Celso Rocha de Barros, na Folha SP.
Ou por que ainda se pode ler a Folha SP.
O Congresso Nacional ameaça obrigar Haddad a
fazer o ajuste fiscal no lombo dos pobres se o STF não autorizar que
congressistas roubem dinheiro da saúde pública.
No fim de semana passado, todos tivemos a impressão de que o governo
Lula e o Congresso tinham chegado a um bom acordo sobre como fazer o ajuste
fiscal sem aquela confusão do IOF.
No meio da semana, tudo mudou: o Congresso avisou que não vai passar
nada que seja do interesse do governo. O que aconteceu?
As propostas do governo continuaram as
mesmas: ao invés de mexer tanto no IOF, taxar um pouco investimentos que não
eram taxados em nada; e rever benefícios fiscais bilionários para empresas que
muito raramente são obrigadas a oferecer qualquer contrapartida. Um bom
dinheiro seria economizado, e o maior sacrifício viria de gente que está bem de
vida, como eu, que sempre investi em LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio,
que agora pagarão 5% de imposto).
O Congresso já havia topado tudo isso, mais ou menos. Só que aí pegaram
a rapaziada roubando dinheiro de remédio.
Três ONGs especializadas em combate à corrupção —Associação Contas
Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional Brasil— avisaram o
STF que congressistas brasileiros podem estar usando suas emendas parlamentares
para roubar bilhões de reais em um "orçamento secreto da saúde".
No último 10 de junho, o ministro Flávio Dino enviou um pedido de esclarecimentos ao
Congresso.
O Congresso interpretou a solicitação de Dino como uma ação orquestrada
com o governo Lula para intimidar os parlamentares. Por isso Hugo Mota e vários
partidos de direita mudaram de opinião sobre o pacote de Haddad.
Não, não é porque estão preocupados com o aumento da carga tributária:
um dos motivos dos seus impostos serem altos, leitor, é o calote que a lei
permite aos ricos. Se eles não pagam a parte deles na vaquinha, aumenta a parte
de quem paga. O governo pode até ser obrigado a cortar grana dos pobres (acho
que será), mas isso deveria ser a última opção.
Bolsonaristas como Nikolas Ferreira e Carlos Jordy correram para fazer
parecer que a briga com Haddad era sobre déficit público. Desde o fracasso do
último golpe, e enquanto esperam o próximo, os bolsonaristas no Congresso fazem
bico como seguranças do Centrão.
A propósito, tenho sérias dúvidas se a ação de Dino foi mesmo coordenada
com Lula.
Em primeiro lugar, porque as denúncias das ONGs são muito sérias, e o
papel de Dino, neste caso, era mesmo pedir esclarecimentos. Afinal, a
Constituição claramente estabelece que não pode ir no hospital roubar dinheiro,
é errado isso, não pode, nem o Ives Gandra, que às vezes inventa uns negócios
sobre Constituição, acha que pode.
Em segundo lugar, porque duvido que o governo Lula, a essa altura do
campeonato, esteja querendo comprar briga com o Congresso. Se em algum momento
de seu terceiro mandato o presidente teve a esperança de que conseguiria
restaurar o poder da presidência sobre o orçamento, já deve ter desistido.
Teve orçamento secreto, teve bolsonarismo protegendo o Centrão, teve STF
tentando manter alguma ordem, teve rico sem pagar imposto e pobre sem remédio.
Foi uma semana em que o noticiário valeu por um curso de política brasileira
contemporânea.
Nenhum comentário:
Postar um comentário