Retirada do site Jacobina
Da esperança na socialização entre humanos e golfinhos até suas
alegações de que os OVNIs foram enviados por comunistas alienígenas, as crenças
quixotescas de J. Posadas são lendas em inúmeros memes. Porém, uma nova
biografia sugere que o trotskista argentino não era um ponto tão fora da curva
assim – e explica por que seu otimismo revolucionário segue atraindo tanta
veneração hoje em dia.
Entrevista de A. M. Gittlizt a David Broder*
Tradução de Everton Lourenço
Posadas (1912–1981) é um dos trotskistas mais famosos – e mais
ridicularizados -, notório tanto pelas seitas que ele batizou com seu nome
quanto por sua afirmação de que os OVNIs seriam evidências de sociedades
comunistas em outras galáxias. Juntamente com sua crença de que a guerra
nuclear poderia acelerar o advento do comunismo (e suas esperanças de que os
golfinhos pudessem ser integrados à nova sociedade), nos últimos anos a
xenofilia de Posadas tem alimentado sua transformação em uma lenda por meio de inúmeras
páginas de memes, chegando até mesmo na encenação live action na
forma da assembléia posadista dos socialistas democráticos da
América.
Para A.M. Gittlitz, autor de um novo livro sobre J. Posadas, essa
veneração irônica do trotskista argentino também tem algo a dizer sobre o nosso
momento político. Em tempos em que é difícil acreditar no futuro, o feroz
otimismo de Posadas aparece como uma caricatura de convicção sincera e do puro
senso de crença que hoje estão quase perdidos para nós. Em Eu quero acreditar: posadismo, OVNIs e comunismo
apocalíptico [Autonomia Literária, 2024], resultado
de uma vasta pesquisa, Gittlitz documenta o lado mais sério do ativismo de
Posadas no trotskismo latino-americano do pós-guerra, ao mesmo tempo em que
sugere que mesmo suas alegações mais estranhas não estavam tão desconectadas da
ufologia da época.
David Broder – que traduziu para o inglês o ensaio de Posadas Discos voadores, o processo da
matéria e da energia, ciência, o revolucionário, a luta da classe trabalhadora
e o futuro socialista da humanidade – conversou com
Gittlitz sobre o interesse de Posadas no extraterreno, o envolvimento de seus
camaradas na Revolução Cubana e como ele se tornou uma lenda online.
DB
Primeiro, vamos falar sobre Posadas, o homem. Alguns dos comentários
citados no livro – notavelmente, sua previsão de que as piadas seriam
“desnecessárias” no comunismo – o fazem parecer uma figura intensamente
ascética, mas isso também parece estar ligado à sua projeção de comprometimento
e seriedade militantes. Que tipo de experiências formativas levaram Posadas em
direção à sua visão de organização e de “moralidade revolucionária”?
AMG
Seu ascetismo veio de uma certa interpretação da concepção de Lenin e
Leon Trotsky de um partido de vanguarda disciplinado, difundido no Bureau
Latino-Americano da Quarta Internacional. Mas muitas das características de
seita e das visões utópicas bizarras vinham de suas próprias idiossincrasias.
Posadas, nascido Homero Cristalli, cresceu em intensa pobreza com (pelo
menos) nove irmãos na classe trabalhadora de Buenos Aires nas décadas de 1910 e
1920. Após a morte prematura de sua mãe, eles tiveram que pedir ovos aos
vizinhos, trabalhar em bicos em troca de moedas e às vezes subsistiam às custas
de bananas verdes por dias a fio. A desnutrição o deixou com problemas
permanentes de saúde e com a crença de que precisamos consumir muito menos do
que o normal no capitalismo.
Nos seus vinte anos, seu incansável trabalho de distribuição de jornais
para a Juventude Socialista chamou a atenção do pequeno ambiente
proto-trotskista de Buenos Aires, e ele foi recrutado como organizador
sindical. Embora não fosse um intelectual, sua atenção diligente às tarefas que
lhe eram atribuídas o tornaram um ativo valioso no fraturado campo de
comunistas anti-stalinistas. Foi somente na década de 1950, quando ele subira
ao cargo de secretário do Bureau Latino-Americano (BLA), que alguns membros do
movimento começaram a relatar que Posadas era maluco. Ele exigia que seus
militantes se ajustassem ao seu próprio estilo de vida de sono leve e de
interminável produção, tradução e distribuição de textos.
Quando lhe foi negada a liderança da Quarta Internacional em 1961, e o
BLA rachou em uma Internacional própria, ele tornou a “moralidade
revolucionária” em algo central para o movimento. O sexo não procriativo,
especialmente entre militantes que não eram casados, foi proibido. Posadas
esperava que o desejo sexual desaparecesse sob o comunismo, e que talvez a
tecnologia substituísse o sexo por completo – o que também refletia o próprio
casamento sem sexo de Posadas.
No início da década de 1970, o severo “monolitismo” autoritário de
Posadas, seus textos cada vez mais estranhos e a grande repressão de seu movimento
na América Latina levaram a maioria da juventude e da classe trabalhadora a
deixar a Internacional. Depois vieram as expulsões do movimento de seu núcleo
intelectual restante – marxistas sérios como Guillermo Almeyra e Adolfo Gilly.
Os únicos que sobraram eram jovens militantes que entraram no socialismo apenas
por meio dos textos de Posadas e que mal haviam lido Marx ou Trotsky.
Ele acreditava que o reduzido tamanho e a inexperiência de seu movimento
eram uma virtude – pois esses militantes poderiam ser perfeitamente
harmonizados como transmissores de suas idéias aos líderes dos estados dos
trabalhadores que, pensava ele, construiriam a sociedade comunista após a
esperada Terceira Guerra Mundial. Vida comunal, submissão a um líder
carismático, previsões sobre o dia do juízo final, sessões abusivas de
autocrítica, espirais crescentes de comprometimento, separação dos militantes
de seus parceiros e famílias e a tomada de jovens militantes como parceiros
sexuais tornam justo qualificar o Posadismo como um culto. Mas, em comparação
com dezenas de outras organizações leninistas do pós-guerra de vários tamanhos,
essas características não eram, de maneira nenhuma, algo único.
DB
Posadas desempenhou um papel importante no trotskismo latino-americano,
especialmente no período da Revolução Cubana. No entanto, seus seguidores
entraram em conflito aberto com Che Guevara e Fidel Castro. Você pode nos
contar sobre o papel que eles desempenharam, o lugar que a luta de guerrilha
tinha no pensamento de Posadas e por que esse relacionamento se desfez?
AMG
Internacionalmente os trotskistas eram céticos em relação à
revolução de Castro por toda a década de 1950, mas o pequeno círculo de
trotskistas cubanos eram apoiadores entusiásticos. Alguns lutaram nas serras de
Guantánamo, e um foi um camarada próximo de Castro, que navegou com ele
no Granma em 1956. Após a revolução, eles rapidamente formaram
o Partido Obrero Revolucionario (Trotskista) (POR (T)) sob a
BLA de Posadas, e foram autorizados a usar a rádio estatal para organizar seu
primeiro congresso. Eles começaram a organizar uma forte rede por toda a classe
trabalhadora cubana, pressionando pela formação dos soviétes, pela
nacionalização da indústria e pela expulsão da base militar de Guantánamo.
O Partido Socialista Popular (PSP), alinhado com Moscou, rapidamente
identificou o POR(T) como uma ameaça à revolução. A URSS esperava que Cuba
seguisse sua política de “coexistência pacífica” com os Estados Unidos. No
entanto, em muitas questões, Castro e Guevara tendiam a estar mais próximos do
radicalismo do POR(T), desafiando os Estados Unidos com a nacionalização de
dezenas de indústrias e serviços públicos em 1960.
As primeiras tentativas dos agentes do PSP de reprimir os trotskistas
foram frustradas por Guevara. Porém, após a invasão da Baía dos Porcos em 1961
e a crise dos mísseis de 1962, o POR (T) continuou pressionando uma retórica
belicosa contra a política de détente da União Soviética.
Fidel, assim, deu aval ao PSP para reprimir os trotskistas, até que quase todos
os membros fossem presos.
Mesmo assim, os posadistas apoiavam Castro internacionalmente – mas,
acima de tudo, apoiavam Guevara. Adolfo Gilly escreveu na revista Monthly
Review que as políticas de Guevara como ministro da indústria eram
adequadamente anticapitalistas, baseadas em uma força de trabalho disciplinada,
motivada pelo entusiasmo revolucionário, ao invés das iniciativas capitalistas
de “autogestão dos trabalhadores” promovidas pelo Ministério da Agricultura,
administrado pelo PSP. Quando se tratava de confronto, os posadistas ficaram
impressionados com o fato de Guevara frequentemente afirmar que a guerra
nuclear poderia ser um mal necessário para derrotar o imperialismo – e viam sua
concepção da célula de guerrilha de foco como uma variante do
terceiro mundo do conselho de trabalhadores soviético. Posadas experimentou
essa idéia na Guatemala, onde se tornou a figura ideológica dos rebeldes do
MR-13, os impelindo a formar conselhos de camponeses revolucionários armados
por onde passassem.
Quando Guevara renunciou ao governo e desapareceu, os posadistas
escreveram que Fidel o tinha matado, sob pressão dos soviéticos. Isso,
juntamente com a guerra de guerrilha na Guatemala, que descambou para uma
contra-insurgência genocida, enfureceu Fidel o suficiente para que ele
denunciasse Posadas e o trotskismo em geral no Congresso Tricontinental de
1966. Quando, enfim, Guevara foi morto pelo exército boliviano no ano seguinte,
Posadas chamou a foto de seu cadáver de falsificação.
DB
Posadas é provavelmente mais famoso por seus comentários sobre os OVNIs
como precursores de uma sociedade mais desenvolvida – e, portanto,
pós-capitalista. Você cita o filho dele, Léon Cristalli, minimizando esse foco,
comentando: “Quando Carl Sagan diz isso, está tudo bem, mas quando Posadas
disse isso… ele era um doido planetário”. O interessante aqui é a sugestão de
que o que Posadas escreveu teria sido extraído de um fenômeno cultural mais
amplo, a UFOlogia dos anos 50-60 e também o cosmismo bolchevique. O que
exatamente havia de novo na intervenção de Posadas sobre esse tema?
AMG
Cristalli está certo em defender esse aspecto do trabalho de seu pai
dessa maneira. Sagan foi pioneiro na ciência astrobiológica e, na minha
opinião, na ciência política da Busca Por Inteligência Extraterrestre (SETI, na sigla em inglês). Junto com o
astrofísico soviético Iosif Shklovsky, Sagan representava o pólo mais otimista
no SETI, iniciando projetos como o Allen Telescope Array e o Voyager Gold Record, baseado em premissas
muito semelhantes à lógica principal por trás do ensaio de Posadas sobre OVNIs
– ou seja, que se existem civilizações alienígenas contemporâneas e
comunicáveis, elas tiveram de se sustentar por milhares de milênios. Elas
devem, então, ter conseguido superar ou evitar por completo nossos próprios
impulsos imperialistas e autodestrutivos – e que, portanto, se tivermos a
capacidade de contatá-los, devemos fazê-lo sem medo. Shklovsky até mesmo
escreveu que seria o marxismo que levaria a humanidade a essa longevidade de
nível superior. Sagan mantinha suas simpatias esquerdistas perto do peito, mas
ele não discordava, exatamente.
Mas o ensaio de Posadas de 1968 sobre os OVNIs não era tanto uma questão
de comprometer seu movimento com a UFOlogia, ou de restaurar a tradição
cosmista no comunismo, mas sim de estabelecer um debate interno dentro do
núcleo intelectual do movimento sobre a realidade e o significado dos OVNIs.
Sim, o fenômeno é real, ele disse, e se pudermos contatá-los, deveríamos fazer
isso. Mas ele acrescentou que seus camaradas não deveriam se concentrar muito
em tentar fazer isso ou em especular sobre o que os OVNIs estão fazendo aqui ou
como seria a sociedade deles – pois temos tudo o que precisamos para criar uma
utopia sustentável na Terra, neste momento. Ele manteve sua crença, mas jamais
voltou a escrever publicamente sobre o assunto.
DB
Uma figura-chave aqui é Dante Minazzoli. Você pode nos contar sobre o
interesse dele em UFOlogia e o que seus camaradas pensavam disso? Houve um
certo ponto em que o Posadismo se tornou principalmente “famoso” entre outros
grupos trotskistas justamente por causa desse foco?
AMG
Dante Minazzoli e Homero Cristalli fundaram o Grupo Cuarta
Internacional (GCI) em meados da década de 1940 como um pequeno
círculo de militantes proletários comprometidos com a visão de Trotsky do
estabelecimento da Quarta Internacional como uma vanguarda revolucionária
mundial. Naquele momento, Posadas era apenas um pseudônimo
coletivo e, como Cristalli não era muito de escrever, Minazzoli provavelmente
escreveu muito do que foi publicado sob o nome J. Posadas. De certa forma,
Minazzoli era tanto Posadas quanto o próprio Posadas; embora tenha sido um
discurso de Posadas que se tornou o famoso ensaio sobre OVNIs, seu conteúdo se
baseava nas hipóteses extraterrestres que Minazzoli há muito mantinha.
Em 1947, após a história de Kenneth Arnold sobre discos voadores e as
notícias do incidente de Roswell se
espalharem por tablóides em todo o mundo, houve uma enxurrada de avistamentos
de OVNIs na Argentina. Influenciado desde cedo pela ficção científica e pela
literatura cosmista de Camille Flammarion, Minazzoli acreditava que os seres
humanos são apenas uma espécie entre muitas no universo, e que nosso destino é
nos encontrar e confraternizar com elas. Ele instava seus camaradas no GCI para
que analisassem o fenômeno, mas eles o proibiram de falar sobre isso.
Duas décadas depois, quando os líderes da Internacional Posadista se
consideravam os sucessores legítimos de Trotsky e Lenin e, portanto, a
vanguarda intelectual da revolução mundial, Minazzoli trouxe à tona sua tese
novamente no contexto de um grupo de leitura sobre Anti-Dühring de
Friedrich Engels e Materialismo e empiro-criticismo, de Lenin. Ele
apresentou um argumento materialista dialético para a existência de vida
extraterrestre e um argumento político de que os OVNIs estariam aqui para nos
observar enquanto alcançamos o socialismo, para que pudéssemos ser bem-vindos
na comunidade galáctica. Provavelmente ele não estava sozinho nessa crença, mas
outros líderes da Internacional, como Guillermo Almeyra, pediram que ele
deixasse de lado essa questão.
Mas a insistência de Minazzoli no assunto levou Posadas a tecer um
comentário. O discurso transcrito foi publicado em alguns dos jornais
posadistas em todo o mundo. Militantes de outros grupos trotskistas já liam a
imprensa posadista por causa de suas bizarras teorias da conspiração, previsões
e homilias sobre a moral revolucionária. O ensaio sobre OVNis se tornou um
clássico cult entre eles. Rumores espalharam-se pelo fraturado
movimento trotskista como uma evidência de que seus rivais eram realmente
loucos – e que eles haviam escolhido seus séquitos corretamente.
DB
Você nos conta que Posadas voltou a chamar atenção – ou que talvez o
neo-posadismo tenha surgido, de uma maneira sem precedentes – nos anos de 2010,
graças a páginas de memes como a Liga dos Trabalhadores Intergalácticos – Posadista,
concentrando-se tanto em suas esperanças catastrofistas na guerra nuclear
quanto em suas visão quimérica de uma nova sociedade onde os homens viveriam em
comunhão com os golfinhos. No seu relato, isso não é apenas porque Posadas
fosse engraçado, mas porque a veneração irônica de seu otimismo revolucionário
extremo de alguma maneira se encaixa no clima do nosso tempo. Você poderia
explicar um pouco mais sobre isso?
AMG
Embora um punhado de posadistas tenha continuado (e ainda continue) sua
militância, o movimento em grande parte desapareceu até mesmo de sua pequena
relevância no interior do trotskismo após a morte de Posadas em 1981. Porém, o
ensaio sobre OVNIs e seu entusiasmo pela guerra nuclear continuaram lendários
entre os trotskistas e curiosos sobre pequenas seitas revolucionárias de
esquerda. Entre eles estava Matthew Salusbury, um estagiário em
uma revista sobre fenômenos paranormais, a Fortean Times.
Ele publicou um artigo dizendo que os posadistas britânicos do Partido dos
Trabalhadores Revolucionários eram um “culto OVNI trotskista”.
Embora se inclinasse de maneira hiperbólica sobre o ângulo OVNI e tenha
desenterrado, pela primeira vez, a obsessão de Posadas pelos golfinhos no final
da vida, o artigo tornou-se a principal referência na página sobre Posadas na
Wikipedia, provocando muitas discussões imaginativas em fóruns de discussão
esquerdista online. Em 2012, você traduziu o ensaio sobre OVNI para o inglês na
Marxists.org, que mostrava que seu interesse por alienígenas era mais do que
apenas uma lenda. Depois, em 2016, quando a insanidade das eleições nos EUA e
no Reino Unido radicalizou cantos bizarros da internet, o conceito de Aaron Bastani de um Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado decolou
como um meme de esquerda.
O “espacial” foi acrescentado ao esquema, e naturalmente seguiram-se
imagens cartunescas de Posadas ao lado de nuvens de cogumelos, discos voadores
e golfinhos saltando no espaço. A Liga dos Trabalhadores Intergalácticos – Posadista foi
provavelmente a página de memes derivada de tudo isso que obteve maior sucesso.
Até o momento, produziu centenas de memes, ganhou dezenas de milhares de
seguidores e seus administradores ocasionalmente se aventuram a aparecer à
caráter em alguma marcha de primeiro de maio ou a outro evento de esquerda.
Como resultado dos memes, Posadas se tornou (pelo menos na esfera
anglófona) um dos nomes mais notórios do panteão da história do socialismo
revolucionário – superando seus rivais e, às vezes, ultrapassando o próprio
Trotsky em termos de pesquisas no Google. Algumas pessoas te criticado esse
entusiasmo como uma crueldade, citando um falso boato de que Posadas teria enlouquecido
por causa de torturas, ou que os memes sobre Posadas não levam a sério a
história de um movimento que fez contribuições heróicas ao movimento
trabalhista sul-americano e que viu dezenas de seus militantes serem mortos e
torturados.
É um argumento justo, e é por isso que a maior parte do meu livro
oferece uma história sóbria sobre as origens e visões políticas da
Internacional Posadista. No entanto, eu também vejo um lado disso de maneira
mais positiva. Hoje, os jovens de esquerda se encontram entre um século de
contra-revolução e um futuro que parece destinado a continuar afundando
lentamente na distopia. Posadas, que ganhou destaque na década de 1950 com a
disseminação da revolução colonial e que tornou comum entre os revolucionários
a crença de que uma terceira guerra mundial nuclear seria iminente, era o
pensador “catastrofista” mais extremo – acreditando que a guerra era necessária
e desejável, e que a utopia estava do outro lado.
Então, uma maneira de ler os memes posadistas, na ausência de uma guerra
mundial em potencial entre o comunismo e o capitalismo, é que “estamos fodidos,
disparem as armas nucleares, acabem logo com isso”. Mas também há abertura para
outra possibilidade – que algo estranho e inesperado possa acontecer – o
surgimento de um novo Lênin, um despertar em massa (meio que religioso) da
classe trabalhadora ou um desastre que devaste a ordem dominante, deixando a
classe trabalhadora para reconstruir o mundo em nossos próprios termos.
Basicamente, quem acredita que a revolução comunista é possível pensa em algo
assim, mesmo que para a maioria das pessoas isso seja tão ridículo quanto
esperar pelos alienígenas.
DB
Parece também que a veneração do Posadismo coincidiu com o colapso de
outras organizações revolucionárias de estilo próprio nos últimos anos – de
fato, na Grã-Bretanha, isso também foi expresso por páginas de memes como
a Proletarian Democracy, que convocava uma “Sétima Internacional” e
pedia aos leitores que participassem de uma campanha de arrecadação para uma
“bomba dos trabalhadores”. Será que zombar de Posadas não seria uma maneira de
lidar com nossa decepção em relação ao leninismo – ou só um bode expiatório
fácil?
AMG
Por décadas, Posadas era como um espelho de parque de diversões, no qual
esquerdistas sectários podiam rir de sua própria imagem distorcida. O humor em
torno de Posadas hoje é totalmente diferente. As pessoas que gostam dos memes
(alguns ex-trotskistas entre eles, mas em geral o grupo demográfico é de jovens
que nunca se envolveram em militância) não estão rindo de uma estranha seita
dentro do trotskismo, ou do trotskismo em geral, ou do leninismo em geral, mas
da totalidade da tradição socialista revolucionária fracassada.
Ironicamente, porém, não é uma zombaria crítica – é mais irônica e
absurda. Penso que, no fundo, há uma curiosidade sobre aqueles que certa vez
acreditaram em qualquer coisa tão fortemente que lutariam e
morreriam por isso. Há um respeito por isso, que vem de um lugar onde a pessoa
deseja fazer parte de algo assim, mas não é capaz de acreditar de verdade.
DB
Além de explorar as idéias mais estranhas do Posadismo, esta é uma
biografia ricamente texturizada sobre o próprio homem. Pode nos contar um pouco
sobre por que você quis escrever este livro – e como conseguiu reunir essa
história?
AMG
Eu pretendia escrever uma história de ficção científica, algo como
uma trilogia Illuminatus comunista,
com o Posadismo como elemento principal. Mas, conforme pesquisava, fiquei muito
mais interessado na história real – e sobre a qual muito pouco havia sido
escrito em inglês.
Visitei os principais arquivos de documentos internos do movimento em
Amsterdã e Londres e encontrei materiais adicionais em Paris, na Universidade
de Stanford, na Cidade do México, em Montevidéu e na Argentina. Enquanto estava
em Buenos Aires, bati na porta de León Cristalli, hoje secretário da pequena
Internacional, mas ele se recusou a falar comigo. Mais tarde, ouvi dizer que
ele se gabava de se recusado a atender um agente imperialista do New
York Times. O secretário da seção uruguaia também relutou em falar comigo,
mas era tão amigável que não conseguiu se conter e acabamos conversando por
algumas horas. Também tive a sorte de conhecer um posadista cubano original na
conferência de Trotsky, em maio de 2019, em Havana. Embora muitos trotskistas
veteranos que conheci descrevessem Posadas com pouco mais de que piadas
desagradáveis, todos eles respeitavam muito os militantes originais do BLA.
Por meio de Sebastian Budgen, conversei com um ex-militante da seção
italiana, Luciano Dondero, que aludiu a partes não contadas da história,
especialmente intrigantes, como o escândalo sexual que serviu de pretexto para
a expulsão do núcleo intelectual e a filha que Posadas teve no final da vida, e
que foi preparada para ser sua herdeira messiânica. Outros detalhes pessoais da
vida de Posadas, desde suas memórias antigas ao testemunhar a quase
revolucionária Semana Trágica de 1919 se desenrolando
de sua janela em Buenos Aires, até seu apoio direto às insurreições de guerrilha
na Argélia, em Cuba e na Guatemala, seu fracasso em reconhecer a importância
das revoltas de 68, a repressão do movimento sob as ditaduras da Operação
Condor e a sua triste derrocada como uma seita autoritária marginal serviram
como uma história comovente – um exemplo que corresponde ao arco de fracassos
do socialismo revolucionário no século XX.
Ao mesmo tempo, fiquei fascinado com o trotskismo – que eu nunca havia
levado a sério anteriormente. Sua concepção de militância era muito diferente
daquilo com que eu estava acostumado, tendo crescido no meio anti-autoritário e
anti-globalização. Acho aquele nível de compromisso com um programa uma
tradição realmente admirável que minha a geração não possui. Também parece
óbvio que as dezenas de revoltas globais que presenciamos nos últimos anos
teriam sido mais fortes com algum nível de coordenação internacional e com uma
concepção orientadora do que significa ser anticapitalista, de como a classe
trabalhadora pode tomar o poder e sobre o que fazer depois.
Isso não quer dizer que uma Quarta Internacional ressurgente, ou que um
FORA (a união anarco-comunista da qual os pais de Posadas e Minazzoli faziam
parte), ou que qualquer nova tentativa de um modelo antigo funcionaria, mas é
importante entender o que eles estavam tentando alcançar, por que foram
estabelecidos e por que falharam. No 18 de Brumário, Marx escreveu
sobre como os revolucionários que se vêem em situações desesperadoras buscam
conjurar figuras do passado na esperança de encontrar novas maneiras de avançar.
Já é irônico o suficiente ressuscitar Lenin, Stalin ou Mao para esse fim, e o
trotskismo sempre teve esse estranho tom de auto-derrotismo. Com Posadas, pelo
menos, não há como confundir a ironia inerente à tarefa necessária de criar
algo radicalmente novo a partir das ruínas da história.
é autor de I Want to Believe: Posadism, UFOs and Apocalypse
Communism ("Eu quero acreditar: Posadismo, OVNIs e Comunismo
apocalíptico").
é historiador do comunismo francês e italiano. Ele está atualmente
escrevendo um livro sobre a crise da democracia italiana no período pós-Guerra
Fria.