Festival de Nancy, na França: era a exportação do movimento tropicalista para terras estrangeiras. Exatamente no mês de maio de 1968, Dulce estava no Rio de Janeiro e recebeu um telefonema de Zé Celso, seu grande amigo, pedindo para que ela fosse buscá-lo no Aeroporto de Viracopos. "Eu havia ficado no Brasil porque tinha de cuidar do Teatro Oficina."
Zé Celso estava em Paris e assistiu da sacada do prédio à cena de o cineasta Jean-Luc Godard, com quem estava filmando, ser espancado pela polícia. Sua solidariedade espontânea fez com que, do primeiro andar, arremessasse objetos na polícia, que respondeu com uma bomba de gás lacrimogêneo. Zé Celso voltou para o Brasil com um tampão nos olhos, assustado e ao mesmo tempo maravilhado com o movimento francês.
Logo após sua chegada, militantes brasileiros que estavam em Paris, organizados pelos movimentos daqui, vinham desembarcando e importando os sopros de liberdade e de contestação que envolviam a França de então. As ações de rua no Brasil tomaram forma semelhante à das parisienses, mas com a enorme diferença de que aqui havia uma ditadura militar.
Dulce foi presa em janeiro de 1969, época em que guardava (escondia) muita gente em aparelhos (esconderijos, na linguagem das organizações clandestinas) espalhados pela cidade, transportava pessoas com cortina nos carros e vendas nos olhos. Conta que no dia de sua prisão havia desmontado alguns desses aparelhos e voltava para a casa dos pais, no Brooklin, bairro da capital paulista. Já era meia-noite quando invadiram a casa. "Minha mãe ficou em pânico, contou-me que foi como ver o meu caixão saindo, avançou e agrediu um policial para tentar impedir que me levassem."
Foi durante o tempo em que ficou presa, de janeiro de 1969 a junho de 1970, que Dulce Maia perdeu a mãe. Madre Assunção, diretora da prisão, telefonou ao juiz auditor pedindo autorização para que ela fosse ao enterro. Mas o pedido foi negado. "Não fugiria em uma situação dessas, pois esses gestos humanos devem ser reconhecidos." Dulce tinha certeza de que não morreria na Penitenciária Feminina, no Carandiru. "Eu não vou morrer aqui, vocês são todos parte de uma engrenagem podre, eu, ao menos, tenho uma causa", dizia aos seus torturadores. Resistiu como ela mesma nunca imaginara ser capaz. Foi torturada constantemente por cinco meses. "Os militares já não me agüentavam mais, tinham raiva de mim pela minha situação ali, por resistir, por ser mulher", revela Dulce. Acabou sendo libertada em troca do embaixador alemão seqüestrado no Rio de Janeiro.
As seqüelas dificultaram seu retorno à vida normal
Em junho de 1970, junto com outras presas, saiu da cela diretamente para um avião militar, ainda algemada, e voou para a Argélia, país recém-libertado do colonialismo francês. Seus cabelos ficaram brancos repentinamente, após algumas sessões de tortura. Passou por coisas horríveis, desaprendeu a falar e a escrever, teve de recomeçar sua vida em lugares distantes e muito debilitada.
Depois da Argélia seguiu para Cuba, em busca de tratamento médico. Em 1973, estava no Chile, quando Pinochet derrubou Allende. Foi, então, para o México e depois para a Bélgica. Lá ficou até abril de 1975, quando aterrissou em Lisboa, onde a ditadura cinqüentenária de Salazar havia caído. O último destino de Dulce antes da volta ao Brasil foi a Guiné-Bissau, país que conseguiu a independência do colonialismo português após a queda de Salazar. Em 1979, com a Lei da Anistia, foi a primeira exilada a retornar ao País.
Após nove anos de exílio, Dulce chegou ainda trêmula e frágil. As seqüelas da tortura dificultaram seu retorno à vida cotidiana. Apesar de no exílio ter criado vínculos fortíssimos com pessoas que conheceu, amigos queridos com os quais mantém relações até hoje, também passou por maus bocados. Ainda tem seqüelas, mas assume se cuidar muito. "Sou uma articuladora, mas não sou uma pessoa articulada."
Dulce se vê como uma humanista que lutou contra um regime de exceção, e diz: "Contribuímos muito para a volta da democracia, mas hoje um movimento assim não teria sentido. A luta deve continuar, mas talvez a fórmula atual seja cada um no seu setor, podendo contribuir para que haja mudança, em seu exercício cotidiano."
Hoje, além de cuidar das duas ONGs de preservação e educação socioambiental, ainda colhe frutos do difícil mas precioso período que viveu intensamente. A boa relação que mantém com algumas entidades internacionais e amigos que fez durante o exílio, por exemplo, abriram as portas para que conseguisse enviar mais de dez jovens de Cunha para estudar medicina em Cuba, reconhecida pela excelência de seus cursos. Em alguns momentos, como qualquer pessoa, questiona a vida que viveu. E lembra da conversa que teve com um amigo e companheiro de luta, em Paris, quando desejou ter sido uma dona Maria lá da Mooca, que passa a manhã lavando a calçada e depois prepara a macarronada para sua enorme família. O amigo pensou em como teria sido a vida se fosse um bancário. Mas, ao final, ela admite: "Nossas vidas são emocionantes até hoje".
Aos 70 anos, se orgulha de seu passado. Não é, e nunca seria, uma matrona acomodada. Irmã de Carlito e Hugo Maia, dois importantes nomes do jornalismo e da publicidade brasileiros, Dulce sempre teve a comunicação no sangue e, apesar de não ser uma comunicóloga por profissão, vive de se comunicar. Dona de uma memória impecável, ela carrega na cabeça um emaranhado de fios capaz de ligar todos a qualquer um. E qualquer um a todos.
Ao relembrar aqueles tempos de tortura, mas também de muitas realizações, criações e laços fortes, ela, que se encaixaria nos grandes perfis de heroínas do século XX, que como mulher independente e lutadora sofria preconceitos e repressões, diz não sentir um peso na memória, pois esse é um passado ainda presente em suas lembranças, relações e conversas diárias. Dulce se diz excessivamente otimista em relação ao mundo e ao ser humano. Ainda sonha com a transformação social. Sobre a atual conjuntura política não se sente comprometida com nenhuma bandeira, movimento ou partido. "Não é só porque sou de esquerda que irei apoiar cegamente qualquer um."
Para ela, a esquerda ainda resiste maniqueísta, sectária e moralista, e o povo brasileiro ainda se mostra covarde, acomodado e estranho. "A política hoje é promíscua", afirma, ao mesmo tempo em que não avança em seu radicalismo, sempre ponderando que houve evoluções em termos da democracia tanto no governo FHC quanto está havendo no de Lula. "Não somos vítimas nem heróis de uma época. De nada me arrependo." A luta de Dulce e de muitos outros pode ter sido feita com exageros e com excessos, muitas vezes inevitáveis frente às circunstâncias, mas foi uma luta carregada de paixão e de compromisso.
Arquiteto e designer, Luciano Devià é daquelas figuras que durante a juventude abriram a cabeça e descobriram um mundo mais real do que o transmitido nas antigas salas de madeira - semicirculares e inclinadas - das sisudas universidades renascentistas da Itália, sua terra natal. Desiludiu-se com as estruturas da sociedade, lutou, levantou bandeiras, foi barbudo e cabeludo, descobriu que como arquiteto ele só conseguiria produzir com algum engajamento político. Frustrou-se com as poucas mudanças atingidas e partiu para bem longe. Saiu de Torino, na Itália, aos 33 anos, em 1975, em busca de outra vida, de renascer em terras completamente desconhecidas.
A não ser pelas canções de João Gilberto, pelo piano de Tom Jobim, pelos traços de Oscar Niemeyer e pelas ousadias cinematográficas de Glauber Rocha, o Brasil, para ele, era um ilustre desconhecido. Eram terras distantes, quentes, tidas como promissoras e completamente desligadas de sua vida italiana. "No Brasil morri e nasci de novo e me encontrei completamente perdido como Dante Alighieri quando encontrou o inferno." Ao chegar, não tinha dinheiro no bolso e passou a ganhar a vida com o que era, na Itália, o seu hobby: virou pianista na noite de São Paulo.
Era natural a aliança entre operários e estudantes
Para ele, o ano de 1968 foi o marco simbólico daquela busca por mudança e de desapego às raízes. Foi o ápice da crise de insatisfação contra a antiquada estrutura de educação universitária italiana - Luciano estava no quarto ano da Faculdade de Arquitetura do Politécnico di Torino, uma das primeiras escolas de arquitetura construídas durante o fascismo.
Para os jovens estudantes aquele foi o ano em que começaram a enfrentar as rígidas estruturas estabelecidas. Eram tempos de contestação pelo mundo todo, de uma nova forma de expressão. Tempos de Bob Dylan, de Woodstock e dos Beatles. Mas para Luciano Devià tudo isso estava bem mais distante do que o que acontecia ali ao lado: os operários com excesso de carga horária, explorados ali mesmo em sua cidade, na Fabbrica Italiana di Automobili Torino, a Fiat.
A fusão da indignação estudantil com o movimento operário era a ordem natural das coisas naquela cidade industrial. Tentava-se preencher o vazio que havia entre esses dois mundos tão próximos e, ao mesmo tempo, tão incomunicáveis. Enquanto Devià e seus colegas começavam a questionar o sentido que havia em produzir uma arquitetura que não se relacionava com o social, com o político, com o real, os migrantes do sul da Itália instalados nas cidades do norte trabalhavam como robôs nas fábricas e ainda eram vítimas de preconceitos regionais.
Esses fatos não eram discutidos dentro do ambiente acadêmico. "Os programas universitários eram cuidadosamente elaborados para que não houvesse tempo de pensar em questões como essas", explica Devià. "Até os 24 anos eu era um alienado, nunca havia me questionado sobre a importância da política." As contestações chegaram alfinetando a ele e a toda a sua geração. Torino não é uma Roma, muito menos uma Paris. Até 1968 a universidade continuava sendo uma ilha intocada diante das mudanças que estavam em curso nos outros centros. "Ainda íamos de gravata-borboleta para a faculdade", o que era um símbolo da profunda austeridade e da hierarquia, até aquele momento, inquestionável.
Depois de tanto tempo ele se mantém fiel àquelas premissas
Em 1968, começava então o movimento de ocupação das universidades italianas, e passou-se um ano inteiro praticamente sem aulas, um ano de discussões, encontros, reuniões, assembléias, nos quais os estudantes, professores e operários de Torino se mobilizaram. O poder do dinheiro, algo conclamado pelos pais dessa geração, estava sendo questionado em nome de coisas mais importantes, como as relações humanas e o amor. "Descobríamos ali o mal que o dinheiro poderia causar, como diria Caetano Veloso, 'era a força da grana que ergue e destrói coisas belas'."
Mais tarde, em 1969, um grupo de estudos do qual Luciano fazia parte passou por um concurso público para a construção de um novo hospital psiquiátrico, na cidade de Bérgamo. Começava a se questionar na Itália o papel dos hospitais psiquiátricos e Luciano entrou de cabeça nessa questão. "Chegamos a abrir as portas de hospitais psiquiátricos e a fazer passeatas pela cidade, junto com os 'loucos', reivindicando tratamentos mais humanos."
Foi o estopim que desencadeou a consciência nos estudantes de arquitetura de que nunca teriam resolvido o real problema dos doentes mentais propondo um belíssimo e novo hospital. Era necessário levá-lo como um problema político. "Nesse período, do ponto de vista da nossa formação humana, houve uma revolução. Abrimos as nossas cabeças ali no provincianismo de Torino." Passeatas, salas de aula fechadas e cabeças abertas. Mudanças eram necessárias para seguir. As gravatas-borboletas foram substituídas pelas golas rulês, moda no movimento estudantil europeu, e o questionamento do mundo virou parte do ambiente acadêmico.
"Vivi aos 24 anos a magia de descobrir um mundo diferente e possível. Aprendi que só se podia resolver as coisas a partir de um pressuposto político." No entanto, passado o fervor desse rompante, a vida começou a tomar os seus velhos trilhos, embora algumas partes tenham descarrilado das antiquadas linhas.
A efervescência estudantil se abrandou, alguns professores tidos antes como "imortais" deixaram suas cátedras, a grade curricular se adaptou em partes às reivindicações estudantis, a política psiquiátrica foi repensada e reformulada. Alguns preconceitos foram rompidos, e percebeu-se principalmente o poder e a ingenuidade dessa juventude. "Tudo era muito bonito e ingênuo, tinha-se a impressão de que realmente podíamos mudar o mundo. Existia uma ingenuidade ao pensar que todo rico na Itália era filho-da-puta, e que todo cara de esquerda era bom caráter.
Muitas vezes não se contratava um marceneiro 'bravissimo' (muito bom) por ele acreditar em Mussolini - esses extremismos e sectarismo que hoje não existem mais." Hoje Luciano se decepciona com o rumo que muitos dos seus colegas de faculdade em 1968 tomaram. "Muitos dos líderes estudantis de então acabaram ligados a partidos mafiosos, à corrupção. Foi uma desilusão." O ciclo continua.
Devià tem hoje 64 anos, trabalha como designer e arquiteto, se instalou em São Paulo e, depois de 40 anos passados, se mantém fiel às premissas daqueles anos rebeldes. Enxerga a força que teve essa geração na vida dele e no mundo, mas também percebe que algumas daquelas reivindicações se deturparam. A pseudoliberdade que se instaurou no mundo moderno tem suas mazelas.
Luciano, hoje como ontem, não economiza munição. Para ele, eventos como a Casa Cor servem como exemplo de deformação absurda. "Dá nojo pela ostentação diante da realidade brasileira. É uma elite econômica que não tem nada a ver com a realidade social do País."
Liberdade sexual, divórcio, filhos, estudos, teatro, alimentação vegetariana, independência. Essas são algumas das mudanças ocorridas na vida da terapeuta paulista Tai Castilho, em um período em que reviu todos os seus ideais. Para ela os caminhos indicados vieram na forma de mudanças comportamentais e na absorção de novos costumes radicais para a época.
Moça vinda do interior de São Paulo para viver na cidade grande, buscava uma vida certinha, em que as coisas caminhassem nos eixos, já que dentro de sua própria casa não era bem assim. Em 1964, se casou, para sair da casa dos pais e tentar construir sua vida ideal. Sua casa era esconderijo dos livros proibidos pela ditadura Vivia um casamento tradicional e resolveu estudar. Entrou para um cursinho pré-vestibular no centro de São Paulo, quando passou a ter um contato mais direto com os movimentos estudantis.
Com uma filha de 2 anos e um filho recém-nascido, marido médico, Tai começou a perceber um mundo diferente do seu. Emocionante e, ao mesmo tempo, aterrorizador. "Era muito comum pessoas próximas sumirem da noite pro dia. Anos depois de estudar com uma menina, vejo papéis com o rosto dela estampado em todos os cantos, com os dizeres: 'Procura-se!'. Professores do cursinho desapareciam para nunca mais voltar", conta ela sobre o seu primeiro contato com o mundo da clandestinidade e da luta armada.
Entrou para um grupo vindo do Teatro Oficina, passou a freqüentar os ambientes juvenis e da classe teatral, os bares da Rua Maria Antônia, mas revela: "Ao mesmo tempo em que eu estava querendo constituir família, ter um lar agradável e certinho, havia em mim um desembaraço juvenil". Sua vida de aprendiz de atriz durou pouco, já que era uma realidade escondida da família e seus colegas do teatro não imaginavam como ela vivia ao atravessar a porta da rua. "As pessoas que faziam teatro eram malvistas pelas famílias tradicionais" e, nas coxias e nos palcos, era considerado caretice ser casada da forma que ela era. "Eu era simpatizante da causa, mas, por ter filhos, guardava em mim um medo silencioso. Em 1970, nasceu o terceiro, ainda do mesmo casamento."
Por tudo isso, a aparência insuspeita de sua casa acabou transformando-a em esconderijo dos livros proibidos pela ditadura. "Não podíamos ter obras de Marx, Engels, Lenin, Che ou qualquer outro autor comunista." Após 1968, ela entrou para a faculdade de fonoaudiologia e participou de movimentos estudantis. Era amiga de Vladimir Herzog, um dos mártires daqueles tempos negros, morto nos porões da ditadura. Depois disso, virou vegetariana, passou a usar saias longas, cabelos muito compridos e os filhos foram estudar na antroposófica escola Rudolph Steiner, de pedagogia Waldorf.
Tai Castilho é de uma geração em que se escolhia entrar de cabeça no radicalismo da política ou no desbunde comportamental. O desapego às normas do sistema urdiu uma geração criadora e ativa. Acabou indo viver a contracultura e a militância com uma geração seis anos mais nova do que a sua.
Acabou indo viver a contracultura e a militância com uma geração seis anos mais nova do que a dela. "Eu queria ser uma intelectual de esquerda, uma desbundada, uma sem-lenço e sem-documento, mas em 1971 me vi acabando a faculdade com três filhos pequenos e separada. Ao mesmo tempo em que queria dar conta da maternidade, uma coisa fascinante para mim, existia a liberdade sexual que tanto me dava prazer."
Tai nunca foi muito bem aceita em nenhuma das tribos que freqüentava, por conta da sua dicotomia, sua contradição vital. E foi se distanciando do partidarismo do movimento: "A esquerda partidária lidava bem mal com a questão da sexualidade e das drogas". Com um olhar iluminado pelos 40 anos passados, a terapeuta que se especializou, não por acaso, em famílias e casais, conclui: "As nossas reivindicações foram se realizando por entre as brechas do sistema e dando outras cores para o mundo tão sectário e segmentado da esquerda versus direita. A minha geração foi muito reprimida sexualmente, a de minha mãe nem se fala. Usufruíamos dessas mudanças ainda com muito medo - o que mudou muito para as gerações seguintes. Foi o nosso legado".
Depois da separação, enquanto cursava a faculdade, Tai mudou-se para uma casinha na Vila Beatriz, então um bairro popular de São Paulo, com os filhos e muitas coisas novas na cabeça. Começou a se libertar de sua permanente dicotomia e passou a viver a liberdade com as crianças. "Nesse momento, os fantasmas da moral eram um pouco exorcizados, as crianças viviam peladas pelo jardim, os vizinhos se aproximavam, era uma delícia." Desvencilhou-se dos seus ideais de família tradicional e, com isso, começou a se especializar nas relações da família moderna.
Sou um homem sem raiz. Me vi sempre como um retirante nortista classe média, de família pequeno-burguesa: mãe professora, pai funcionário público, duas irmãs, todos nascidos no Maranhão. A certa altura me vi no Rio e depois, durante 13 anos, vivendo em várias cidades do sul de Minas. As raízes soltas ao vento. Não sei dizer se isso foi bom ou ruim para a minha formação humanística.
Medir as palavras me fez deixar de ser nortista e virar mineiro
Às vezes, o descompromisso com tribos ou comunidades pode provocar uma espécie de frieza nas relações. Ou carência e dependência. Não entrava em conversa sem antes saber muito bem o que estavam dizendo, quem estava falando. Medir palavras e gestos me fez deixar de ser nortista e virar um típico mineiro. Isso favoreceu a amizade que, apesar do tempo e da distância, sei que ainda cultivamos - os amigos e eu - na nossa memória afetiva.
De Barbacena assisti ao golpe de 1964. Com As Palavras, de Sartre, numa das mãos e O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho, na outra, tentava antever o que aconteceria depois daquilo. O vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, em 1965, foi o passaporte para a minha iniciação prática na política, no materialismo histórico e dialético, procurando entender o que era a mais-valia, a luta dos contrários e a inexorável vitória do proletariado sobre a burguesia.
Os dias passavam cheios de sonhos, utopias, revoluções, imperialismo ianque, sovietes, ouro de Moscou, Guerra Fria, teorias políticas, confrontos armados, policiais nas ruas, torturas, prisões, medo, gritos de ordem e desordem, sirenes cruzando as avenidas do centro da cidade. Quero crer que 1968 foi o ano mais violento de todos. Quebra-quebra, cadáveres aparecendo nos jornais, estudantes atropelados pela cavalaria, o Calabouço, modesto restaurante de estudantes, se transformando em símbolo da repressão, da ditadura, da intolerância e do terror. O Estado se transformara em terrorista. Os terroristas em vítimas. No meio disso, jovens gritando por melhores escolas, abaixo a ditadura, viva o povo brasileiro, o povo no poder e outras palavras que surgiam aqui e no mundo inteiro.
Aqui, 1968 não proporcionou um bom encontro entre estudantes e operários. Trabalhadores brasileiros rejeitavam os cabelos grandes, os óculos redondos, as barbas por fazer. Éramos comunistas, agitadores, ateus. Nas portas das fábricas nos atiravam palavrões na cara. Se para o País e para os brasileiros revoltados, 1968 foi o ano terrível, para mim, janeiro de 1971 foi o ano do horror. Preso em Santa Teresa, em companhia de um amigo, dentro de casa, desapareci por dez dias. Literalmente eu sumi nos porões da ditadura.
Choques elétricos e espadas zunindo sobre minha cabeça
Quando consegui ser libertado, tomei o rumo do auto-exílio e durante dois anos perambulei por uma Europa tomada de hippies, drogas, sexo e rock-and-roll. Meus sonhos não morreram, mudaram apenas. Tornaram-se, de alguma maneira, mais frágeis e mais solitários. Em Londres, em Paris, em Estocolmo, em Lisboa, em Bruxelas, vi passar diante de meus olhos belíssimos seres humanos, imundos e com barbas sujas, em busca de um banho, de uma cama para descansar os ossos, de um bálsamo para as feridas que não eram apenas suas, eram de tempos imemoriais.
Depois, percebi que as pessoas passaram a se isolar. A arte se individualizou. A constatação era a de que o mundo se tornara para sempre capitalista. Perdemos a guerra, nós, que acreditávamos na revolução, na sociedade justa e igualitária. A ditadura política e ideológica deu lugar à ditadura do dinheiro. Uma ditadura sem cara, sem rosto, sem grupos contra os quais pudéssemos lutar. A luta pela sobrevivência me fez crer que eu era mais capaz de viver bem do que eu mesmo pensava que era.
Durante alguns anos me dediquei a uma vida alternativa, simples, morando no campo, escrevendo para meu próprio deleite e umbigo. Virei um outsider, um marginal do bem, à margem de qualquer coisa que o sistema pudesse oferecer. Aguardei ansiosamente a passagem dos cometas que iriam mudar o rumo das coisas. Qual o quê! As coisas só pioraram.
De artesão, escritor inédito, me transformei em publicitário e poeta medianamente conhecido em Minas. Fui diretor de redação da Revista Palavra, juntamente com Ziraldo e uma turma de jovens e nem tão jovens assim, talentosos e de almas gigantescas. Naquele período em que convivi com o terror atrás das paredes, os choques elétricos e as espadas zunindo sobre minha cabeça em passeatas pelo centro do Rio, senti a presença permanente de Jean-Paul Sartre, um anjo a proteger minha consciência para que eu não sucumbisse ao comodismo. Sartre foi e tem sido a minha maior influência.
De lá pra cá, minha cabeça mudou pouco. Procurei me desvencilhar das inutilidades do pensamento, amei meus filhos mais do que a mim mesmo, da minha mulher de então guardo lembranças amorosas e rancorosas - como todos os casais do mundo - e hoje, aos 60 anos, voltei a me apaixonar. Com isso, acho que rejuvenesci alguns anos, o suficiente para assistir, talvez, ao nascimento de uma nova geração, de um novo homem, como queria Guevara.
Difícil? Sim, é dificílimo, se levarmos em conta a tendência do mundo e do Brasil. Mas nada é em vão e nada do que aconteceu no mundo nos primeiros anos dos últimos 40 foi em vão. Porque 40 anos depois ainda consigo respirar a liberdade daquela época, o burburinho de uma juventude e de uma geração inquieta, irrequieta, rebelde com causa. Desse tempo ficou a cicatriz que acaricio toda vez que o vento do comodismo busca me fazer ficar de joelhos diante de um mundo injusto e cruel.
Sei que faço pouco para mudar o mundo, mas sei que me recuso a aceitar um mundo que se tornou imune às mudanças. Um mundo que se tornou medíocre, mesquinho, violentamente covarde. Um mundo onde os heróis são aqueles que saem do nada e se dão bem na vida: jogadores de futebol, campeões de Fórmula 1, campeões de tênis. Ou então aqueles que se exibem nas TVs e viram celebridades. E atiram palavras ocas para a multidão embevecida. Este é o mundo que venceu. Eu era do mundo que perdeu.
1968 foi o ano das revoltas estudantis estrondosas. Uma onda de gritos por liberdade varreu todo o planeta, com a mesma sincronia que o espantou. Sua maneira de ser, de existir e de se desmanchar no ar foi única; porém, como diz Caetano Veloso em depoimento ao jornalista Zuenir Ventura: "Para acontecer de novo, teria de ser muito diferente". Em Paris, o movimento eclodiu porque a burocracia moralizante da Universidade de Nanterre proibiu a entrada de rapazes no alojamento feminino. Mas as razões de fundo que levaram às explosões juvenis em todo o mundo são até hoje estudadas e explicadas sob diversos pontos de vista.
No período pós-guerra, triplicou a densidade demográfica da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. O fenômeno dessa explosão populacional chamado baby boom criou, na virada da década de 1960 para 1970, uma juventude cuja profunda insatisfação moral e cultural veio à tona através de sua participação massiva nos movimentos revoltosos recém-nascidos. A impressão de que o status quo, hipocritamente, parecia estar evoluindo de vento em popa começou a se diluir. O PIB crescia, o poder aquisitivo também, e essa geração, dos chamados baby boomers, estava nas universidades, uma juventude três vezes maior do que a anterior, mais rica, contudo mais insatisfeita, descontente e inquieta.
Em 67 morreu Guevara, em 68 Luther King e Bobby Kennedy
Eram tempos de guerra no Vietnã, o primeiro conflito televisionado e que gerou uma profunda angústia entre os civis, principalmente os jovens e artistas. Ativistas políticos se propagavam pelo mundo, havia uma conscientização planetária da injustiça da guerra e de seus campos de batalha. Paralelamente, o conservadorismo de direita lutava contra as ações sociais e coletivas. No fim de 1967 houve o assassinato de Che Guevara, logo em abril de 1968 Martin Luther King, o líder carismático da causa negra, foi morto. Meses passados, e o então candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Robert Kennedy, teve o mesmo destino de seu irmão mais velho, o ex-presidente John Kennedy, assassinado alguns anos antes, e o republicano Nixon foi reeleito. No fim do ano, o homem chegou à Lua.
Nos esportes, foi o ano das Olimpíadas do México, boicotadas em junho e que só ocorreram em outubro. As bandeiras feministas eram levantadas em todos os cantos. Na França, a imaginação juvenil buscava a tomada do poder. Jimi Hendrix, Beatles, Bob Dylan, pop art, tropicália... as artes se renovavam, se engajavam politicamente. Esse foi o chamado ano zero da globalização, a primeira vez em que se vislumbrou um cordão que interligaria Sul e Norte, Leste e Oeste, não por questões geográficas ou físicas, mas humanas e, acima de tudo, jovens.
Oriundos de todos os cantos do planeta, países com governos e culturas distintos se encontravam sob um denominador comum. Eram tempos de Guerra Fria, o moralismo, as estritas e burocráticas normas do mundo dividido causavam efeitos agonizantes na juventude daquele ciclo de prosperidade econômica. O mês de maio de 1968 estabeleceu-se como símbolo de uma época, uma luta essencialmente contra a autoridade, a paterna, em particular, e o modelo de família vigente até então. Seu legado permitiu o nascimento de milhares de novos canais de expressão nas artes, de novas formas de contestação social e de novos tipos de relações humanas.
Como nos grandes centros, alguns países da América Latina foram tomados pela efervescência inebriante de 1968, também fatídico para nós, brasileiros. Em dezembro foi promulgado o AI-5, que enterrou de vez o pouco que ainda restava de atividade democrática no País, jogando-nos num período de trevas, perseguições e censura durante quase duas décadas. Um pouco antes disso, sentindo os ventos libertadores da Europa, o Rio de Janeiro começou a demonstrar grandes articulações de massa, através de manifestações de rua.
A cidade chegou a parar por alguns dias, como na lendária Passeata dos 100 Mil. A impressão que se tinha era a de uma coletividade envolvida em uma só causa, que escapava do estereótipo do futebol e do Carnaval. No entanto, os que estavam realmente por dentro dessa movimentação eram uma minoria - atuante, barulhenta, que fazia estardalhaço e criava sem parar. Alguns de seus representantes, os que resistiram às prisões, às torturas, ao exílio e ao tempo, são hoje, em sua maioria, grandes nomes da cultura nacional, da política e da academia.
De emos a neo-hippies é o mesmo: falta ideologia
As ditaduras militares na América Latina se erguiam em nome da liberdade e contra o comunismo. Tinham como primeiro pretexto manter a segurança. Para proteger as sociedades do temido comunismo, impedia-se qualquer forma de oposição, das mais ingênuas às mais contundentes. Uma indignação latente e reprimida alastrava-se em vários campos da sociedade.
A juventude não tinha espaço para a expressão política, a cultura encontrava os seus canais fechados pelo sistema burocrático e corporativista da esquerda e da direita. Há quem diga que o mundo se libertou de normas rígidas e que a juventude passou a ser reconhecida e ouvida. Outros crêem que seu legado gerou uma despolitização nas gerações seguintes. As tão sonhadas e inovadoras formas de expressão já foram absorvidas pelo sistema. A sociedade não se libertou da angústia e do mal-estar de então. Houve uma sucatização do ensino. Os milhares de grupos adolescentes de hoje, que buscam sua identidade na mercadoria, de emos a neo-hippies, todos padecem do mesmo vazio: a falta de ideologia.
Enxergar esse momento através de pessoas e não de documentos foi uma escolha. Os jovens de então, que não acreditavam em ninguém com mais de 30 anos, hoje ultrapassam os 60. Se esse foi o período da história da humanidade em que a juventude encontrou seu lugar, participou e absorveu mudanças que ainda desabrochavam, como será que aqueles que contribuíram com a história estão hoje? O que pensam? Como enxergam a juventude atual? Como construíram suas vidas a partir desse rompante?
Mexer com a memória, penetrar nessa história foi a nossa busca ao fazer esta reportagem. Entrevistamos cinco personagens que, de formas diferentes, em locais diversos, absorveram a força dessa energia no ano de 1968. Pessoas que hoje estão entre os 60 e os 70 anos e na época se indignavam com uma sociedade que consideravam injusta e hipócrita, e que, vista sob aquela ótica, assim permanece. A memória e a história se confundem nas mentes desses vividos adultos. Enxergar a história partindo de olhares subjetivos, tentar ver o mundo da forma como foi visto por eles e, finalmente, o que ficou daquele mês, ano ou década foi o que encontramos nos relatos feitos por nossos protagonistas.
Paris, maio, ano de 1968, o estudante de economia da Escola de Lausanne, na Suíça, Ladislau Dowbor, aos 27 anos de idade, passava uns dias na "Cidade Luz" para visitar amigos. Dias que acabaram virando meses, tamanha a efervescência das ruas parisienses. Seu relato é um olhar de quem teve o privilégio de presenciar a força do movimento ali, no seu momento histórico. A abrangência e as conseqüências desse movimento foram inesperadas, e a França em particular foi um estopim importante em todo o processo. "Alguém precisa pôr o fogo no estopim e isso se dá em Paris na forma de manifestações estudantis", como testemunhou Dowbor.
Estavam em andamento alguns movimentos de contestação em relação à educação, outros em relação à Guerra do Vietnã. O processo de descolonização de algumas regiões da África também estava em curso. A compreensão da injusta e profunda interligação das economias do Primeiro e do Terceiro Mundo, uma como causa da outra, se iniciara. A esquerda também buscava uma renovação nos seus canais de expressão e uma alternativa que fugisse aos moldes antigos da política partidária burocrática e sindical. Esse era o pano de fundo do quadro vivido pela juventude universitária, não só na França, mas também na Itália e na Alemanha. Já a juventude norte-americana vivia às voltas com a Guerra do Vietnã. "Foi como jogar uma pedra em um lago e ver suas ondas se espalharem."
Seu carro era um dos únicos que andavam no Quartier Latin
Um jovem alemão residente na França, Daniel Cohn-Bendit, era o líder do movimento francês. "Daniel, o vermelho", como era chamado por seus seguidores e por toda a mídia (por conta de seus cabelos ruivos), guardava em si duas características marcantes da geração de 1968 e também o seu legado: a língua afiada e um forte destemor frente às autoridades.
As primeiras manifestações nas universidades parisienses eram muito focalizadas em reivindicações da esfera estudantil, mas a resposta do governo francês foi de extrema violência. Conduta que se revelou de uma burrice tática, pois fez o movimento crescer e tomar todas as universidades da capital. Foi uma reação em cadeia, que causou também a união de outros setores da sociedade contra a repressão. O tiro saiu pela culatra. "Todas as universidades fecharam. A polícia tomou as ruas, a repressão se instalou. Pela primeira vez houve uma coalizão entre líderes estudantis e de sindicatos. Houve uma paralisação geral da cidade, os transportes públicos não funcionaram, os distribuidores de gasolina pararam, as escolas fecharam suas portas. Criou-se um movimento de férias nacionais e foi se instaurando um medo generalizado nas camadas não-organizadas da população."
Como Ladislau estudava na Suíça e havia ido a Paris de carro, um Citroën Deux Chevaux, com o tanque cheio, ao final de três dias de paralisação o seu era um dos poucos carros que andavam pelas ruas do Quartier Latin. O clima era inebriante, Ladislau não conseguia ir embora, começou a participar das muitas reuniões que se organizavam por quarteirões. Todos, por não irem ao trabalho ou à universidade, estavam nas ruas, nas casas, nas esquinas, se encontrando, discutindo, criando frases, pensando em propostas sonhadoras para um mundo diferente. Colocavam- se papéis e frases nas paredes, todos participavam escrevendo: "Era como se descobríssemos que era legítimo ter sentimentos que iam além da busca organizada e disciplinada de alguns porcentuais de aumento do PIB. O movimento tornou-se extremamente amplo e o vento de liberdade que soprava era enorme, as pessoas estavam felizes e criando nas ruas".
O povo ocupou as ruas e praças. Os dizeres das paredes tornaram-se símbolos mundiais, saíram das universidades, atravessaram oceanos, conclamando o poder do amor, da juventude, escancarando a hipocrisia do sistema e das autoridades repressoras. "De Paris a Woodstock - chegou até a abrir algumas frestas de luz na ditadura então vigente no Brasil", conclui o economista. O movimento perdurou por algumas semanas, até que, como era de se esperar, a polícia e o Exército o sufocaram.
O presidente francês Charles De Gaulle se uniu ao então primeiro-ministro alemão e voltaram a colocar a polícia para reprimir, mas agora em uma ação muito mais organizada e sistemática do que a primeira. Dissolveram o movimento através de prisões seletivas dos líderes estudantis; Daniel Cohn-Bendit foi expulso do país e voltou para a Alemanha; criou-se uma campanha televisiva massiva, chamando os trabalhadores de volta ao batente, ameaçando-os de demissão.
O sentimento que ficou cravado na mente de muitos daqueles jovens que viveram o Maio de 68 francês, e na memória do economista Dowbor particularmente, foi extremamente poderoso, pois, por um instante, foi possível perceber o que era gozar a vida sem portas, sem barreiras burocráticas, sem horários nem fórmulas. Foi um pulso criativo para uma geração desorientada. A herança desse tempo é muito mais de ordem comportamental do que da esfera política. Para aquela geração, o que estava na mesa eram as contundentes transformações do ponto de vista moral e cultural, que remodelaram as relações humanas - entre professores e alunos, autoridades e população, homens e mulheres, pais e filhos, vizinhos.
Todos os movimentos libertários, como o da liberdade sexual, feminista, gay, ecológico, o fortalecimento do movimento negro e a expansão de correntes artísticas como a pop art e o tropicalismo, entre outros, seguramente se alimentaram dessa ruptura. "Foi um basta para toda aquela geração que nos dizia: calem as bocas, vocês têm televisão, carro e geladeira, querem mais o quê?", afirma Ladislau.
Depois de dois meses no Brasil, foi preso como comunista
A geração 68 buscava coerência nas ações, procurava entender o mundo a partir de outro viés. As autoridades impunham à população um leque de ordens a ser seguidas para evitar o caos, mas, quando tais ordens foram descumpridas, o que se viu foi a criação livre, a harmonia, não o caos. Como diz Dowbor: "Sabíamos onde estava o mal, mas não onde estava o bem. Por polarização natural, apoiávamos o comunismo, mas era por um nivelamento artificial do antiamericanismo".
Em Paris, Ladislau, um polonês nascido na França, começou a ter contato com algumas organizações da esquerda brasileira, país onde cresceu e se radicou, e decidiu voltar ao Brasil e partir para a luta. "Eu, que financiava os meus estudos trabalhando nos trens noturnos internacionais, aproveitava as escalas em Paris para participar das reuniões. A opção da luta armada não me parecia apresentar mistérios, estava no ar, todos conheciam bem a resistência vietnamita, a Revolução Cubana, a guerrilha de Angola, de Moçambique, de Bissau... Fazia parte das opções. Pessoalmente, não me julgava capaz de definir grande coisa, pela própria idade e insuficiência de cultura política, e, quando as pessoas com quem convivia em Paris, com outro nível de experiência, me chamaram, fiz as malas e fui."
Depois de dois meses no Brasil ele foi preso, tido como terrorista e comunista. Depois de uma semana estava solto, era antes do AI-5. "De certa forma, as próprias torturas justificavam a nossa luta armada, como os policiais e os militares justificariam a tortura com o fato de estarmos armados. Nos processos de polarização, o culpado é sempre o outro", argumenta o ex-guerrilheiro.
Depois de 1968, Ladislau entrou nas organizações clandestinas de esquerda Vanguarda Popular Revoluconária (VPR) e Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares). Foi preso, torturado e exilado. Hoje é professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), nas áreas de economia e administração.
Primeiro chegam os cães, depois os gatos, todos dando as boas-vindas no "Lar Dulce Lar", como ela mesma gosta de chamar a sua casa em Cunha, na Serra do Mar, entre a praia e o campo, entre São Paulo e Rio de Janeiro, entre Ubatuba e Parati. Com cheiro de madeira, livros, revistas, discos, cerâmicas e muita vida espalhada por todos os cantos. A espaçosa e aconchegante casa foi construída por Dulce Maia de Souza há três anos, depois que ela se mudou de um sítio na mesma região. Basta um passeio no jardim e já se pode notar que a senhora de olhar profundo e cabeleira toda branca tem um vício: as árvores, plantas e flores.
Desde que se mudou para essa casa em Cunha, já plantou mais de 6 mil pés de árvore dentro e fora de seu terreno. "Quando voltei ao Brasil, depois dos anos de exílio, me mudei para Floripa, porque queria viver perto da praia." Lá conseguiu refazer sua vida pós-exílio, ganhou algum dinheiro vendendo por 300 mil dólares os terrenos que comprara por apenas poucos mil. "Alguma coisa está muito errada neste país, não?", indaga Dulce, que procurou outro rumo depois que a especulação imobiliária se instalou na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, capital de Santa Catarina.
Ela chegou a Cunha há exatos 15 anos, e nunca mais saiu. Conhecida por todos na cidade, hoje a ex-guerrilheira da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) é diretora de uma ONG para projetos de proteção da flora e da fauna brasileira na Serra da Bocaina, a Econsenso, e fundadora de outra na cidadezinha onde vive.
Atéia por convicção, ela diz que sua religião é a solidariedade
Aos 70 anos, ela não pára, sobe e desce escadas, vai e volta da cidade com o seu conservado jipe preto, está sempre viajando a trabalho, recebe amigos e cuida da casa em que vive com um de seus dois filhos adotivos, o mais novo, Isaías, de 20 anos. Dulce diz que a tortura a deixou com a cabeça meio ruim e, por isso, prefere se cercar de gente, de vida, "para não pensar muito nas suas cicatrizes". A política está presente até em suas veias, raízes e fios brancos de cabelo.
Atéia por convicção, Dulce Maia diz que sua religião é a solidariedade. Seus santos são Che Guevara, Ho Chi Minh (líder e herói da luta antiamericana no ex-Vietnã do Norte) e Amílcar Cabral (líder do movimento que derrubou o colonialismo português na Guiné-Bissau e em Cabo Verde). Em 1966, Judith - codinome pelo qual ela se identificava entre os companheiros de luta clandestina - entrou para o grupo de guerrilha urbana VPR, uma organização da ultra-esquerda brasileira que, como muitas outras na época da ditadura, acreditava na mudança com base na luta armada. Formada por estudantes, operários e ex-militares que compunham o recém-deposto governo João Goulart, a organização tinha em sua liderança Carlos Lamarca, o ex-capitão do Exército morto anos depois pela repressão.
Nessa mesma época, ainda como Dulce, ela perambulava entre São Paulo e Rio de Janeiro enquanto produzia shows e encontros culturais, principalmente no Teatro Maria Della Costa. "Trabalhávamos em forma de cooperativa, cada um ajudava com o que sabia e podia, o Ricardo Ohtake (hoje diretor do Instituto Tomie Ohtake) fazia os cartazes, Gil, Vandré e Chico Buarque tocavam e cantavam para fazer com que a venda de ingressos dos shows fosse revertida para mantermos muitos companheiros na clandestinidade."
Muito amiga do artista plástico Zé Roberto Aguilar e do cantor e compositor Jorge Mautner, era chamada pelos amigos de "sacerdotisa do kaos", uma espécie de brincadeira com o livro e pseudomovimento que Mautner inaugurara na época. "Éramos de uma confraria, digamos assim." A guerrilha foi um caminho natural para ela, talvez por conta de sua formação, vinda de uma família politizada, humanista e libertária, pais socialistas - sua mãe havia sido presa durante a ditadura de Vargas -, ou pela situação em si, pelo meio em que vivia, como ela mesma aponta. "Eu nunca tive medo de pegar em armas, porque havia muita confiança, amor e crença na autenticidade dessa luta. Acho que se não tivéssemos feito isso haveria um vazio na história de nosso país em relação ao resto do mundo."
Fez ponta em O Bandido da Luz Vermelha como uma marchadeira
No ano de 1968 ela se dividia entre Rio e São Paulo. Sempre atuante, envolvida com o trabalho do dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa e toda a turma do Teatro Oficina, Dulce ainda era guerrilheira da VPR, mas esse fato não era uma informação pública, pois seguia as estritas normas de segurança das organizações militantes.
Nem todos conheciam Judith. Para a maioria, ela era apenas Dulce. Uma mulher de 30 anos, bonita e elegante. Ninguém suspeitaria que andava com uma arma na bolsa. "Esse foi um ano cheio de ações de luta armada. Mas foi também o ano de Roda Viva (peça escrita por Chico Buarque e produzida por ela, com direção de Zé Celso e cenário e figurino realizados pelo artista plástico e cenógrafo Flávio Império). Foi o ano da inauguração da sede do Masp na Avenida Paulista, das reuniões com os companheiros de luta na Casa de Vidro da Lina ( a arquiteta que projetou o Masp, Lina Bo Bardi), no Morumbi. Foi a estréia do filme inaugural do cinema marginal, O Bandido da Luz Vermelha, do cineasta Rogério Sganzerla, em que fiz até uma ponta como uma marchadeira (como ficaram conhecidas as mulheres que participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade). Teve o Caetano com o show Opinião, as montagens teatrais como Arena Conta Zumbi e Liberdade, Liberdade, e finalmente o cinema revolucionário de Glauber Rocha, com Terra em Transe, que foi um marco revolucionário para a época."
Foi o ano em que a peça O Rei da Vela, também montada pelo Oficina, foi apresentada em Florença, na Itália, e convidada para o Festival de Nancy, na França: era a exportação do movimento tropicalista para terras estrangeiras. Exatamente no mês de maio de 1968, Dulce estava no Rio de Janeiro e recebeu um telefonema de Zé Celso, seu grande amigo, pedindo para que ela fosse buscá-lo no Aeroporto de Viracopos. "Eu havia ficado no Brasil porque tinha de cuidar do Teatro Oficina."
Zé Celso estava em Paris e assistiu da sacada do prédio à cena de o cineasta Jean-Luc Godard, com quem estava filmando, ser espancado pela polícia. Sua solidariedade espontânea fez com que, do primeiro andar, arremessasse objetos na polícia, que respondeu com uma bomba de gás lacrimogêneo. Zé Celso voltou para o Brasil com um tampão nos olhos, assustado e ao mesmo tempo maravilhado com o movimento francês.
Logo após sua chegada, militantes brasileiros que estavam em Paris, organizados pelos movimentos daqui, vinham desembarcando e importando os sopros de liberdade e de contestação que envolviam a França de então. As ações de rua no Brasil tomaram forma semelhante à das parisienses, mas com a enorme diferença de que aqui havia uma ditadura militar.
Dulce foi presa em janeiro de 1969, época em que guardava (escondia) muita gente em aparelhos (esconderijos, na linguagem das organizações clandestinas) espalhados pela cidade, transportava pessoas com cortina nos carros e vendas nos olhos. Conta que no dia de sua prisão havia desmontado alguns desses aparelhos e voltava para a casa dos pais, no Brooklin, bairro da capital paulista. Já era meia-noite quando invadiram a casa. "Minha mãe ficou em pânico, contou-me que foi como ver o meu caixão saindo, avançou e agrediu um policial para tentar impedir que me levassem."
Foi durante o tempo em que ficou presa, de janeiro de 1969 a junho de 1970, que Dulce Maia perdeu a mãe. Madre Assunção, diretora da prisão, telefonou ao juiz auditor pedindo autorização para que ela fosse ao enterro. Mas o pedido foi negado. "Não fugiria em uma situação dessas, pois esses gestos humanos devem ser reconhecidos." Dulce tinha certeza de que não morreria na Penitenciária Feminina, no Carandiru. "Eu não vou morrer aqui, vocês são todos parte de uma engrenagem podre, eu, ao menos, tenho uma causa", dizia aos seus torturadores. Resistiu como ela mesma nunca imaginara ser capaz. Foi torturada constantemente por cinco meses. "Os militares já não me agüentavam mais, tinham raiva de mim pela minha situação ali, por resistir, por ser mulher", revela Dulce. Acabou sendo libertada em troca do embaixador alemão seqüestrado no Rio de Janeiro.
As seqüelas dificultaram seu retorno à vida normal
Em junho de 1970, junto com outras presas, saiu da cela diretamente para um avião militar, ainda algemada, e voou para a Argélia, país recém-libertado do colonialismo francês. Seus cabelos ficaram brancos repentinamente, após algumas sessões de tortura. Passou por coisas horríveis, desaprendeu a falar e a escrever, teve de recomeçar sua vida em lugares distantes e muito debilitada.
Depois da Argélia seguiu para Cuba, em busca de tratamento médico. Em 1973, estava no Chile, quando Pinochet derrubou Allende. Foi, então, para o México e depois para a Bélgica. Lá ficou até abril de 1975, quando aterrissou em Lisboa, onde a ditadura cinqüentenária de Salazar havia caído. O último destino de Dulce antes da volta ao Brasil foi a Guiné-Bissau, país que conseguiu a independência do colonialismo português após a queda de Salazar. Em 1979, com a Lei da Anistia, foi a primeira exilada a retornar ao País.
Após nove anos de exílio, Dulce chegou ainda trêmula e frágil. As seqüelas da tortura dificultaram seu retorno à vida cotidiana. Apesar de no exílio ter criado vínculos fortíssimos com pessoas que conheceu, amigos queridos com os quais mantém relações até hoje, também passou por maus bocados. Ainda tem seqüelas, mas assume se cuidar muito. "Sou uma articuladora, mas não sou uma pessoa articulada."
Dulce se vê como uma humanista que lutou contra um regime de exceção, e diz: "Contribuímos muito para a volta da democracia, mas hoje um movimento assim não teria sentido. A luta deve continuar, mas talvez a fórmula atual seja cada um no seu setor, podendo contribuir para que haja mudança, em seu exercício cotidiano."
Hoje, além de cuidar das duas ONGs de preservação e educação socioambiental, ainda colhe frutos do difícil mas precioso período que viveu intensamente. A boa relação que mantém com algumas entidades internacionais e amigos que fez durante o exílio, por exemplo, abriram as portas para que conseguisse enviar mais de dez jovens de Cunha para estudar medicina em Cuba, reconhecida pela excelência de seus cursos. Em alguns momentos, como qualquer pessoa, questiona a vida que viveu. E lembra da conversa que teve com um amigo e companheiro de luta, em Paris, quando desejou ter sido uma dona Maria lá da Mooca, que passa a manhã lavando a calçada e depois prepara a macarronada para sua enorme família. O amigo pensou em como teria sido a vida se fosse um bancário. Mas, ao final, ela admite: "Nossas vidas são emocionantes até hoje".
Aos 70 anos, se orgulha de seu passado. Não é, e nunca seria, uma matrona acomodada. Irmã de Carlito e Hugo Maia, dois importantes nomes do jornalismo e da publicidade brasileiros, Dulce sempre teve a comunicação no sangue e, apesar de não ser uma comunicóloga por profissão, vive de se comunicar. Dona de uma memória impecável, ela carrega na cabeça um emaranhado de fios capaz de ligar todos a qualquer um. E qualquer um a todos.
Ao relembrar aqueles tempos de tortura, mas também de muitas realizações, criações e laços fortes, ela, que se encaixaria nos grandes perfis de heroínas do século XX, que como mulher independente e lutadora sofria preconceitos e repressões, diz não sentir um peso na memória, pois esse é um passado ainda presente em suas lembranças, relações e conversas diárias. Dulce se diz excessivamente otimista em relação ao mundo e ao ser humano. Ainda sonha com a transformação social. Sobre a atual conjuntura política não se sente comprometida com nenhuma bandeira, movimento ou partido. "Não é só porque sou de esquerda que irei apoiar cegamente qualquer um."
Para ela, a esquerda ainda resiste maniqueísta, sectária e moralista, e o povo brasileiro ainda se mostra covarde, acomodado e estranho. "A política hoje é promíscua", afirma, ao mesmo tempo em que não avança em seu radicalismo, sempre ponderando que houve evoluções em termos da democracia tanto no governo FHC quanto está havendo no de Lula. "Não somos vítimas nem heróis de uma época. De nada me arrependo." A luta de Dulce e de muitos outros pode ter sido feita com exageros e com excessos, muitas vezes inevitáveis frente às circunstâncias, mas foi uma luta carregada de paixão e de compromisso.
Arquiteto e designer, Luciano Devià é daquelas figuras que durante a juventude abriram a cabeça e descobriram um mundo mais real do que o transmitido nas antigas salas de madeira - semicirculares e inclinadas - das sisudas universidades renascentistas da Itália, sua terra natal. Desiludiu-se com as estruturas da sociedade, lutou, levantou bandeiras, foi barbudo e cabeludo, descobriu que como arquiteto ele só conseguiria produzir com algum engajamento político. Frustrou-se com as poucas mudanças atingidas e partiu para bem longe. Saiu de Torino, na Itália, aos 33 anos, em 1975, em busca de outra vida, de renascer em terras completamente desconhecidas.
A não ser pelas canções de João Gilberto, pelo piano de Tom Jobim, pelos traços de Oscar Niemeyer e pelas ousadias cinematográficas de Glauber Rocha, o Brasil, para ele, era um ilustre desconhecido. Eram terras distantes, quentes, tidas como promissoras e completamente desligadas de sua vida italiana. "No Brasil morri e nasci de novo e me encontrei completamente perdido como Dante Alighieri quando encontrou o inferno." Ao chegar, não tinha dinheiro no bolso e passou a ganhar a vida com o que era, na Itália, o seu hobby: virou pianista na noite de São Paulo.
Era natural a aliança entre operários e estudantes
Para ele, o ano de 1968 foi o marco simbólico daquela busca por mudança e de desapego às raízes. Foi o ápice da crise de insatisfação contra a antiquada estrutura de educação universitária italiana - Luciano estava no quarto ano da Faculdade de Arquitetura do Politécnico di Torino, uma das primeiras escolas de arquitetura construídas durante o fascismo.
Para os jovens estudantes aquele foi o ano em que começaram a enfrentar as rígidas estruturas estabelecidas. Eram tempos de contestação pelo mundo todo, de uma nova forma de expressão. Tempos de Bob Dylan, de Woodstock e dos Beatles. Mas para Luciano Devià tudo isso estava bem mais distante do que o que acontecia ali ao lado: os operários com excesso de carga horária, explorados ali mesmo em sua cidade, na Fabbrica Italiana di Automobili Torino, a Fiat.
A fusão da indignação estudantil com o movimento operário era a ordem natural das coisas naquela cidade industrial. Tentava-se preencher o vazio que havia entre esses dois mundos tão próximos e, ao mesmo tempo, tão incomunicáveis. Enquanto Devià e seus colegas começavam a questionar o sentido que havia em produzir uma arquitetura que não se relacionava com o social, com o político, com o real, os migrantes do sul da Itália instalados nas cidades do norte trabalhavam como robôs nas fábricas e ainda eram vítimas de preconceitos regionais.
Esses fatos não eram discutidos dentro do ambiente acadêmico. "Os programas universitários eram cuidadosamente elaborados para que não houvesse tempo de pensar em questões como essas", explica Devià. "Até os 24 anos eu era um alienado, nunca havia me questionado sobre a importância da política." As contestações chegaram alfinetando a ele e a toda a sua geração. Torino não é uma Roma, muito menos uma Paris. Até 1968 a universidade continuava sendo uma ilha intocada diante das mudanças que estavam em curso nos outros centros. "Ainda íamos de gravata-borboleta para a faculdade", o que era um símbolo da profunda austeridade e da hierarquia, até aquele momento, inquestionável.
Depois de tanto tempo ele se mantém fiel àquelas premissas
Em 1968, começava então o movimento de ocupação das universidades italianas, e passou-se um ano inteiro praticamente sem aulas, um ano de discussões, encontros, reuniões, assembléias, nos quais os estudantes, professores e operários de Torino se mobilizaram. O poder do dinheiro, algo conclamado pelos pais dessa geração, estava sendo questionado em nome de coisas mais importantes, como as relações humanas e o amor. "Descobríamos ali o mal que o dinheiro poderia causar, como diria Caetano Veloso, 'era a força da grana que ergue e destrói coisas belas'."
Mais tarde, em 1969, um grupo de estudos do qual Luciano fazia parte passou por um concurso público para a construção de um novo hospital psiquiátrico, na cidade de Bérgamo. Começava a se questionar na Itália o papel dos hospitais psiquiátricos e Luciano entrou de cabeça nessa questão. "Chegamos a abrir as portas de hospitais psiquiátricos e a fazer passeatas pela cidade, junto com os 'loucos', reivindicando tratamentos mais humanos."
Foi o estopim que desencadeou a consciência nos estudantes de arquitetura de que nunca teriam resolvido o real problema dos doentes mentais propondo um belíssimo e novo hospital. Era necessário levá-lo como um problema político. "Nesse período, do ponto de vista da nossa formação humana, houve uma revolução. Abrimos as nossas cabeças ali no provincianismo de Torino." Passeatas, salas de aula fechadas e cabeças abertas. Mudanças eram necessárias para seguir. As gravatas-borboletas foram substituídas pelas golas rulês, moda no movimento estudantil europeu, e o questionamento do mundo virou parte do ambiente acadêmico.
"Vivi aos 24 anos a magia de descobrir um mundo diferente e possível. Aprendi que só se podia resolver as coisas a partir de um pressuposto político." No entanto, passado o fervor desse rompante, a vida começou a tomar os seus velhos trilhos, embora algumas partes tenham descarrilado das antiquadas linhas.
A efervescência estudantil se abrandou, alguns professores tidos antes como "imortais" deixaram suas cátedras, a grade curricular se adaptou em partes às reivindicações estudantis, a política psiquiátrica foi repensada e reformulada. Alguns preconceitos foram rompidos, e percebeu-se principalmente o poder e a ingenuidade dessa juventude. "Tudo era muito bonito e ingênuo, tinha-se a impressão de que realmente podíamos mudar o mundo. Existia uma ingenuidade ao pensar que todo rico na Itália era filho-da-puta, e que todo cara de esquerda era bom caráter.
Muitas vezes não se contratava um marceneiro 'bravissimo' (muito bom) por ele acreditar em Mussolini - esses extremismos e sectarismo que hoje não existem mais." Hoje Luciano se decepciona com o rumo que muitos dos seus colegas de faculdade em 1968 tomaram. "Muitos dos líderes estudantis de então acabaram ligados a partidos mafiosos, à corrupção. Foi uma desilusão." O ciclo continua.
Devià tem hoje 64 anos, trabalha como designer e arquiteto, se instalou em São Paulo e, depois de 40 anos passados, se mantém fiel às premissas daqueles anos rebeldes. Enxerga a força que teve essa geração na vida dele e no mundo, mas também percebe que algumas daquelas reivindicações se deturparam. A pseudoliberdade que se instaurou no mundo moderno tem suas mazelas.
Luciano, hoje como ontem, não economiza munição. Para ele, eventos como a Casa Cor servem como exemplo de deformação absurda. "Dá nojo pela ostentação diante da realidade brasileira. É uma elite econômica que não tem nada a ver com a realidade social do País."
Liberdade sexual, divórcio, filhos, estudos, teatro, alimentação vegetariana, independência. Essas são algumas das mudanças ocorridas na vida da terapeuta paulista Tai Castilho, em um período em que reviu todos os seus ideais. Para ela os caminhos indicados vieram na forma de mudanças comportamentais e na absorção de novos costumes radicais para a época.
Moça vinda do interior de São Paulo para viver na cidade grande, buscava uma vida certinha, em que as coisas caminhassem nos eixos, já que dentro de sua própria casa não era bem assim. Em 1964, se casou, para sair da casa dos pais e tentar construir sua vida ideal. Sua casa era esconderijo dos livros proibidos pela ditadura Vivia um casamento tradicional e resolveu estudar. Entrou para um cursinho pré-vestibular no centro de São Paulo, quando passou a ter um contato mais direto com os movimentos estudantis.
Com uma filha de 2 anos e um filho recém-nascido, marido médico, Tai começou a perceber um mundo diferente do seu. Emocionante e, ao mesmo tempo, aterrorizador. "Era muito comum pessoas próximas sumirem da noite pro dia. Anos depois de estudar com uma menina, vejo papéis com o rosto dela estampado em todos os cantos, com os dizeres: 'Procura-se!'. Professores do cursinho desapareciam para nunca mais voltar", conta ela sobre o seu primeiro contato com o mundo da clandestinidade e da luta armada.
Entrou para um grupo vindo do Teatro Oficina, passou a freqüentar os ambientes juvenis e da classe teatral, os bares da Rua Maria Antônia, mas revela: "Ao mesmo tempo em que eu estava querendo constituir família, ter um lar agradável e certinho, havia em mim um desembaraço juvenil". Sua vida de aprendiz de atriz durou pouco, já que era uma realidade escondida da família e seus colegas do teatro não imaginavam como ela vivia ao atravessar a porta da rua. "As pessoas que faziam teatro eram malvistas pelas famílias tradicionais" e, nas coxias e nos palcos, era considerado caretice ser casada da forma que ela era. "Eu era simpatizante da causa, mas, por ter filhos, guardava em mim um medo silencioso. Em 1970, nasceu o terceiro, ainda do mesmo casamento."
Por tudo isso, a aparência insuspeita de sua casa acabou transformando-a em esconderijo dos livros proibidos pela ditadura. "Não podíamos ter obras de Marx, Engels, Lenin, Che ou qualquer outro autor comunista." Após 1968, ela entrou para a faculdade de fonoaudiologia e participou de movimentos estudantis. Era amiga de Vladimir Herzog, um dos mártires daqueles tempos negros, morto nos porões da ditadura. Depois disso, virou vegetariana, passou a usar saias longas, cabelos muito compridos e os filhos foram estudar na antroposófica escola Rudolph Steiner, de pedagogia Waldorf.
Tai Castilho é de uma geração em que se escolhia entrar de cabeça no radicalismo da política ou no desbunde comportamental. O desapego às normas do sistema urdiu uma geração criadora e ativa. Acabou indo viver a contracultura e a militância com uma geração seis anos mais nova do que a sua.
Acabou indo viver a contracultura e a militância com uma geração seis anos mais nova do que a dela. "Eu queria ser uma intelectual de esquerda, uma desbundada, uma sem-lenço e sem-documento, mas em 1971 me vi acabando a faculdade com três filhos pequenos e separada. Ao mesmo tempo em que queria dar conta da maternidade, uma coisa fascinante para mim, existia a liberdade sexual que tanto me dava prazer."
Tai nunca foi muito bem aceita em nenhuma das tribos que freqüentava, por conta da sua dicotomia, sua contradição vital. E foi se distanciando do partidarismo do movimento: "A esquerda partidária lidava bem mal com a questão da sexualidade e das drogas". Com um olhar iluminado pelos 40 anos passados, a terapeuta que se especializou, não por acaso, em famílias e casais, conclui: "As nossas reivindicações foram se realizando por entre as brechas do sistema e dando outras cores para o mundo tão sectário e segmentado da esquerda versus direita. A minha geração foi muito reprimida sexualmente, a de minha mãe nem se fala. Usufruíamos dessas mudanças ainda com muito medo - o que mudou muito para as gerações seguintes. Foi o nosso legado".
Depois da separação, enquanto cursava a faculdade, Tai mudou-se para uma casinha na Vila Beatriz, então um bairro popular de São Paulo, com os filhos e muitas coisas novas na cabeça. Começou a se libertar de sua permanente dicotomia e passou a viver a liberdade com as crianças. "Nesse momento, os fantasmas da moral eram um pouco exorcizados, as crianças viviam peladas pelo jardim, os vizinhos se aproximavam, era uma delícia." Desvencilhou-se dos seus ideais de família tradicional e, com isso, começou a se especializar nas relações da família moderna.
Sou um homem sem raiz. Me vi sempre como um retirante nortista classe média, de família pequeno-burguesa: mãe professora, pai funcionário público, duas irmãs, todos nascidos no Maranhão. A certa altura me vi no Rio e depois, durante 13 anos, vivendo em várias cidades do sul de Minas. As raízes soltas ao vento. Não sei dizer se isso foi bom ou ruim para a minha formação humanística.
Medir as palavras me fez deixar de ser nortista e virar mineiro
Às vezes, o descompromisso com tribos ou comunidades pode provocar uma espécie de frieza nas relações. Ou carência e dependência. Não entrava em conversa sem antes saber muito bem o que estavam dizendo, quem estava falando. Medir palavras e gestos me fez deixar de ser nortista e virar um típico mineiro. Isso favoreceu a amizade que, apesar do tempo e da distância, sei que ainda cultivamos - os amigos e eu - na nossa memória afetiva.
De Barbacena assisti ao golpe de 1964. Com As Palavras, de Sartre, numa das mãos e O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho, na outra, tentava antever o que aconteceria depois daquilo. O vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, em 1965, foi o passaporte para a minha iniciação prática na política, no materialismo histórico e dialético, procurando entender o que era a mais-valia, a luta dos contrários e a inexorável vitória do proletariado sobre a burguesia.
Os dias passavam cheios de sonhos, utopias, revoluções, imperialismo ianque, sovietes, ouro de Moscou, Guerra Fria, teorias políticas, confrontos armados, policiais nas ruas, torturas, prisões, medo, gritos de ordem e desordem, sirenes cruzando as avenidas do centro da cidade. Quero crer que 1968 foi o ano mais violento de todos. Quebra-quebra, cadáveres aparecendo nos jornais, estudantes atropelados pela cavalaria, o Calabouço, modesto restaurante de estudantes, se transformando em símbolo da repressão, da ditadura, da intolerância e do terror. O Estado se transformara em terrorista. Os terroristas em vítimas. No meio disso, jovens gritando por melhores escolas, abaixo a ditadura, viva o povo brasileiro, o povo no poder e outras palavras que surgiam aqui e no mundo inteiro.
Aqui, 1968 não proporcionou um bom encontro entre estudantes e operários. Trabalhadores brasileiros rejeitavam os cabelos grandes, os óculos redondos, as barbas por fazer. Éramos comunistas, agitadores, ateus. Nas portas das fábricas nos atiravam palavrões na cara. Se para o País e para os brasileiros revoltados, 1968 foi o ano terrível, para mim, janeiro de 1971 foi o ano do horror. Preso em Santa Teresa, em companhia de um amigo, dentro de casa, desapareci por dez dias. Literalmente eu sumi nos porões da ditadura.
Choques elétricos e espadas zunindo sobre minha cabeça
Quando consegui ser libertado, tomei o rumo do auto-exílio e durante dois anos perambulei por uma Europa tomada de hippies, drogas, sexo e rock-and-roll. Meus sonhos não morreram, mudaram apenas. Tornaram-se, de alguma maneira, mais frágeis e mais solitários. Em Londres, em Paris, em Estocolmo, em Lisboa, em Bruxelas, vi passar diante de meus olhos belíssimos seres humanos, imundos e com barbas sujas, em busca de um banho, de uma cama para descansar os ossos, de um bálsamo para as feridas que não eram apenas suas, eram de tempos imemoriais.
Depois, percebi que as pessoas passaram a se isolar. A arte se individualizou. A constatação era a de que o mundo se tornara para sempre capitalista. Perdemos a guerra, nós, que acreditávamos na revolução, na sociedade justa e igualitária. A ditadura política e ideológica deu lugar à ditadura do dinheiro. Uma ditadura sem cara, sem rosto, sem grupos contra os quais pudéssemos lutar. A luta pela sobrevivência me fez crer que eu era mais capaz de viver bem do que eu mesmo pensava que era.
Durante alguns anos me dediquei a uma vida alternativa, simples, morando no campo, escrevendo para meu próprio deleite e umbigo. Virei um outsider, um marginal do bem, à margem de qualquer coisa que o sistema pudesse oferecer. Aguardei ansiosamente a passagem dos cometas que iriam mudar o rumo das coisas. Qual o quê! As coisas só pioraram.
De artesão, escritor inédito, me transformei em publicitário e poeta medianamente conhecido em Minas. Fui diretor de redação da Revista Palavra, juntamente com Ziraldo e uma turma de jovens e nem tão jovens assim, talentosos e de almas gigantescas. Naquele período em que convivi com o terror atrás das paredes, os choques elétricos e as espadas zunindo sobre minha cabeça em passeatas pelo centro do Rio, senti a presença permanente de Jean-Paul Sartre, um anjo a proteger minha consciência para que eu não sucumbisse ao comodismo. Sartre foi e tem sido a minha maior influência.
De lá pra cá, minha cabeça mudou pouco. Procurei me desvencilhar das inutilidades do pensamento, amei meus filhos mais do que a mim mesmo, da minha mulher de então guardo lembranças amorosas e rancorosas - como todos os casais do mundo - e hoje, aos 60 anos, voltei a me apaixonar. Com isso, acho que rejuvenesci alguns anos, o suficiente para assistir, talvez, ao nascimento de uma nova geração, de um novo homem, como queria Guevara.
Difícil? Sim, é dificílimo, se levarmos em conta a tendência do mundo e do Brasil. Mas nada é em vão e nada do que aconteceu no mundo nos primeiros anos dos últimos 40 foi em vão. Porque 40 anos depois ainda consigo respirar a liberdade daquela época, o burburinho de uma juventude e de uma geração inquieta, irrequieta, rebelde com causa. Desse tempo ficou a cicatriz que acaricio toda vez que o vento do comodismo busca me fazer ficar de joelhos diante de um mundo injusto e cruel.
Sei que faço pouco para mudar o mundo, mas sei que me recuso a aceitar um mundo que se tornou imune às mudanças. Um mundo que se tornou medíocre, mesquinho, violentamente covarde. Um mundo onde os heróis são aqueles que saem do nada e se dão bem na vida: jogadores de futebol, campeões de Fórmula 1, campeões de tênis. Ou então aqueles que se exibem nas TVs e viram celebridades. E atiram palavras ocas para a multidão embevecida. Este é o mundo que venceu. Eu era do mundo que perdeu.
Contra os blogs caluniadores
Toque do Carlão Oliveira; texto retirado do Observatório da Imprensa.
Por Dulce Maia em 17/6/2010
Houve um tempo em que mentira tinha pernas curtas. Agora, a internet faz exercícios diários de alongamento da mendacidade. Nos últimos meses, uma torrencial campanha caluniosa circula pela rede mundial de computadores tomando por base artigo do jornalista Elio Gaspari, publicado originalmente nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo em suas edições de 12 de março de 2008 [ver aqui, para assinantes].
Quem tiver curiosidade de buscar na internet o número de vezes em que aparecem variantes da infame sentença "Agora a surpresa: adivinhem quem é Dulce Maia? Sim, ela mesma: Dilminha paz e amor! Esse é só mais um codinome da terrorista Estela/Dilma" – colada ao final do artigo de Gaspari – verá que estão hospedadas em mais de 500 páginas da rede (marca muito próxima à moda nazista de cunhar a verdade repetindo-se mil vezes uma mentira para torná-la veraz).
Ao contrário do que afirmam, Dulce Maia existe e resiste. Quem é Dulce Maia? Sou eu. Antes de mais nada, quero deixar claro que não me arrependo de nenhuma das opções políticas que fiz na vida, inclusive de ter participado da luta armada e da resistência à ditadura militar implantada em 1964. Eu me orgulho de ter sido companheira de luta de brasileiros dignos como Carlos Lamarca, Onofre Pinto, Diógenes de Oliveira e Aloysio Nunes Ferreira.
Sinal de descaso
Não pretendo polemizar com meus detratores, que ousaram decretar minha morte civil. Estes irão responder em juízo por seus atos. Não admito que queiram impor novos sofrimentos a quem já foi presa, torturada e banida do Brasil durante a ditadura. Lutarei com todas as minhas forças para garantir respeito à minha honra e à minha dignidade.
Gostaria apenas de fazer algumas reflexões sobre essa insidiosa campanha, alicerçada nos erros cometidos pelo jornalista Elio Gaspari ao tratar da ação contra o consulado norte-americano de São Paulo, em 1968. O articulista teve quarenta anos para apurar a história. Falsamente me colocou como participante do episódio, sem nunca ter me procurado para checar a veracidade das informações de que dispunha. Tomou pelo valor de face peças do inquérito policial relativo ao atentado, como declaração extraída sob tortura do arquiteto e artista plástico Sérgio Ferro.
Se o articulista tivesse compulsado os arquivos do próprio jornal Folha de S.Paulo, facilmente encontraria entrevista de Sérgio Ferro (de quem também me orgulho de ser amiga há quase meio século). Conforme se lê no texto do repórter Mario Cesar Carvalho, publicado a 18 de maio de 1992, "Ferro assumiu pela primeira vez, em entrevista à Folha que ele, o arquiteto Rodrigo Lefrèvre (1938-1984) e uma terceira pessoa que ele prefere não identificar colocaram a bomba que explodiu à 1h15 do dia 19 de março de 1968 no consulado de São Paulo. Um estudante ficou ferido".
A matéria de 1992 trazia ilustração com um imenso dedo indicador em riste (o famoso "dedo-duro" apontado sobre a cabeça de um homem e acompanhado do texto "terror e cultura").
Gaspari tinha o dever ético de me procurar para verificar se seria eu essa terceira pessoa. Além de não fazê-lo, publicou que o atentado fora cometido por cinco pessoas (entre as quais fui falsamente incluída). O mesmo cuidado deveriam ter tido os responsáveis pela matéria da Folha de S.Paulo de 14 de março de 2008, que repercutiu o artigo de Gaspari reafirmando as falsas acusações [ver aqui, para assinantes].
A esses erros elementares de apuração, deve se somar a relutância da Folha de S.Paulo em restabelecer a verdade. Em nenhum momento, o ombudsman do jornal veio a público para tratar do assunto. O pedido de desculpas de Gaspari foi mera formalidade, sem delicadeza alguma [ver aqui, nota sob o título "Erro", para assinantes]. Sinal mais evidente do descaso do jornal foi a demora na publicação de carta de Sérgio Ferro, onde refutava categoricamente que eu tivesse participado daquela ação armada. A carta só foi publicada dois dias depois de ser divulgada no blog do jornalista Luis Nassif.
Luz do sol
Processado, o jornal foi condenado em primeira instância à reparação por danos morais [ver sentença abaixo]. Imaginava que a ação judicial fosse um freio eficaz às aleivosias, particularmente depois da exemplar observação do juiz de Direito Fausto José Martins Seabra de que o jornal "não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade".
No entanto, o artigo de Gaspari voltou a circular com o espantoso adendo de que Dulce Maia não existe e que este seria apenas um codinome de Dilma Rousseff. A utilização do artigo em plena campanha eleitoral mostra que setores da sociedade não têm qualquer apreço pela verdade como arma política. São pessoas que, muito provavelmente, apoiaram o golpe militar de 1964 e não apreciam o debate franco e aberto de ideias. Chama atenção, também, o silêncio de Elio Gaspari sobre o uso indevido de seu texto. Nunca li qualquer manifestação do articulista refutando o uso de seu nome em páginas que emporcalham a internet com mentiras sobre minha pessoa.
O desrespeito é de duplo grau. Primeiro, pela reiterada circulação de informações falsas sobre o atentado ao consulado norte-americano (prática já condenada pela Justiça na sentença de primeira instância do juiz Martins Seabra). Em segundo lugar, e não menos importante, com a tentativa de me despersonalizar, como se Dulce Maia fosse apenas um codinome.
Depois dos desaparecimentos forçados praticados pela ditadura, que impôs a aniquilação física de adversários políticos, sequazes do regime militar querem impor a aniquilação moral em plena democracia. E o fazem da forma mais vil, espalhando mentiras pela internet. Como estratégia política, não é novidade. Documentos do governo norte-americano revelam que a CIA apoiava o uso de boatos para desestabilizar o governo democrático de Salvador Allende. Vivi em Santiago e presenciei a onda de boatos que não atingiu seus objetivos eleitorais (Allende foi deposto pelo sangrento golpe militar de setembro de 1973).
Trazer à luz do sol aqueles que usam a mentira como ferramenta política é uma tarefa urgente. Farei a minha parte, acionando judicialmente todos aqueles que atacam minha honra ao tentar tirar proveito político de grotescas caricaturas para atingir a imagem de seus adversários.
***
A sentença de primeira instância
583.00.2008.245007-8/000000-000 – nº ordem 146/2009 – Indenização (Ordinária) – DULCE MAIA X EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A – Autos nº 583.00.2008.245007-8 21ª Vara Cível Central da Capital DULCE MAIA move AÇÃO INDENIZATÓRIA contra EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S.A. Em 12 de março de 2008 o jornal Folha de São Paulo, editado pela ré, publicou artigo de Elio Gaspari sobre as indenizações pagas às vítimas do regime instaurado em 31 de março de 1964. No decorrer do texto, mencionou de modo inverídico que a autora participara de atentado a bomba no consulado norte-americano nesta Capital. Dois dias depois, outro artigo foi escrito pelo mesmo jornalista com a mesma notícia falsa, a qual lhe causou danos morais. Entende que a ré abusou de seu direito de informar, atingindo a honra e a imagem da requerente ao lhe atribuir a prática de um crime. Requer, portanto, o ressarcimento dos danos morais sofridos. A ré apresentou contestação a fls. 327/343. Negou ter cometido ato ilícito, pois exercera o direito de informar e criticar, assegurado constitucionalmente. Refutou a ocorrência de danos morais, pois a informação inexata foi corrigida e teceu considerações sobre eventual fixação da indenização. Réplica a fls. 351/359. É o relatório. Fundamento e decido. O feito comporta julgamento no estado (art. 330, I, do Código de Processo Civil), registrando-se que as provas pleiteadas pelos litigantes são absolutamente desnecessárias ao deslinde dos pontos controvertidos. Incontroverso nos autos que a autora pertenceu à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo que tinha o objetivo de derrubar o regime instaurado em 31 de março de 1964 e implantar no Brasil, por meio da luta armada, uma democracia operária nos moldes marxistas e leninistas. É notório, ainda, que a ele e a outros grupos denominados terroristas foram atribuídas ações violentas consistentes em roubos a bancos, seqüestros de autoridades e explosões em imóveis públicos e privados. A autora negou ter participado do atentado de 19 de março de 1968 ao consulado norte-americano nesta Capital e a ré reconheceu na contestação, em consonância com o pedido de desculpas de seu articulista Elio Gaspari, publicado posteriormente, que de fato essa informação não era verdadeira. O equívoco aconteceu e foi expressamente admitido por quem o cometeu, de modo que inexiste pertinência em apurar neste feito como a informação errada foi obtida. O que importa é saber se a ré apenas exerceu o seu direito de crítica e se a correção do erro tem o condão de elidir a responsabilidade civil pelos danos morais causados à autora, que são evidentes e dispensam prova, pois ocorreram in re ipsa. Ter o nome associado à prática de um crime do qual não participou é suficiente para sofrer sensações negativas de reprovação social, angústia, aflição e tantas outras que consubstanciam danos morais relevantes sob o aspecto jurídico e, portanto, indenizáveis. A ré sustenta que exerceu o direito de crítica assegurado pelo art. 27, VIII, da Lei de Imprensa. De fato, assim agiu ao tecer considerações e até mesmo juízos de valor sobre a discrepância entre as diversas indenizações pagas às vítimas do regime militar. Sucede, contudo, que a partir do momento em que afirmou a participação da autora no episódio relatado nos autos, não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade. Pouco importa que a autora tenha de fato pertencido a grupo ao qual foram atribuídas ações violentas nas décadas de 60 e 70. A notícia de que participou do atentado ao consulado norte-americano não era verdadeira e, assim, não pode prevalecer diante do direito à honra. Lembra Antonio Jeová Santos que "existe um consenso de que a imprensa assume o compromisso de informar não só o fato veridicamente, como também de explicá-lo em seu contexto, em sua verdadeira significação – a verdade acerca do fato – como recomendava a Comissão sobre a Liberdade de Imprensa dos EUA" (Dano moral indenizável. 2ª ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 325). A ré ainda argumenta que corrigiu o erro e, assim, não tem o dever de indenizar os danos morais sofridos pela autora. Sem a necessidade de digressões acerca da forma e do lapso temporal consumido até que a retificação da informação inexata fosse veiculada, o fato é que a correção da notícia, ainda que se desse no modo, no tempo e no lugar adequados e com o mesmo destaque da informação falsa, não afastaria o ressarcimento almejado. Impossível supor que todos os leitores da notícia inexata tenham também lido as erratas e os pedidos de desculpas do articulista. Além disso, "a publicação equivocada, por si só, dá margem à indenização. Eventual retificação a posteriori não faz desaparecer o ato ilícito praticado" (Enéas Costa Garcia. Responsabilidade civil dos meios de comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 294). Resta, pois, fixar o valor da indenização. No arbitramento da indenização oriunda dos danos morais leva-se em consideração a natureza, a extensão e a repercussão da lesão, bem como a capacidade econômica dos envolvidos, de modo a compensar os prejuízos experimentados pela vítima sem que haja locupletamento e, de modo concomitante, punir o ofensor de modo adequado a fim de não transgrida novamente. No caso em foco não se pode esquecer que a notícia inexata foi produzida por jornalista bastante respeitado por substancial obra em quatro volumes sobre a história recente do país, o que lhe impunha maior responsabilidade na divulgação de informações sobre aquele período. Por outro lado, a ré não adotou a postura arrogante de ignorar ou de tentar mascarar o seu erro, de modo que o valor indenizatório mínimo proposto com a petição inicial se mostra razoável e compatível com as peculiaridades vistas nestes autos e com os parâmetros acima apontados. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a demanda para condenar a ré ao pagamento de R$ 18.000,00 à autora, com correção monetária desde esta data e juros de mora de 1% ao mês contados de maio de 2008, bem como a publicar no mesmo jornal em que a notícia inexata foi divulgada, o inteiro teor desta sentença. Pagará ainda a vencida as custas processuais e os honorários advocatícios da parte contrária, fixados em 10% sobre o valor da condenação. P.R.I. São Paulo, 17 de abril de 2009. Fausto José Martins Seabra Juiz de Direito FLS. 370: Custas atualizadas de preparo para eventual recurso no valor de R$ 364,16. ORD – RP – ADV MAURO ROSNER OAB/SP 107633 – ADV LUIS CARLOS MORO OAB/ SP 109315 – ADV TAIS BORJA GASPARIAN OAB/SP 74182 – ADV MONICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVAO OAB/SP 165378
Por Dulce Maia em 17/6/2010
Houve um tempo em que mentira tinha pernas curtas. Agora, a internet faz exercícios diários de alongamento da mendacidade. Nos últimos meses, uma torrencial campanha caluniosa circula pela rede mundial de computadores tomando por base artigo do jornalista Elio Gaspari, publicado originalmente nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo em suas edições de 12 de março de 2008 [ver aqui, para assinantes].
Quem tiver curiosidade de buscar na internet o número de vezes em que aparecem variantes da infame sentença "Agora a surpresa: adivinhem quem é Dulce Maia? Sim, ela mesma: Dilminha paz e amor! Esse é só mais um codinome da terrorista Estela/Dilma" – colada ao final do artigo de Gaspari – verá que estão hospedadas em mais de 500 páginas da rede (marca muito próxima à moda nazista de cunhar a verdade repetindo-se mil vezes uma mentira para torná-la veraz).
Ao contrário do que afirmam, Dulce Maia existe e resiste. Quem é Dulce Maia? Sou eu. Antes de mais nada, quero deixar claro que não me arrependo de nenhuma das opções políticas que fiz na vida, inclusive de ter participado da luta armada e da resistência à ditadura militar implantada em 1964. Eu me orgulho de ter sido companheira de luta de brasileiros dignos como Carlos Lamarca, Onofre Pinto, Diógenes de Oliveira e Aloysio Nunes Ferreira.
Sinal de descaso
Não pretendo polemizar com meus detratores, que ousaram decretar minha morte civil. Estes irão responder em juízo por seus atos. Não admito que queiram impor novos sofrimentos a quem já foi presa, torturada e banida do Brasil durante a ditadura. Lutarei com todas as minhas forças para garantir respeito à minha honra e à minha dignidade.
Gostaria apenas de fazer algumas reflexões sobre essa insidiosa campanha, alicerçada nos erros cometidos pelo jornalista Elio Gaspari ao tratar da ação contra o consulado norte-americano de São Paulo, em 1968. O articulista teve quarenta anos para apurar a história. Falsamente me colocou como participante do episódio, sem nunca ter me procurado para checar a veracidade das informações de que dispunha. Tomou pelo valor de face peças do inquérito policial relativo ao atentado, como declaração extraída sob tortura do arquiteto e artista plástico Sérgio Ferro.
Se o articulista tivesse compulsado os arquivos do próprio jornal Folha de S.Paulo, facilmente encontraria entrevista de Sérgio Ferro (de quem também me orgulho de ser amiga há quase meio século). Conforme se lê no texto do repórter Mario Cesar Carvalho, publicado a 18 de maio de 1992, "Ferro assumiu pela primeira vez, em entrevista à Folha que ele, o arquiteto Rodrigo Lefrèvre (1938-1984) e uma terceira pessoa que ele prefere não identificar colocaram a bomba que explodiu à 1h15 do dia 19 de março de 1968 no consulado de São Paulo. Um estudante ficou ferido".
A matéria de 1992 trazia ilustração com um imenso dedo indicador em riste (o famoso "dedo-duro" apontado sobre a cabeça de um homem e acompanhado do texto "terror e cultura").
Gaspari tinha o dever ético de me procurar para verificar se seria eu essa terceira pessoa. Além de não fazê-lo, publicou que o atentado fora cometido por cinco pessoas (entre as quais fui falsamente incluída). O mesmo cuidado deveriam ter tido os responsáveis pela matéria da Folha de S.Paulo de 14 de março de 2008, que repercutiu o artigo de Gaspari reafirmando as falsas acusações [ver aqui, para assinantes].
A esses erros elementares de apuração, deve se somar a relutância da Folha de S.Paulo em restabelecer a verdade. Em nenhum momento, o ombudsman do jornal veio a público para tratar do assunto. O pedido de desculpas de Gaspari foi mera formalidade, sem delicadeza alguma [ver aqui, nota sob o título "Erro", para assinantes]. Sinal mais evidente do descaso do jornal foi a demora na publicação de carta de Sérgio Ferro, onde refutava categoricamente que eu tivesse participado daquela ação armada. A carta só foi publicada dois dias depois de ser divulgada no blog do jornalista Luis Nassif.
Luz do sol
Processado, o jornal foi condenado em primeira instância à reparação por danos morais [ver sentença abaixo]. Imaginava que a ação judicial fosse um freio eficaz às aleivosias, particularmente depois da exemplar observação do juiz de Direito Fausto José Martins Seabra de que o jornal "não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade".
No entanto, o artigo de Gaspari voltou a circular com o espantoso adendo de que Dulce Maia não existe e que este seria apenas um codinome de Dilma Rousseff. A utilização do artigo em plena campanha eleitoral mostra que setores da sociedade não têm qualquer apreço pela verdade como arma política. São pessoas que, muito provavelmente, apoiaram o golpe militar de 1964 e não apreciam o debate franco e aberto de ideias. Chama atenção, também, o silêncio de Elio Gaspari sobre o uso indevido de seu texto. Nunca li qualquer manifestação do articulista refutando o uso de seu nome em páginas que emporcalham a internet com mentiras sobre minha pessoa.
O desrespeito é de duplo grau. Primeiro, pela reiterada circulação de informações falsas sobre o atentado ao consulado norte-americano (prática já condenada pela Justiça na sentença de primeira instância do juiz Martins Seabra). Em segundo lugar, e não menos importante, com a tentativa de me despersonalizar, como se Dulce Maia fosse apenas um codinome.
Depois dos desaparecimentos forçados praticados pela ditadura, que impôs a aniquilação física de adversários políticos, sequazes do regime militar querem impor a aniquilação moral em plena democracia. E o fazem da forma mais vil, espalhando mentiras pela internet. Como estratégia política, não é novidade. Documentos do governo norte-americano revelam que a CIA apoiava o uso de boatos para desestabilizar o governo democrático de Salvador Allende. Vivi em Santiago e presenciei a onda de boatos que não atingiu seus objetivos eleitorais (Allende foi deposto pelo sangrento golpe militar de setembro de 1973).
Trazer à luz do sol aqueles que usam a mentira como ferramenta política é uma tarefa urgente. Farei a minha parte, acionando judicialmente todos aqueles que atacam minha honra ao tentar tirar proveito político de grotescas caricaturas para atingir a imagem de seus adversários.
***
A sentença de primeira instância
583.00.2008.245007-8/000000-000 – nº ordem 146/2009 – Indenização (Ordinária) – DULCE MAIA X EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A – Autos nº 583.00.2008.245007-8 21ª Vara Cível Central da Capital DULCE MAIA move AÇÃO INDENIZATÓRIA contra EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S.A. Em 12 de março de 2008 o jornal Folha de São Paulo, editado pela ré, publicou artigo de Elio Gaspari sobre as indenizações pagas às vítimas do regime instaurado em 31 de março de 1964. No decorrer do texto, mencionou de modo inverídico que a autora participara de atentado a bomba no consulado norte-americano nesta Capital. Dois dias depois, outro artigo foi escrito pelo mesmo jornalista com a mesma notícia falsa, a qual lhe causou danos morais. Entende que a ré abusou de seu direito de informar, atingindo a honra e a imagem da requerente ao lhe atribuir a prática de um crime. Requer, portanto, o ressarcimento dos danos morais sofridos. A ré apresentou contestação a fls. 327/343. Negou ter cometido ato ilícito, pois exercera o direito de informar e criticar, assegurado constitucionalmente. Refutou a ocorrência de danos morais, pois a informação inexata foi corrigida e teceu considerações sobre eventual fixação da indenização. Réplica a fls. 351/359. É o relatório. Fundamento e decido. O feito comporta julgamento no estado (art. 330, I, do Código de Processo Civil), registrando-se que as provas pleiteadas pelos litigantes são absolutamente desnecessárias ao deslinde dos pontos controvertidos. Incontroverso nos autos que a autora pertenceu à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo que tinha o objetivo de derrubar o regime instaurado em 31 de março de 1964 e implantar no Brasil, por meio da luta armada, uma democracia operária nos moldes marxistas e leninistas. É notório, ainda, que a ele e a outros grupos denominados terroristas foram atribuídas ações violentas consistentes em roubos a bancos, seqüestros de autoridades e explosões em imóveis públicos e privados. A autora negou ter participado do atentado de 19 de março de 1968 ao consulado norte-americano nesta Capital e a ré reconheceu na contestação, em consonância com o pedido de desculpas de seu articulista Elio Gaspari, publicado posteriormente, que de fato essa informação não era verdadeira. O equívoco aconteceu e foi expressamente admitido por quem o cometeu, de modo que inexiste pertinência em apurar neste feito como a informação errada foi obtida. O que importa é saber se a ré apenas exerceu o seu direito de crítica e se a correção do erro tem o condão de elidir a responsabilidade civil pelos danos morais causados à autora, que são evidentes e dispensam prova, pois ocorreram in re ipsa. Ter o nome associado à prática de um crime do qual não participou é suficiente para sofrer sensações negativas de reprovação social, angústia, aflição e tantas outras que consubstanciam danos morais relevantes sob o aspecto jurídico e, portanto, indenizáveis. A ré sustenta que exerceu o direito de crítica assegurado pelo art. 27, VIII, da Lei de Imprensa. De fato, assim agiu ao tecer considerações e até mesmo juízos de valor sobre a discrepância entre as diversas indenizações pagas às vítimas do regime militar. Sucede, contudo, que a partir do momento em que afirmou a participação da autora no episódio relatado nos autos, não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade. Pouco importa que a autora tenha de fato pertencido a grupo ao qual foram atribuídas ações violentas nas décadas de 60 e 70. A notícia de que participou do atentado ao consulado norte-americano não era verdadeira e, assim, não pode prevalecer diante do direito à honra. Lembra Antonio Jeová Santos que "existe um consenso de que a imprensa assume o compromisso de informar não só o fato veridicamente, como também de explicá-lo em seu contexto, em sua verdadeira significação – a verdade acerca do fato – como recomendava a Comissão sobre a Liberdade de Imprensa dos EUA" (Dano moral indenizável. 2ª ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 325). A ré ainda argumenta que corrigiu o erro e, assim, não tem o dever de indenizar os danos morais sofridos pela autora. Sem a necessidade de digressões acerca da forma e do lapso temporal consumido até que a retificação da informação inexata fosse veiculada, o fato é que a correção da notícia, ainda que se desse no modo, no tempo e no lugar adequados e com o mesmo destaque da informação falsa, não afastaria o ressarcimento almejado. Impossível supor que todos os leitores da notícia inexata tenham também lido as erratas e os pedidos de desculpas do articulista. Além disso, "a publicação equivocada, por si só, dá margem à indenização. Eventual retificação a posteriori não faz desaparecer o ato ilícito praticado" (Enéas Costa Garcia. Responsabilidade civil dos meios de comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 294). Resta, pois, fixar o valor da indenização. No arbitramento da indenização oriunda dos danos morais leva-se em consideração a natureza, a extensão e a repercussão da lesão, bem como a capacidade econômica dos envolvidos, de modo a compensar os prejuízos experimentados pela vítima sem que haja locupletamento e, de modo concomitante, punir o ofensor de modo adequado a fim de não transgrida novamente. No caso em foco não se pode esquecer que a notícia inexata foi produzida por jornalista bastante respeitado por substancial obra em quatro volumes sobre a história recente do país, o que lhe impunha maior responsabilidade na divulgação de informações sobre aquele período. Por outro lado, a ré não adotou a postura arrogante de ignorar ou de tentar mascarar o seu erro, de modo que o valor indenizatório mínimo proposto com a petição inicial se mostra razoável e compatível com as peculiaridades vistas nestes autos e com os parâmetros acima apontados. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a demanda para condenar a ré ao pagamento de R$ 18.000,00 à autora, com correção monetária desde esta data e juros de mora de 1% ao mês contados de maio de 2008, bem como a publicar no mesmo jornal em que a notícia inexata foi divulgada, o inteiro teor desta sentença. Pagará ainda a vencida as custas processuais e os honorários advocatícios da parte contrária, fixados em 10% sobre o valor da condenação. P.R.I. São Paulo, 17 de abril de 2009. Fausto José Martins Seabra Juiz de Direito FLS. 370: Custas atualizadas de preparo para eventual recurso no valor de R$ 364,16. ORD – RP – ADV MAURO ROSNER OAB/SP 107633 – ADV LUIS CARLOS MORO OAB/ SP 109315 – ADV TAIS BORJA GASPARIAN OAB/SP 74182 – ADV MONICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVAO OAB/SP 165378
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Galvão, o papagaio em extinção
Se der Brasil x Espanha nas oitavas, eis uma sugestão de faixa na arquibancada:
Galvao: por que non te callas?
Galvao: por que non te callas?
quarta-feira, 16 de junho de 2010
16 de junho de 1904
Por Eduardo Lago (de Dublin), no El País.
El 16 de junio de 1904, un escritor en ciernes que respondía al nombre de James Joyce invitó a Nora Barnacle, una atractiva joven que trabajaba como empleada en un hotel de Dublín, a dar un paseo por la ciudad. Fue el comienzo de una relación que solo se truncaría con la muerte, pero, sobre todo, aquel paseo fue importante porque en él se encerraba el germen de uno de los proyectos novelísticos más ambiciosos de la historia de la literatura universal.
El 16 de junio es el día en que se desarrolla toda la acción del Ulises, novela de más de 700 páginas considerada la obra cumbre de la prosa en lengua inglesa. A lo largo de una trama que comprende tan solo 24 horas se lleva a cabo un recorrido tan completo de la ciudad de Dublín que, al decir de su autor, si algún día una catástrofe la borrara de la faz de la tierra, su texto sería suficiente para reconstruirla en su totalidad tal y como era cuando se publicó la novela en 1922. Año tras año, y a pesar de las dificultades que planteaba y sigue planteando su lectura, los hechos narrados por Joyce han logrado capturar la imaginación de propios y extraños de tal modo que la acción ha pasado a convertirse en propiedad de toda la ciudad.
Hoy día, cuando llega el 16 de junio, son miles los dublineses que se echan a la calle para conmemorar en clave festiva los diversos episodios descritos por James Joyce en el Ulises, en una celebración irrepetible conocida como Bloomsday, en honor del protagonista del libro, el afable Leopold Bloom, el más común de los mortales. Además de los dublineses, toman parte en la celebración innumerables seguidores del escritor irlandés, procedentes de las más remotas partes del mundo.
A Joyce le gustaban el teatro, los chistes, las adivinanzas, los juegos de palabras, las baladas y canciones populares y sobre todo, oír y contar una buena historia, sin que tuviera demasiada importancia que fuera verdadera o fabulosa. Y quizás más que nada: vivir y observar la gama de situaciones que surgen mientras un grupo de parroquianos a la antigua da cuenta de una larga serie de tragos en el singular entorno que aporta un pub dublinés, donde las más de las veces no resulta fácil distinguir la realidad de la fantasía.
El primer Bloomsday se celebró en 1954, con motivo del cincuentenario del paseo ficticio descrito en la novela. En 2004 se sumaron a Dublín numerosas ciudades, con celebraciones parciales, pero nada de ello es comparable a lo que sucede en la capital de Irlanda y sus alrededores, donde el espíritu del Ulises se apodera de toda una comunidad, en una suma de espectáculos que comprenden desde actos culturales, incluida la lectura completa del texto (realizada en numerosos puntos), dramatizaciones de episodios, paseos callejeros, bailes y toda suerte de actividades presididas por el signo de un abierto desenfadado.
La celebración del Bloomsday encierra una paradoja que resulta bastante difícil de explicar. El año pasado, un reportero del Irish Times recorrió los distintos escenarios donde se congregaban los joycianos, debidamente disfrazados con sus trajes eduardianos de época, con un objetivo específico: averiguar qué porcentaje de celebrantes había leído la novela de principio a fin. El resultado fue cuando menos llamativo: nadie. Tan solo al final de su larga encuesta, el periodista dio con un extranjero, escritor por más señas, aunque no quiso dar su nombre, que sí había leído el libro (varias veces). Y fue el desconocido quien le dio la clave. La gente celebra el logro de Joyce, aunque no entienda la parafernalia técnica de que se sirve para llevar a cabo su proyecto literario. El logro del irlandés consiste en haber sabido encapsular en el complejo armazón de su novela el espíritu de todo un pueblo.
Es posible, pero no cabe la menor duda de que la cosa va más allá del entorno puramente dublinés: son muchos, cada vez más, los que sienten una atracción difícil de explicar por la obra del irlandés, y muchos, cada vez más, quienes se acercan hasta Dublín para dar testimonio de ello, lo cual ahonda el misterio. Una manera simbólica de sumarse al homenaje es participar en la lectura del texto. Hace unos años se quedó pequeño el James Joyce Center, donde tradicionalmente tenía lugar, siendo necesario habilitar un escenario situado en una plaza del céntrico barrio de Temple Bar.
De entre quienes vienen de fuera a participar en el festín literario ha llamado la atención de los irlandeses un improbable grupo de escritores españoles que desde hace tres años acude imperturbable a Dublín a fin de celebrar en español el día del Ulises. Se trata de los Caballeros de la inclasificable Orden del Finnegans, que ayer presentó en la capital de Irlanda un libro homónimo en el que rinden (de manera también inclasificable) homenaje a James Joyce.
Los preparativos de este año empezaron hace semanas, con un festival en Phoenix Park, paraje joyciano por excelencia. Desde última hora de ayer, los dublineses tenían puesta la vista en un elemento que puede darle un vuelco a las celebraciones: la lluvia. En la larga tarde de verano, lucía un sol esplendoroso. El taxista que me lleva desde el aeropuerto no deja de señalarlo: "Vamos a tener un Bloomsday glorioso", anuncia feliz, y me pregunta de qué país vengo.
El 16 de junio de 1904, un escritor en ciernes que respondía al nombre de James Joyce invitó a Nora Barnacle, una atractiva joven que trabajaba como empleada en un hotel de Dublín, a dar un paseo por la ciudad. Fue el comienzo de una relación que solo se truncaría con la muerte, pero, sobre todo, aquel paseo fue importante porque en él se encerraba el germen de uno de los proyectos novelísticos más ambiciosos de la historia de la literatura universal.
El 16 de junio es el día en que se desarrolla toda la acción del Ulises, novela de más de 700 páginas considerada la obra cumbre de la prosa en lengua inglesa. A lo largo de una trama que comprende tan solo 24 horas se lleva a cabo un recorrido tan completo de la ciudad de Dublín que, al decir de su autor, si algún día una catástrofe la borrara de la faz de la tierra, su texto sería suficiente para reconstruirla en su totalidad tal y como era cuando se publicó la novela en 1922. Año tras año, y a pesar de las dificultades que planteaba y sigue planteando su lectura, los hechos narrados por Joyce han logrado capturar la imaginación de propios y extraños de tal modo que la acción ha pasado a convertirse en propiedad de toda la ciudad.
Hoy día, cuando llega el 16 de junio, son miles los dublineses que se echan a la calle para conmemorar en clave festiva los diversos episodios descritos por James Joyce en el Ulises, en una celebración irrepetible conocida como Bloomsday, en honor del protagonista del libro, el afable Leopold Bloom, el más común de los mortales. Además de los dublineses, toman parte en la celebración innumerables seguidores del escritor irlandés, procedentes de las más remotas partes del mundo.
A Joyce le gustaban el teatro, los chistes, las adivinanzas, los juegos de palabras, las baladas y canciones populares y sobre todo, oír y contar una buena historia, sin que tuviera demasiada importancia que fuera verdadera o fabulosa. Y quizás más que nada: vivir y observar la gama de situaciones que surgen mientras un grupo de parroquianos a la antigua da cuenta de una larga serie de tragos en el singular entorno que aporta un pub dublinés, donde las más de las veces no resulta fácil distinguir la realidad de la fantasía.
El primer Bloomsday se celebró en 1954, con motivo del cincuentenario del paseo ficticio descrito en la novela. En 2004 se sumaron a Dublín numerosas ciudades, con celebraciones parciales, pero nada de ello es comparable a lo que sucede en la capital de Irlanda y sus alrededores, donde el espíritu del Ulises se apodera de toda una comunidad, en una suma de espectáculos que comprenden desde actos culturales, incluida la lectura completa del texto (realizada en numerosos puntos), dramatizaciones de episodios, paseos callejeros, bailes y toda suerte de actividades presididas por el signo de un abierto desenfadado.
La celebración del Bloomsday encierra una paradoja que resulta bastante difícil de explicar. El año pasado, un reportero del Irish Times recorrió los distintos escenarios donde se congregaban los joycianos, debidamente disfrazados con sus trajes eduardianos de época, con un objetivo específico: averiguar qué porcentaje de celebrantes había leído la novela de principio a fin. El resultado fue cuando menos llamativo: nadie. Tan solo al final de su larga encuesta, el periodista dio con un extranjero, escritor por más señas, aunque no quiso dar su nombre, que sí había leído el libro (varias veces). Y fue el desconocido quien le dio la clave. La gente celebra el logro de Joyce, aunque no entienda la parafernalia técnica de que se sirve para llevar a cabo su proyecto literario. El logro del irlandés consiste en haber sabido encapsular en el complejo armazón de su novela el espíritu de todo un pueblo.
Es posible, pero no cabe la menor duda de que la cosa va más allá del entorno puramente dublinés: son muchos, cada vez más, los que sienten una atracción difícil de explicar por la obra del irlandés, y muchos, cada vez más, quienes se acercan hasta Dublín para dar testimonio de ello, lo cual ahonda el misterio. Una manera simbólica de sumarse al homenaje es participar en la lectura del texto. Hace unos años se quedó pequeño el James Joyce Center, donde tradicionalmente tenía lugar, siendo necesario habilitar un escenario situado en una plaza del céntrico barrio de Temple Bar.
De entre quienes vienen de fuera a participar en el festín literario ha llamado la atención de los irlandeses un improbable grupo de escritores españoles que desde hace tres años acude imperturbable a Dublín a fin de celebrar en español el día del Ulises. Se trata de los Caballeros de la inclasificable Orden del Finnegans, que ayer presentó en la capital de Irlanda un libro homónimo en el que rinden (de manera también inclasificable) homenaje a James Joyce.
Los preparativos de este año empezaron hace semanas, con un festival en Phoenix Park, paraje joyciano por excelencia. Desde última hora de ayer, los dublineses tenían puesta la vista en un elemento que puede darle un vuelco a las celebraciones: la lluvia. En la larga tarde de verano, lucía un sol esplendoroso. El taxista que me lleva desde el aeropuerto no deja de señalarlo: "Vamos a tener un Bloomsday glorioso", anuncia feliz, y me pregunta de qué país vengo.
domingo, 13 de junho de 2010
Clóvis Rossi, na Folha deste domingo
SÃO PAULO - Começou a Copa, começaram as nefandas cenas explícitas de "patrioteirismo".
Nada contra quem gosta de exibir seu fervor a cada quatro anos. Tudo contra a obrigatoriedade de fazê-lo, induzido por um tipo de jornalismo que troca a caneta e, principalmente, o microfone pela vuvuzela. E pela propaganda que diz que só sou brasileiro se for "brahmeiro" e guerreiro.
Que faço eu aqui, que não bebo e ainda por cima sou da paz? Tão da paz que não concebo o futebol como uma guerra de afirmação de uma tribo. É muito mais que isso. É um espetáculo. E, no espetáculo (qualquer um), o fundamental é a beleza, não a cor da camisa que vestem os participantes.
Não faz sentido, para mim pelo menos, torcer para que um filme brasileiro ruim leve a Palma de Ouro em Cannes, se na competição estiver também um filme argentino dos bons (ou iraquiano, ou palestino, ou afegão, para citar apenas tribos que, estas sim, estão necessitando da dose de autoestima positiça que ganhar uma taça traz).
O Brasil, no futebol, não tem mais nada a provar a quem quer que seja. É o único território em que somos, inequivocamente, os melhores do mundo.
Tão melhores que nossos jogadores melhoraram os campeonatos espanhol, inglês, francês, italiano, até turco, meu Deus, ao passo que a ausência deles vampirizou o Campeonato Brasileiro, transformado em cemitério dos elefantes e em território dos que ainda não seduziram os "gringos".
Não, não sou contra o "patrioteirismo" por achar que só vale quando e se o Brasil algum dia ganhar o mundial de saúde, educação ou equidade. Ou um Nobel. Não é uma comparação válida.
O que realmente me incomoda é que, se o patriotismo é o último refúgio dos canalhas (Samuel Johnson, 1709/1784), ser obrigado a tornar-se canalha a cada quatro anos é uma canalhice.
Nada contra quem gosta de exibir seu fervor a cada quatro anos. Tudo contra a obrigatoriedade de fazê-lo, induzido por um tipo de jornalismo que troca a caneta e, principalmente, o microfone pela vuvuzela. E pela propaganda que diz que só sou brasileiro se for "brahmeiro" e guerreiro.
Que faço eu aqui, que não bebo e ainda por cima sou da paz? Tão da paz que não concebo o futebol como uma guerra de afirmação de uma tribo. É muito mais que isso. É um espetáculo. E, no espetáculo (qualquer um), o fundamental é a beleza, não a cor da camisa que vestem os participantes.
Não faz sentido, para mim pelo menos, torcer para que um filme brasileiro ruim leve a Palma de Ouro em Cannes, se na competição estiver também um filme argentino dos bons (ou iraquiano, ou palestino, ou afegão, para citar apenas tribos que, estas sim, estão necessitando da dose de autoestima positiça que ganhar uma taça traz).
O Brasil, no futebol, não tem mais nada a provar a quem quer que seja. É o único território em que somos, inequivocamente, os melhores do mundo.
Tão melhores que nossos jogadores melhoraram os campeonatos espanhol, inglês, francês, italiano, até turco, meu Deus, ao passo que a ausência deles vampirizou o Campeonato Brasileiro, transformado em cemitério dos elefantes e em território dos que ainda não seduziram os "gringos".
Não, não sou contra o "patrioteirismo" por achar que só vale quando e se o Brasil algum dia ganhar o mundial de saúde, educação ou equidade. Ou um Nobel. Não é uma comparação válida.
O que realmente me incomoda é que, se o patriotismo é o último refúgio dos canalhas (Samuel Johnson, 1709/1784), ser obrigado a tornar-se canalha a cada quatro anos é uma canalhice.
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