sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Genocídio em Gaza: opções palestinas estratégicas diante das táticas israelenses - 2.ª parte

Por Jason Martin*

Tradução de Roseli Andrade


Nos tempos atuais, todos os países da América Latina são exemplo do que acontece quando você deixa os nativos sobreviveram. Embora os impérios europeus tenham feito um grande esforço para matar o maior número possível de nativos, todos os laços formais com seus mestres europeus foram desfeitos. Mais tarde, quando os Estados Unidos dominaram a América Latina, instalaram um grande número de governos e ditadores lacaios e mataram e torturaram o maior número de opositores possível. Mesmo assim,  atualmente têm visto quase todos tentando criar asas. Primeiro foi a Venezuela, e agora o Brasil, Equador, Argentina e muitos outros cortejando a Rússia e outros membros do BRICS. Logo eles terão de destruí-los (como recentemente tentaram com a Venezuela) ou perdê-los.

A Inglaterra perdeu o controle psicológico da maioria de suas colônias, e certamente perdeu a Índia, por causa disso, embora ainda mantenha algum controle econômico.

Então, qual é o plano final de Israel? É precisamente o que precisa ser e o que acontece sempre no estabelecimento de um novo estado: a destruição completa e a dispersão da população nativa que possa reivindicar a terra.

A destruição de um povo pode ser feita de duas maneiras: genocídio ou absorção. O método de absorção era frequentemente utilizado pelos romanos, especialmente por Júlio César, por ser a opção mais misericordiosa. Absorver um povo é garantir direitos plenos e cidadania e integrar o novo território o mais breve possível ao Estado. Durante o movimento dos Direitos Civis na década de 1960, os negros, embora não necessariamente “nativos”, apresentaram um problema real para as elites americanas. A solução para o problema foi uma completa absorção dessa população, que até o momento nada mais era do que mão-de-obra barata.

Os Estados Unidos atualmente ocupam o Reino do Havaí e já absorveram quase que completamente sua população. Embora haja um ressurgimento da cultura e idioma havaianos, é quase exclusivamente "a Cultura Americana Havaiana".

A França obteve um grande êxito na absorção das regiões de Aquitaine e Languedoc no que é atualmente o sul do país, enquanto que a Espanha enfrenta muitos problemas em relação ao País Basco e Catalunha porque permitiu que esses povos mantivessem sua língua e cultura. O principal componente na absorção de um povo é a proibição e repressão de sua cultura nativa e forçá-lo a aprender uma linguagem e história alternativas, aquela que justifica normalmente a sua absorção.

O problema com essa opção por Israel é que seria apenas uma questão de tempo, ao conceder a cidadania aos refugiados palestinos, que a região se tornasse predominantemente de população palestina. É difícil imaginar que o menor possa absorver o maior. Visto que o Sionismo está interessado em criar um estado “Judeu”, isso se torna duplamente impossível. A menos que, é claro, os palestinos possam ser coagidos a abraçar o judaismo e aprender hebraico. Mesmo assim isso continua inaceitável devido aos padrões étnicos do Sionismo: os judeus são tanto uma religião e uma etnia. Os palestinos jamais poderiam ser judeus “reais” porque eles são semitas.

Isso leva a uma única opção: matar todos os palestinos, o que é essencialmente o que Israel tem feito desde que foi criado.

O problema que se apresenta à elite israelense é que o resto do mundo já percorreu um longo caminho desde os "Tempos do Velho Testamento”, em que matar populações inteiras era prática comum. O senso de justiça, humanitarismo e tolerância simplesmente não permite mais isso, a menos, é claro, que as pessoas sendo exterminadas sejam suficientemente desumanizadas. O pior é que o atual sentido de civilização não permite do mesmo modo até mesmo uma absorção total.

A França, atualmente, enfrentado problemas com os descendentes dos povos de suas antigas colônias, tanto que começaram a proibir determinadas vestimentas como o uso de véu em público, o que tem causado grande alvoroço.

As pessoas normais, em geral, não matam cães à toa. Entretanto, há duas situações em que a morte de um cão é aceita: 1) se ele está muito doente e 2) se está raivoso e representa um perigo aos outros. O objetivo final dos israelenses é criar uma situação em que possam, ou pelo menos esperam poder, sacrificar o povo palestino para "um bem maior" Falando sinceramente, eles querem que todos creiam que os palestinos são cães raivosos.

O que é preciso para a desumanização de um povo? Bem menos do que se possa imaginar. Basta demonstrar que os indivíduos mortos eram desumanos e criminosos. Assim como os nativos americanos foram provocados até a revolta e sua forma primitiva de guerra considerada como “bárbara”. É claro que eles eram “bárbaros”; eles praticamente só possuiam como arma machados de sílex e é mesmo difícil matar alguém rapidamente com machados de sílex.

Todos os psicopatas desejam que suas ações depravadas sejam aceitas e admiradas. Em última análise, isso não acontece, mas o custo de vidas humanas é o assunto aqui. A história julgará o silêncio do ocidente mais duramente do que a brutalidade israelense. Os israelenses têm uma posição pragmática e lógica (o pragmatismo e a lógica não têm nada a ver com a humanidade e moralidade). Mas que aceitemos a sua lógica cruel e desumana é o maior crime do mundo atual.

Parte do objetivo de destruir os palestinos é o esforço de desumanizá-los. O mito do suicida-bomba é uma das táticas que os israelenes usam; a idéia de que os palestinos usam suas próprias crianças como “escudos humanos” é outra; uma tática tão velha quanto as colinas. Nos tempos antigos era costume trocar reféns. A diferença-chave é que era também costume garantir o bem estar desses reféns.

É curioso olhar pra trás e notar que em cada conflito significativo e importante em que o Ocidente se meteu antes da I. Guerra Mundial, sempre que apareciam imagens de civis mortos, as autoridades estabelecidas imediatamente proclamavam que se tratava de “escudos humanos”.

O Manual Britânico de Lei Militar, publicado quando eclodiu a I Guerra Mundial, observou que colocar civis em trens nos territórios ocupados para evitar ataques “não pode ser considerada uma prática condenável”. E a Convenção de Genebra Relativa à Proteção de Civis em Temos de Guerra (IV): Comentário 208 (ICRC, J. Pictet ed., 1958) observa:


"...a opinião pública ficou chocada devido a ocasiões (felizmente raras) em que os combatentes obrigavam os civis a permanecerem em lugares de importância estratégica (como estações de trens, viadutos, barragens, usinas e fábrica, ou a acompanhar comboios militares, ou servir de tela de proteção para as tropas em combate. Tais práticas, cujo objetivo é desviar o fogo inimigo, têm sido altamente condenadas como cruéis e bárbaras..."

Michael N. Schmitt nota essa pequena pérola no Escudos Humanos na Lei Internacional Humanitária:
"Na maioria das vezes, a dramática assimetria que caracteriza muitos dos conflitos atuais faz surgir escudos humanos. Confrontada pela esmagadora superioridade tecnológica, as partes mais fracas têm-se utilizado de escudos humanos como “tática de guerra” para se defender do que eles não podem derrotar efetivamente, utilizando as forças e armas que dispõem”.

Ao mesmo tempo em que a lei internacional tem muito a dizer sobre escudos humanos, e destaca que se trata, de modo inequívoco, de um crime de guerra, diz muito pouco sobre o que se deve fazer quando confrontado por escudos humanos. A prática atual, principalmente usada por Israel, é bem específica naquele documento:

A segunda, e correta, abordagem a escudos humanos voluntários evita resultados insatisfatórios, tratando-os como participantes diretos nas hostilidades. A racionalidade desta posição foi descrita acima. Desde que participantes diretos são objetivos militares legítimos, escudos humanos voluntários, obviamente, não merecem consideração, quer na avaliação da proporcionalidade ou durante a análise de planos alternativos de ataque que poderia minimizar os danos à população civil.

Muito tem sido feito pelo Ocidente e por Israel para reclassificar civis como militantes ou insurgentes para justificar sua transformação em alvos militares. Isso pode ser feito facilmente porque a maioria dos ocidentais está a uma distância segura do conflito e recebe poucas informações confiáveis. E soa muito mais razoável ouvir nos jornais que “100 insurgentes foram mortos” a “100 crianças foram mortas”.

Penso que esse método de reclassificação de civis como insurgentes apresenta um desenvolvimento importante na política porque é essencialmente a “antiestratégia de Ghandi”. As elites ocidentais no Século XX sofreram uma série de reveses devido a protestos pacíficos contra suas ações violentas. Sua resposta é de duas mãos: se uma população evita a violência, elas enviam agents provocateurs; se isso não dá certo, usam operações de falsa bandeira.  Falsa bandeira simplesmente significa mover um destacamento de soldados sob outra bandeira ou símbolo de modo que os sobreviventes reportem terem visto a bandeira de outro grupo e o culpem. Nos dias atuais, isso significa se vestir e falar como os palestinos ou árabes e praticar alguma ação terrorista para culpá-los.

Tem se tornado atualmente uma prática padrão quando civis são mortos, mesmo por acidente, reclassificá-los como insurgentes, combatentes ou escudos humanos (especialmente voluntários). Existem dois tipos de pessoas em um conflito armado: soldados e civis. Toda e qualquer tentativa de alterar essa definição é fundamentalmente imoral. Um soldado é uma pessoa recrutada pelo serviço militar de um estado estabelecido. Ele é pago pelo estado para defendê-lo contra seus inimigos. Quando não há estado nem exército, então somente há civis. Se esses civis cometem atos de violência contra os cidadãos de seu próprio país, ou de outro, então se trata de um ato “criminoso”.

A questão de haver ou não a formação de escudos humanos, na verdade, é uma questão errada. A verdadeira questão é: por que os palestinos não usam meios militares mais eficazes para se proteger? Por que proteger as pessoas com “foguetes” quando se pode proteger com tanques? Ou com escudo de defesa antimísseis? É porque eles não possuem nada disso. Eles não possuem capacidade defensiva alguma. Desde que Israel nunca se preocupou em matar civis para alcançar até mesmo um objetivo militar tênue, por que usar escudos humanos? Eles simplesmente não funcionam contra os israelenses. Alguma coisa cheira a podre no Reino da Dinamarca.

Trata-se de um processo de desumanização – ou mais especificamente, de “de-civilização” – dos Palestinos para assim ser mais fácil abatê-los. E se trata realmente de abate porque, da perspectiva do establishment político de Israel, os palestinos são uma praga interferindo em seus grandiosos planos de um estado judaico. E de determinado ponto de vista, embora psicopata, eles estão certos. Os palestinos realmente representam uma ameaça primitiva ao estado de Israel. Mas não como “terroristas”, antes como pretendentes legítimos à terra.

Lembre-se que Israel existe graças à compaixão. O Império Britânico teve dó dos judeus por eles terem sofrido tanto e deu a eles um território. Quem pode garantir que no futuro alguém não sintará também compaixão pelos palestinos e dê a eles o direito de retornaram à Palestina?

Esse é especificamente o motivo pelo qual os israelitas encaixotaram os palestinos e não permitirão que eles saiam. Eles não têm para onde ir e nunca terão. Israel se assegurará que nenhum número significativo de palestinos permaneça vivo para voltar e reivindicar suas terras.

Resumo até agora:
1.            O objetivo de Israel é ter um Estado Judaico; qualquer outra coisa é secundária;
2.            Para ter esse Estado Judaico, eles simplesmente não podem absorver os numerosos árabes; dessa forma, eles têm que matá-los;
3.            Para matá-los, eles precisam desumanizá-los e torná-los radicais; além disso, politicamente precisam reclassificá-los como combatentes, insurgentes, terroristas ou escudos humanos voluntários.

Israel soube até agora controlar a situação na Palestina de modo muito inteligente. Eles utilizaram o método da colonização na forma de “assentamentos” para expandir seu território. Depois escolheram alvos específicos para destruir a fim de revoltar a população palestina.  Um rato encurralado luta com um gato. E, finalmente, instalaram um governo lacaio, neste caso, Governos Lacaios.

Lembre-se do que disse Maquiavel:
Como tenho dito, quanto àqueles estados que são conquistados e costumam ter suas próprias leis e viver em liberdade, existem três modos de mantê-los: o primeiro é destruí-lo; o segundo é ir viver no local; o terceiro é permitir que continuem a viver de acordo com suas próprias leis, forçando-os a pagar tributos e  criando, dessa forma, um governo composto por poucas pessoas que manterão o estado como seu aliado.

É aqui que muitas pessoas se perdem. A expressão mais correta é interpretam mal: "Que manterão o estado como seu aliado". Seria melhor dizer "que manterão o estado trabalhando para alcançar os seus objetivos." Israel não quer a paz com os palestinos; eles querem uma autoridade militante, mesmo que completamente incompetente, para irritar a população e dizer coisas violentas e ignorantes para a mídia.

A partir dessa perspectiva, o Hamas é o pior grupo de líderes para os palestinos. Eles são quase como caricaturas de uma organização terrorista. Um de seus maiores hits, usado com bom efeito por Israel é:
"A hora do julgamento não virá até que os muçulmanos lutem contra os judeus e os matem, então os judeus se esconderão atrás de árvores e pedras, e cada árvore e pedra dirá: “Oh, Muçulmanos, oh, servos de Alá, há um judeu atrás de mim, venha e o mate, exceto pela árvore Gharqad, pois essa é a árvore dos judeus”.

Sério? Eles são mesmo tão imbecis assim? Que tipo de organização terrorista se apresenta como terrorista? Citando árvores e pedras falantes? A verdade, claro, é que o Hamas serve às necessidades de Israel mais do que qualquer um. Sua constante retórica é feita sob medida para sempre paralisar o processo de paz... e feita sob medida por Israel.

O lema do Mossad, a agência de inteligência de Israel é (mais ou menos): "Por meio de trapaças". E elas são muito eficazes, por natureza. É bem conhecido e aceito que a rede de inteligência do Mossad é uma das melhores do mundo. Todos sabem disso. Então, exatamente como é possível acreditar que eles não tenham conseguido se infiltrar no Hamas?

(continua)



*O autor é filósofo republicano, conservador libertário. Jay passa seus dias estudando a história da guerra, da violência e das artes marciais. É programador de computador, artista e ilustrador.

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