Paulo Nogueira, no Brasil 247
Os dois têm, em comum, o nome estranho e improvável e a nacionalidade brasileira.
Thor e Wanderson.
O resto são diferenças que jamais os levariam a se encontrar. Thor,
1%, para usar a expressão consagrada no protesto Ocupe Wall St, anda num
carro de quase 3 milhões de reais, uma McLaren. As multas por excesso
de velocidade que Thor recebeu no período “probatório”, em que o
motorista é testado logo depois de receber carteira de motorista,
deveriam tê-lo impedido de dirigir. Mas regras no Brasil não costumam
ser aplicadas para o 1%. A família de Thor tem dinheiro e as conexões
que isso traz: não há muito tempo, o governador do Estado tomou carona
no helicóptero do pai de Thor, um homem cuja maior ambição não é ser o
homem mais sábio do mundo, ou o mais feliz, ou o mais generoso — e sim o
mais rico, um recordista de moedas.
Wanderson é o 99%. Bicicleta em vez de McLaren, e não por modismo ou
por consciência ecológica. Simplesmente por necessidade. Feio por não
ter a boniteza outorgada pelo dinheiro: não poderia comprar o corpo de
jogador de rugby adquirido por Thor com duas horas de exercícios
diárias, e nem as roupas, e nem os produtos de beleza. Pobre não pode
aspirar a grandes feitos estéticos, e nem pequenos, para ser franco.
Contra todas as probabilidades, Thor e Wanderson, com suas vidas
paralelas e opostas, acabaram se encontrando na noite de sábado, numa
estrada. Foi um encontro rápido. Thor em sua McLaren e Wanderson em sua
bicicleta. Thor mal viu Wanderson. Salvo em circunstâncias excepcionais,
os 99% são invisíveis.
No final da reunião relâmpago, Wanderson estava em pedaços, destruído
pela McLaren. A imprudência, segundo o pai de Thor, foi de Wanderson.
Não há surpresa nisso porque no Brasil a culpa sempre foi dos 99%.
E agora Thor retoma sua vida de herdeiro enquanto Wanderson
lentamente vai desaparecendo de nossas mentes e de nossas conversas até
ser devolvido à miserável invisibilidade em que esteve imerso até o
breve encontro de sábado à noite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário