sábado, 11 de julho de 2009

Leitura obrigatória

JOÃO SAMPAIO (na Folha de S. Paulo deste sábado (11/07)

Nem tudo o que reluz é ouro

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O Plano Agrícola não contém medidas eficazes sequer para facilitar e flexibilizar o acesso dos produtores ao crédito
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O NÚMERO -R$ 107,5 bilhões- é vistoso, assim como o ato político no qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Plano Agrícola e Pecuário para a safra 2009/2010. Entretanto, conferindo atualidade ao velho ditado de que "nem tudo o que reluz é ouro", o volume dos recursos e o aumento de 37,7% em relação ao programa anterior não escondem as lacunas do pacote.
Não se abordou com devido empenho o seguro rural e se insistiu em tratar com diferenças a agricultura empresarial e a familiar. Olhando pragmaticamente os interesses do Brasil, não cabem distinções sob o prisma ideológico. Ambas são fundamentais.
A agricultura empresarial, voltada à exportação de commodities, é responsável pelo superávit comercial e pelas reservas cambiais, que nos permitem navegar com certa tranquilidade no mar revolto da crise mundial.
A agricultura familiar, mais focada na produção de alimentos, é fiadora da segurança do abastecimento e da estabilidade dos preços.
Outra falha foi a ausência de um conjunto de medidas eficazes para melhorar o crédito rural. Ação urgente seria a diminuição dos juros cobrados nos Recursos Obrigatórios (RO), que não têm acompanhado a queda da Selic (taxa básica de juros).
Também é preciso lembrar que os produtores tiveram o seu grau de risco aumentado pelos agentes financeiros em decorrência de renegociações de dívidas antigas. Quanto mais elevado o risco, maior o "spread" e menor a possibilidade de se obter o crédito.
Medida para solucionar já a questão seria revisar a resolução 3.499, do Conselho Monetário Nacional (CMN), relativa à reclassificação de risco das operações de crédito rural.
É premente viabilizar a produção dos agropecuaristas endividados (a dívida rural já supera R$ 140 bilhões). O ideal seria que o produtor com mais de um empréstimo no mesmo banco não tivesse, como ocorre, todos os contratos enquadrados como de alto risco.
Há uma proposta alterando essa distorção, encaminhada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) à equipe econômica do governo federal, mas a morosidade da análise gera insegurança.
É importante deixar claro que, por lei, 25% dos depósitos à vista e 65% da poupança devem ser aplicados pelas instituições financeiras no crédito rural, mas há imensa contradição na mesa do gerente do banco. No Banco do Brasil, cerca de 30% da carteira agrícola está comprometida com operações prorrogadas.
Ora, o BB não pode agir como instituição privada, afastando-se do seu papel histórico como fomentador da agropecuária e abrindo mais espaço à formação de oligopólio de "trading companies" multinacionais, que já controlam a maior parte do financiamento da safra das principais commodities brasileiras.
Em suma, o pacote não contém medidas eficazes sequer para facilitar e flexibilizar o acesso ao crédito, e é preciso desonerar os produtores. Sem isso, o efeito pirotécnico do lançamento do plano será muito maior do que seu real impacto positivo. O próprio volume dos recursos, embora muito valorizado na retórica oficial do Planalto (já em prematura campanha eleitoral para 2010), ficou aquém do esperado.
A frustração somente não produz insegurança maior porque a crise econômica encarregou-se de diminuir o custeio da produção. A inquietação persiste no campo, onde há todo um Brasil, muitas vezes esquecido, à espera de soluções concretas para cumprir sua profecia de celeiro do mundo.

JOÃO SAMPAIO, economista, é secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Consea (Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável).

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