quarta-feira, 29 de julho de 2009

O ouro dos pobres

Rui Daher
De São Paulo
(do Terra Magazine, enviado por Carlão Oliveira)

Em artigo com o título "Nem tudo o que reluz é ouro", publicado na Folha de São Paulo de 11 de julho, o Sr. João Sampaio, secretário da Agricultura e do Abastecimento do Estado, critica o Plano Agrícola e Pecuário para a safra 2009/10.

Não entrarei em detalhes ou méritos. Em política, cargos oficiais costumam cristalizar pensamentos. Por dever de ofício, nunca o Secretário aplaudiria uma medida do governo federal.

Há, no entanto, uma posição do Sr. Sampaio que vale a pena discutir. A certa altura, escreve: "(...) se insistiu em tratar com diferenças as agriculturas empresarial e a familiar. Olhando pragmaticamente os interesses do Brasil, não cabem distinções sob o prisma ideológico. Ambas são fundamentais".

Está bem. Sejamos pragmáticos, expressão que bem serve aos travessos senhores do Poder. Deixemos de lado a ideologia, tolamente imposta como mais fora de moda do que a galocha. Finalmente, aceitemos as duas agriculturas como fundamentais, e teremos aí um Secretário feliz. Com um senão: é impossível concordar com a sua ideia de tratamento homogêneo para as agriculturas empresarial e familiar.

Ideais, ainda que esmaecidos, do governo atual e o bom período da economia que se seguiu à posse, permitiram ampliar os recursos destinados aos programas de inserção social.

E aí não importam os rótulos. Seja esmola, assistencialismo ou programa eleitoreiro, sabem os que precisam que a tal "diferença" faz-lhes a vida um pouco melhor. Isto, num país secularmente incapaz de resolver a miséria apenas através das atividades econômicas regulares.

Pois bem, a mesma estratificação que coloca milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza ocorre também na estrutura fundiária.

Segundo o INCRA, em 2003, 60% dos imóveis rurais brasileiros tinham área inferior a 25 hectares (2,5 milhões de propriedades) e ocupavam 6% da área total. No cume da pirâmide, apenas 70.000 imóveis respondiam por 45% da área.

É desses pequenos sítios, no entanto, que saem 70% da alimentação diária dos brasileiros. Em leite, feijão, mandioca, cebola, frango, legumes, hortaliças.

Será que o fato de fornecer segurança alimentar à população tem sido capaz de garantir a esses produtores alguma segurança?

Qual o lobby que os protege? A bancada ruralista no Congresso? A diretoria da CNA? Suas produções são aceitas como moeda de troca junto aos cartéis que vendem insumos? Algum apoio técnico lhes é prestado fora do estatal e das cooperativas? Financiamento a taxas favorecidas para mecanização através apenas dos bancos privados? Em não sendo o Estado, quem se responsabilizará por movimentar 2,5 milhões de pequenas propriedades?

Mas, afinal, quais foram os tamanhos do presente e da injustiça cometidos contra a agricultura empresarial que tanto incomodaram o Secretário paulista?

Do montante de R$ 109 bilhões de recursos financeiros prometidos para a agropecuária na próxima safra, R$ 15 bilhões serão destinados para custeio, comercialização e investimento do segmento familiar.

Entre outras medidas, aumentarão os limites de crédito, os juros irão variar de 1,5% a 5,5% ao ano, e se dará favorecimento na captação de capital de giro às cooperativas com até 70% de seus associados enquadrados no perfil da agricultura familiar.

Destinar R$ 15 bilhões de recursos para os vários projetos ligados ao PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar significa aumentar em mais de seis vezes o valor que permaneceu praticamente estagnado desde a sua criação, em 1995, até os primeiros anos desta década.

Aí sim, sem nenhum brilho.


Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.

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