Deixem Jesus em paz
Por Juca Kfoury (retirado da Folha desta quinta, 30)
MEU PAI , na primeira vez em que me ouviu dizer que eu era ateu, me disse para mudar o discurso e dizer que eu era agnóstico: "Você não tem cultura para se dizer ateu", sentenciou.
Confesso que fiquei meio sem entender. Até que, nem faz muito tempo, pude ler "Em que Creem os que Não Creem", uma troca de cartas entre Umberto Eco e o cardeal Martini, de Milão, livro editado no Brasil pela editora Record.
De fato, o velho tinha razão, motivo pelo qual, ele mesmo, incomparavelmente mais culto, se dissesse agnóstico, embora fosse ateu.
Pois o embate entre Eco e Martini, principalmente pelos argumentos do brilhante cardeal milanês, não é coisa para qualquer um, tamanha a profundidade filosófica e teológica do religioso. Dele entendi, se tanto, uns 10%. E olhe lá.
Eco, não menos brilhante, é mais fácil de entender em seu ateísmo.
Até então, me bastava com o pensador marxista, também italiano, Antonio Gramsci, que evoluiu da clássica visão que tratava a religião como ópio do povo para vê-la inclusive com características revolucionárias, razão pela qual pregava a tolerância, a compreensão, principalmente com o catolicismo.
E negar o papel de resistência e de vanguarda de setores religiosos durante a ditadura brasileira equivaleria a um crime de falso testemunho, o que me levou, à época, a andar próximo da Igreja, sem deixar de fazer pequenas provocações, com todo respeito.
Respeito que preservo, apesar de, e com o perdão por tamanha digressão, me pareça pecado usar o nome em vão de quem nada tem a ver com futebol, coisa que, se bem me lembro de minhas aulas de catecismo, está no segundo mandamento das leis de Deus.
E como o santo nome anda sendo usado em vão por jogadores da seleção brasileira, de Kaká ao capitão Lúcio, passando por pretendentes a ela, como o goleiro Fábio, do Cruzeiro, e chegando aos apenas chatos, como Roberto Brum.
Ninguém, rigorosamente ninguém, mesmo que seja evangélico, protestante, católico, muçulmano, judeu, budista ou o que for, deveria fazer merchan religioso em jogos de futebol nem usar camisetas de propaganda demagógicas e até em inglês, além de repetir ameaças sobre o fogo eterno e baboseiras semelhantes, como as da enlouquecida pastora casada com Kaká, uma mocinha fanática, fundamentalista ou esperta demais para tentar nos convencer que foi Deus quem pôs dinheiro no Real Madrid para contratar seu jovem marido em plena crise mundial. Ora, há limites para tudo.
É um tal de jogador comemorar gol olhando e apontando para o céu como se tivesse alguém lá em cima responsável pela façanha, um despropósito, por exemplo, com os goleiros evangélicos, que deveriam olhar também para o alto e fazer um gesto obsceno a cada gol que levassem de seus irmãos...
Ora bolas!
Que cada um faça o que bem entender de suas crenças nos locais apropriados para tal, mas não queiram impingi-las nossas goelas abaixo, porque fazê-lo é uma invasão inadmissível e irritante.
Não mesmo é à toa que Deus prefere os ateus...
Concordo absolutamente com tudo.
Nunca é demais lembrar que Levir Culpi proíbe essas manifestações ridículas - e desrespeitosas com ateus, agnósticos e praticantes de religiões diversas das dos boleiros - no vestiário e em campo.
O que fariam os cartolas no dia em que um artilheiro erguesse a camisa do time ao comemorar um gol e sob ela aparecesse uma camiseta com as inscrições "Deus, um delírio"?
quinta-feira, 30 de julho de 2009
quarta-feira, 29 de julho de 2009
O ouro dos pobres
Rui Daher
De São Paulo
(do Terra Magazine, enviado por Carlão Oliveira)
Em artigo com o título "Nem tudo o que reluz é ouro", publicado na Folha de São Paulo de 11 de julho, o Sr. João Sampaio, secretário da Agricultura e do Abastecimento do Estado, critica o Plano Agrícola e Pecuário para a safra 2009/10.
Não entrarei em detalhes ou méritos. Em política, cargos oficiais costumam cristalizar pensamentos. Por dever de ofício, nunca o Secretário aplaudiria uma medida do governo federal.
Há, no entanto, uma posição do Sr. Sampaio que vale a pena discutir. A certa altura, escreve: "(...) se insistiu em tratar com diferenças as agriculturas empresarial e a familiar. Olhando pragmaticamente os interesses do Brasil, não cabem distinções sob o prisma ideológico. Ambas são fundamentais".
Está bem. Sejamos pragmáticos, expressão que bem serve aos travessos senhores do Poder. Deixemos de lado a ideologia, tolamente imposta como mais fora de moda do que a galocha. Finalmente, aceitemos as duas agriculturas como fundamentais, e teremos aí um Secretário feliz. Com um senão: é impossível concordar com a sua ideia de tratamento homogêneo para as agriculturas empresarial e familiar.
Ideais, ainda que esmaecidos, do governo atual e o bom período da economia que se seguiu à posse, permitiram ampliar os recursos destinados aos programas de inserção social.
E aí não importam os rótulos. Seja esmola, assistencialismo ou programa eleitoreiro, sabem os que precisam que a tal "diferença" faz-lhes a vida um pouco melhor. Isto, num país secularmente incapaz de resolver a miséria apenas através das atividades econômicas regulares.
Pois bem, a mesma estratificação que coloca milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza ocorre também na estrutura fundiária.
Segundo o INCRA, em 2003, 60% dos imóveis rurais brasileiros tinham área inferior a 25 hectares (2,5 milhões de propriedades) e ocupavam 6% da área total. No cume da pirâmide, apenas 70.000 imóveis respondiam por 45% da área.
É desses pequenos sítios, no entanto, que saem 70% da alimentação diária dos brasileiros. Em leite, feijão, mandioca, cebola, frango, legumes, hortaliças.
Será que o fato de fornecer segurança alimentar à população tem sido capaz de garantir a esses produtores alguma segurança?
Qual o lobby que os protege? A bancada ruralista no Congresso? A diretoria da CNA? Suas produções são aceitas como moeda de troca junto aos cartéis que vendem insumos? Algum apoio técnico lhes é prestado fora do estatal e das cooperativas? Financiamento a taxas favorecidas para mecanização através apenas dos bancos privados? Em não sendo o Estado, quem se responsabilizará por movimentar 2,5 milhões de pequenas propriedades?
Mas, afinal, quais foram os tamanhos do presente e da injustiça cometidos contra a agricultura empresarial que tanto incomodaram o Secretário paulista?
Do montante de R$ 109 bilhões de recursos financeiros prometidos para a agropecuária na próxima safra, R$ 15 bilhões serão destinados para custeio, comercialização e investimento do segmento familiar.
Entre outras medidas, aumentarão os limites de crédito, os juros irão variar de 1,5% a 5,5% ao ano, e se dará favorecimento na captação de capital de giro às cooperativas com até 70% de seus associados enquadrados no perfil da agricultura familiar.
Destinar R$ 15 bilhões de recursos para os vários projetos ligados ao PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar significa aumentar em mais de seis vezes o valor que permaneceu praticamente estagnado desde a sua criação, em 1995, até os primeiros anos desta década.
Aí sim, sem nenhum brilho.
Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.
De São Paulo
(do Terra Magazine, enviado por Carlão Oliveira)
Em artigo com o título "Nem tudo o que reluz é ouro", publicado na Folha de São Paulo de 11 de julho, o Sr. João Sampaio, secretário da Agricultura e do Abastecimento do Estado, critica o Plano Agrícola e Pecuário para a safra 2009/10.
Não entrarei em detalhes ou méritos. Em política, cargos oficiais costumam cristalizar pensamentos. Por dever de ofício, nunca o Secretário aplaudiria uma medida do governo federal.
Há, no entanto, uma posição do Sr. Sampaio que vale a pena discutir. A certa altura, escreve: "(...) se insistiu em tratar com diferenças as agriculturas empresarial e a familiar. Olhando pragmaticamente os interesses do Brasil, não cabem distinções sob o prisma ideológico. Ambas são fundamentais".
Está bem. Sejamos pragmáticos, expressão que bem serve aos travessos senhores do Poder. Deixemos de lado a ideologia, tolamente imposta como mais fora de moda do que a galocha. Finalmente, aceitemos as duas agriculturas como fundamentais, e teremos aí um Secretário feliz. Com um senão: é impossível concordar com a sua ideia de tratamento homogêneo para as agriculturas empresarial e familiar.
Ideais, ainda que esmaecidos, do governo atual e o bom período da economia que se seguiu à posse, permitiram ampliar os recursos destinados aos programas de inserção social.
E aí não importam os rótulos. Seja esmola, assistencialismo ou programa eleitoreiro, sabem os que precisam que a tal "diferença" faz-lhes a vida um pouco melhor. Isto, num país secularmente incapaz de resolver a miséria apenas através das atividades econômicas regulares.
Pois bem, a mesma estratificação que coloca milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza ocorre também na estrutura fundiária.
Segundo o INCRA, em 2003, 60% dos imóveis rurais brasileiros tinham área inferior a 25 hectares (2,5 milhões de propriedades) e ocupavam 6% da área total. No cume da pirâmide, apenas 70.000 imóveis respondiam por 45% da área.
É desses pequenos sítios, no entanto, que saem 70% da alimentação diária dos brasileiros. Em leite, feijão, mandioca, cebola, frango, legumes, hortaliças.
Será que o fato de fornecer segurança alimentar à população tem sido capaz de garantir a esses produtores alguma segurança?
Qual o lobby que os protege? A bancada ruralista no Congresso? A diretoria da CNA? Suas produções são aceitas como moeda de troca junto aos cartéis que vendem insumos? Algum apoio técnico lhes é prestado fora do estatal e das cooperativas? Financiamento a taxas favorecidas para mecanização através apenas dos bancos privados? Em não sendo o Estado, quem se responsabilizará por movimentar 2,5 milhões de pequenas propriedades?
Mas, afinal, quais foram os tamanhos do presente e da injustiça cometidos contra a agricultura empresarial que tanto incomodaram o Secretário paulista?
Do montante de R$ 109 bilhões de recursos financeiros prometidos para a agropecuária na próxima safra, R$ 15 bilhões serão destinados para custeio, comercialização e investimento do segmento familiar.
Entre outras medidas, aumentarão os limites de crédito, os juros irão variar de 1,5% a 5,5% ao ano, e se dará favorecimento na captação de capital de giro às cooperativas com até 70% de seus associados enquadrados no perfil da agricultura familiar.
Destinar R$ 15 bilhões de recursos para os vários projetos ligados ao PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar significa aumentar em mais de seis vezes o valor que permaneceu praticamente estagnado desde a sua criação, em 1995, até os primeiros anos desta década.
Aí sim, sem nenhum brilho.
Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.
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