sábado, 18 de julho de 2009

Cartinha de sábado

Meus caros amigos:
A maioria de vocês era muito jovem em 1989 (Gustavo, meu filho, tinha dez anos; imaginem minha idade) quando o País viveu sua primeira eleição direta para presidente da República (não custa lembrar que a palavra vem de res publica, do latim, coisa pública, do povo).
Aos fatos.
Era eleitor e, por sorte do destino, acompanhei o candidato Lula no segundo turno daquela eleição. Conheci boa parte do Brasil graças à besteira do jornal onde trabalhava, que me achou indicado como um sujeito capaz de equilibrar a cobertura, esta sempre pró-Collor. Não acho que tenha feito um belo trabalho, pois não tinha fontes fora daqui, era secado, não tinha esperteza et coetera. Mas fiz um trabalho decente.
Como eleitor, no primeiro turno votei, e não me arrependo, no candidato do Partido Comunista, o sr. Roberto Freire, hoje um notório malandro que jogou sua biografia ao lixo e coisa e tal. Votei no partido. Veio de Freire o PPS, mas ficou o velho Partidão, que continuo respeitando.
No segundo turno, votei com orgulho no candidato que viera do povo, o metalúrgico Lula. Perdeu para Fernando Collor de Mello, como se sabe, por artimanhas da política e resistência da sociedade, a imprensa inclusive.
Votei em Lula de novo na eleição seguinte, já no primeiro turno, mesmo simpatizando com o professor Fernando Henrique, e votei de novo em Lula e de novo até ele se eleger como representante do povo, e, depois, se reeleger.
Não, não me arrependo do voto que dei na época. Até agora Lula foi melhor, muito melhor que FHC.
Mas as artes da política - e a política é antes de tudo uma arte, assim definida pelo craque Nicolau Maquiavel - mudaram nosso companheiro.
Ao longo de dois mandatos, a pretexto de governar, com e para o povo, o companheiro Lula se afastou do povo, produziu (ele mesmo, sim) acordos espúrios, chutou a Constituição com suas medidas provisórias, acertou-se com o que há de pior no Congresso, nomeou o que há de mais nojento para alguns ministérios (Temporão, da Saúde, e Haddad, da Educação, não o absolvem), enfim, repetiu práticas de república bananeira.
Cansei-me, caros amigos.
A palha nas costas do camelo que sou, a gota d´água, o que restava de paciência foi se esgotando (como fadiga do material compreensão política) com vários episódios, até culminar com o caso Sarney, um notório bandido (vejam no You Tube: Maranhão 66, só pra começar).
Por fim, derrubado fiquei com a ida do companheiro às Alagoas, onde ele, patife político, abraçou-se, enlevou-se com Renan e - ele mesmo - Fernando Collor, o maior pulha da história da República brasileira. E olhem que conheço um pouco de história. Só não fiquei com saudade dos milicos porque deles não se deve ter saudade, apenas distância histórica. E que se mantenha distância deles.
Anfã, como diziam os árabes. Na alvorada da terceira idade, eu, velho sonhador, estou muito triste.
Um governante num sistema presidencialista precisa do Congresso para governar, mesmo obrigado a fazer certos e incertos acordos, concordo. Mas não pode se afastar do povo, pelo qual e para o qual existe.
Em nome do povo, nós, o companheiro Lula cuspiu em sua e na nossa biografia, chutou nossa inteligência, sentou-se em nossa paciência.
Não merecemos isso, "esse País" não merece.
Isso não é um choro arrependido nem declaração de voto no tucano Serra, que talvez agisse igualmente.
É só para dizer que o companheiro aceitou de vez o abraço do afogado com Sarney, Renan, Collor, PMDB e todos os seus picaretas.
É para dizer que Lula me deixa envergonhado.
O camarada Lênin o teria passado nas baionetas.
Não foi para isso que nossos irmãozinhos morreram nas ruas e nas matas, não foi para isso que nossos tios foram cassados e caçados, não foi para isso que muitos de nós demos muitos anos de nossa juventude, não é por isso que continuamos construindo nossa democracia.
É chato citar a Revolução dos Bichos, de Orwell (publicado aqui pelo milicos - traduzido pelo chefe de gabinete do Golbery, o capitão Heitor de Aquino Ferreira -, mas que depois voltou-se contra eles), mas hoje não sei mais quem é porco e quem é gente.
Prefiro lembrar o capitão Lamarca, de quem muita gente não gosta: Ousar lutar, ousar vencer.
Vamos que vamos.
Sonhar sempre vale a pena.
Grande abraço,
do amigo Jorjão, em homenagem a quem nos abraçou um dia e sempre, gente da estirpe do Graciliano Ramos, do Luiz Carlos Prestes, do marechal Floriano Peixoto, do Getúlio, do Dutra do "livrinho", do Juscelino, do Jango, do Gregório Bezerra, do Marighela, dos amigos do Araguaia, da Marina Silva, da Heloísa Helena, do Chico Mendes, do dr. Miguel "Arraia", do Francisco Julião, dos professores Sérgio Buarque, Chico de Oliveira, Florestan Fernandes, do dr. Walter Pecoits, dos doutores Vieira Neto, René Dotti, Raymundo Faoro, Lamartine Correia de Oliveira, José Carlos Dias, Heleno Fragoso, do dr. Ulisses Guimarães, dos democratas em geral e dos sonhadores em particular.
Suerte.

Ruy Castro, na Folha deste sábado (18)

Belo texto. Em minha modesta opinião, código penal chinês nessa gente.
Vamos esvaziar as prisões. Botar os pobres na rua. E chumbo nessa gente que nos rouba dinheiro e cidadania.

Que nem amebas
RIO DE JANEIRO - Antes dos Sarney, um clã notório por formação de quadrilha, digo, formação de família, foi o dos irmãos Frank e Jesse James, no velho oeste americano. O cinema os imortalizou em vários bangue-bangues.
Sim, eles eram apenas dois, mas a família se compunha também dos irmãos Quantrill e Ford, três ou quatro de cada um. Juntos, usando máscara e aquelas sugestivas capas de viagem chamadas guarda-pó, eles assaltavam trens, bancos e diligências -não para dar aos pobres, mas para dar para eles mesmos, que também eram pobres, até que, com tantos assaltos, deixaram de ser.
Os Sarney, compostos do patriarca Ribamar e vários filhos, se expandem numa legião de netos, sobrinhos, genros, noras e cunhados, todos com gordos empregos públicos. Como as amebas, que se dividem e se multiplicam, os Sarney incluem também as namoradas deles e até os irmãos delas, numa insaciável fome de vagas no Senado -vagas essas que, uma vez ocupadas, tornam-se "da família".
Embora pudessem se nomear uns aos outros, a dita conquista de espaços passa pelo crivo do Sarney mor, o qual cuida de que a família tenha também gente de fora, tipo cafeteiras e agaciéis, para garantir o funcionamento da ciranda. Que não se destina, evidentemente, à conservação desses empreguinhos, mas ao uso deles para o bom andamento dos negociões.
Um dia, Jesse James, o chefe da família, digo, da quadrilha, resolveu se aposentar. Sua cabeça estava a prêmio, e a recompensa por quem o entregasse, vivo ou morto, era polpuda. Bob Ford, um de seus asseclas, estava na pindaíba. Sabendo onde o ex-chefe morava, foi até lá e, disparando pela janela, matou-o pelas costas enquanto ele pendurava um quadro. Se Jesse tivesse se aferrado ao posto, conservando sua majestade, ninguém o trairia.