sábado, 22 de maio de 2010

Roberto Muggiati, Raul de Souza e tal

Roberto Muggiati trabalhou na Gazeta do Povo - como eu, muitos anos depois dele.
É, para mim, um dos dois maiores conhecedores do jazz "desse país" - entre os jornalistas, claro. O outro é José Domingos Rafaelli, a quem fui apresentado nos 70 por um fã do jazz e também conhecedor, embora mais curioso - como eu, curioso que só -, o imortal Aramis Millarch.
Aliás, Muggiati é também craque em rock. Escreveu um "livrinho" (Rock: a história e a glória) que é obra rara. Rara pela qualidade e porque está fora de catálogo. Tentem a innernet.
No texto que - oi!, há alguém aí? -, publicado no Estadão deste sábado (viva o jornal, qualquer um), ler-se-á abaixo, ele falará de Raul de Souza, o maior trombonista vivo do jazz, um dos maiores de todos os tempos.
Maurício Einhorn vi ao vivo, é gênio também, mas não quero falar dele (em tempo: quando Muggiati fala de Toots, inspirem-se e tentem comprar ou puxar da internet um disco dele com Elis: é infartante).
Voltemos.
Sempre ouvi falar de Raul, que nas velhas bocas dos músicos de Curitiba é chamado de Raulzinho. Sempre ouvi que é um gênio curitibano.
E atesto, do alto de minha sabedoria: é do tipo Cesar Lattes, Newton Freire-Maia, Dalton Trevisan.
Certa noite, em casa do Aramis - sempre ele, meu mestre e amigo querido -, outro gênio, Airto (Guimorvan) Moreira, falou-nos de Raulzinho. Airto quase chorou - e nós também.
Airto é catarina, tocou bateria na zona (na zona, gente) em Guarapuava até vir parar em Curitiba, onde começou tocando (não lembro se ele disse que aqui tocou na zona) em boates (havia boates decentes então).
Mas aí, pelo que diz minha memória anciã, ele e Raulzinho, para tirar uns trocados, foram parar na banda da Base Aérea de Curitiba.
Se eu fosse o brigadeiro os promoveria a, no mínimo, pilotos de música, coronéis, sei lá.
Foram embora. No Rio, consagraram-se.
Ganharam os esteites e o planeta.
Sei mais do Airto, com quem conversei na casa do Aramis por umas seis horas. Ele se hospedava na casa de parentes, no Uberaba (rico, riquíssimo nos EUA, dormia no Uberaba!!!).
Belo dia, ou melhor, bela noite, estamos eu - se me lembro, mais Karam, Zé Beto, Carlinhos Sdroyevski, Kátia Agostin e outros que ficam na geladeira, como dizia Ibrahim - postados em calmo porre no Saul Trumpet (um craque curitibano), na Cruz Machado, quando o Raul aparece.
Pra quem não sabe: o cara tem casas nos EUA (não sei onde) e em Paris (onde vive há séculos), mas não sai daqui.
Pois o Raul aparece, e sem o trombone. Pintou um flugelhorn, um trumpete mais gordinho e mais curto, de som diferente do irmão trumpete, este nos meus velhos tempos: o pistom.
Raul fez chover ali dentro. Quase enfartei, vendo e ouvindo o cara a uns dois metros de mim e de nós.
Num intervalo, dirigi-me ao balcão para pedir outra (bebia mais que um camelo), quando ele se aproximou.
- Cara, esse fluguel é foda. Não estou acostumado. A embocadura é diferente.
Bati-lhe no ombro, lágrimas de esguicho:
- Raul, obrigado, mas você está com os lábios sangrando (poderia mentir dizendo que lhe ofereci meu lenço, o que não fiz, do que me arrependo).
Limpou os geniais beiços com um guardanapo, tomou água (de torneira, acho que), bateu-me no ombro.
- Fluguel é foda.
Foda é Raulzinho da banda da Aeronáutica.
Brigadeiro-do-ar, do som.

Raulzinho (mais Airto, Saul e os demais) forévis.
--

O Brasil tem três mosqueteiros terçando armas na arena do jazz internacional: Maurício Einhorn, gaita de boca; Raul de Souza, trombone; Cláudio Roditi, trompete. Vou perfilá-los - e me perfilar diante deles.


O grande som do pequeno brinquedo Sexta-feira, 30 de abril de 2010, Sala Cecília Meireles, Rio: Maurício Einhorn antecipa a festa dos seus 78 anos, (em 29 de maio), tocando com amigos. Em duas horas de show - com direito a gravação - resume 63 anos de carreira e 73 dedicados à gaita de boca: aos cinco anos ganhou a primeira dos pais, que também a tocavam. Brinquedo (parceria com José Schettini) celebra toda a beleza que Maurício extrai da harmônica de boca (prefere chamá-la assim). Um passeio pela praia dos standards mostra por que é citado entre os maiores do mundo, ao lado de Stevie Wonder e Toots Thielemans (Toots acha que Einhorn é o maior.) Autumn in New York é repetido para corrigir problemas do som (afinal, vai sair em CD!); I Concentrate on You e Night and Day homenageiam Cole Porter. Um solo de Maurício Einhorn é uma espécie de mosaico sonoro, inspirado em suas ricas fontes musicais: o jazz, o cancioneiro popular mundial, as raízes brasileiras, os clássicos ligeiros da Era do Rádio. Holiday for Strings, Rhapsody in Blue, Clair de Lune misturam-se a Waldir Azevedo, Altamiro Carrilho e a frases do Hino Nacional e do Yankee Doodle Dandy. Um improviso sobre a francesa Autumn Leaves passa pela Marselhesa. E também auto-citações do songbook (mais de 400 composições) do próprio Maurício: Tristeza de nós Dois, Batida Diferente e Estamos aí - que encerra a noitada. Favorito de dez entre dez músicos instrumentais brasileiros, Estamos aí tem tudo para ser o nosso 52nd Street Theme, que fecha os sets nos clubes de jazz dos EUA. Valeu, Maurício!

Dueto para búfalo e trombone

Faz 52 anos que ouço Raul de Souza, desde as loucas noites de Curitiba em que tocava para um búfalo amigo do Passeio Público - por pura falta de público. Mas a solidão durou pouco: público não tem faltado para Raul desde os anos 60 e posso afirmar que hoje, em seus vibrantes 75 anos, ele está soprando seu trombone melhor que nunca. Morando metade do ano em Paris e metade no Brasil, Raul é presença obrigatória nos festivais de jazz. Já ouviram falar da Ilha da Reunião, um pontinho remoto no meio do Oceano Índico? Pois Raul tocou lá recentemente com o NaTocaia, o quarteto curitibano que o acompanha desde 2004. Mas a gana de tocar é tanta que Raul topa qualquer parada. Nos últimos dois anos eu o ouvi lançando o CD Jazzmim com o NaTocaia; o CD com João Donato, Bossa Eterna (Mauricio Einhorn é convidado numa das faixas); três shows (Rio, Curitiba e Niterói) da turnê Circular BR com o trio do gaitista Gabriel Grossi; e um megaencontro no Rio com Robertinho Silva e Wagner Tiso no projeto Batucadas Brasileiras. Raul, que começou com trombone de pisto, evoluiu para o trombone de vara e inventou ainda o Souzabone, de quatro pistos. Um arsenal e tanto para tocar a sua jazzfieira...

Nosso homem na Grande Maçã

O caçula da trinca faz 64 anos em 28 de maio. Cláudio Roditi foi finalista do Concurso Internacional de Jazz em Viena, estudou no Berklee College de Boston e em 1976 mordeu a Grande Maçã... e não a largou mais. Trinta e quatro anos tocando trompete e flugelhorn em Nova York não é para qualquer um. Atuou com o flautista Herbie Mann, o saxofonista Charlie Rouse, com os pianistas Horace Silver e McCoy Tyner e os astros do jazz cubano Arturo Sandoval e Paquito D''Rivera. Em 1988 Dizzy Gillespie o chamou para coliderar sua United Nation Orchestra. Com duas dezenas de álbuns em seu nome, Roditi lançou em março um CD autoral, Simpático, que abre com Spring Samba, boa amostra do seu estilo - a doce fusão da bossa carioca com os trompetes melodiosos do hard-bop: Lee Morgan, Art Farmer, Freddie Hubbard. O crítico Thomas Conrad destaca que, dos brasileiros do grupo, todos moram nos Estados Unidos desde os anos 1980 e "suas raízes no Rio são tão profundas quanto suas afinidades com Nova York."

Curioso lembrar que Cláudio conheceu Maurício e Raul no tempo lendário do Beco das Garrafas, em Copacabana, quando tinha de mentir a idade para poder tocar. A última vez que ouvi Cláudio foi no Rio, há um ano, na Modern Sound, numa breve canja com o trio de Mauro Senise. Sacou o instrumento e solou maravilhosamente em três ou quatro peças, A Night in Tunisia, e sua canção-fetiche Speak Low (Kurt Weill). Discretamente como chegou, Cláudio botou o trompete no estojo e seguiu em frente para suas gigs pelo mundo.

ROBERTO MUGGIATI É PESQUISADOR, AUTOR DO LIVRO "IMPROVISANDO SOLUÇÕES"




Nenhum comentário:

Postar um comentário