quinta-feira, 18 de junho de 2009

Eu, jornalista

Coleguinhas, simpatizantes e antipatizantes não falam de outra coisa: caiu a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista; agora liberou geral; quem tem competência vai se estabelecer; talento não se ensina na escola; de outro lado, os picaretas vão tomar conta das redações (como se não existissem em multidões); os patrões vão achatar salários; políticos e empresários colocarão seus assessores nas redações (como se já não colocassem); estava em jogo a liberdade de expressão e comunicação; está em jogo a liberdade de informação.
Pois é. O Supremo. E dele o que vem de pronto à mente é a carantonha do ínclito Gilmar Mendes, o jurista de Poconé, o fazendeiro do Mato Grosso, o dono de cursinho em Brasília.
Tudo bem. Caiu o diploma, e nada disso me atinge. Mas atinge milhares de jovens bem intencionados, Brasil afora, em busca de preparo técnico e intelectual – além do diploma, é claro – para exercer dignamente a profissão. Uns, e não são poucos, sonhando em ser Pedro Bial, Caco Barcellos, Neide Duarte, Juca Kfoury etc. – todos, por sinal, ótimos jornalistas. Outros, a grande maioria, planejando ser bons profissionais, conscientes do papel social do jornalista e da imprensa, seja numa redação (rádio, TV, jornal, revista, site etc.), numa empresa de comunicação ou mesmo numa ONG.
Nada me atinge. Mas viajei no tempo e lembrei-me de 1975, quando já cursava direito na Federal e passei em Comunicação, na mesma Federal (na época podia), em honroso 2.º lugar, atrás apenas na bela Annamaria Marchesini, então namorada do hoje grande jurista Jacinto Coutinho, meu calouro.
Lembrei-me de quando tive de abandonar o curso de direito para terminar o de jornalismo, pois já trabalhava na profissão (rádio de manhã, jornal à tarde e à noite) e o sindicato andava à caça de quem não tivesse o registro definitivo. Só outro dia, 30 e tantos anos depois, consegui terminar o curso de direito, já meio quase com vontade de aposentar-me como jornalista. Mas vai ser difícil.
Hoje faço ou pouco de cada um. É curioso e gratificante exercitar a técnica de redação de um e de outro. O direito é maravilhoso, e fica muito difícil imaginar alguém exercendo a profissão sem ter puxado cinco anos de faculdade.
Saudosista, até hoje sem saber se o diploma é mesmo necessário para formar bons jornalistas, catei esta noite, numa pasta bem organizada, meu histórico escolar e comecei a ler as matérias que cursei. Não sei como está hoje, e talvez tenha mesmo melhorado bastante, mas na época o nosso curso, ainda que fracote que era, nos mandava estudar:
Sociologia Geral I e II, História dos Meios de Comunicação I e II, Estatística I e II, Introdução à Psicologia, Introdução à Antropologia Cultural, História da Arte I e II, Introdução às Técnicas dos Meios de Comunicação I e II, Pesquisa de Opinião e Mercadologia, Cultura Brasileira, História Econômica do Brasil, Ética e Legislação dos Meios de Comunicação, Orientação Bibliográfica, Problemas Sociais Contemporâneos, Problemas Fundamentais de Filosofia, Psicologia Social I e II, Estudos de problemas Brasileiros I e II e mais as matérias jornalísticas, etc. e tal.
Não sei, sinceramente, se o curso de jornalismo é dispensável, e são as dúvidas que movem um bom jornalista, nunca as certezas. Mas penso que a discussão está mal direcionada. Não se trata de discutir se um filósofo, médico, nutricionista, professor de judô, cientista político, ex-atleta profissional, diplomata, economista ou um joão ninguém pode ou não escrever em jornal, revista, portal ou comentar na TV, no rádio ou nos portais. Escrever, e bem, é obrigação de todo bom profissional. Que o digam os brilhantes Tostão, meu ex-orientador e cientista político Adriano Codato, a cientista política Lucia Hippolito, o professor Pasquale, o economista Paulo Nogueira Baptista Júnior, o médico Drauzio Varella e tantos outros.
Mas quero saber se essa gente e outros tantos e mais tantos que virão está capacitada a planejar uma edição, produzir uma pauta, conversar com um repórter, fazer uma reportagem de rua, editar uma foto, redigir a legenda, desenhar uma página, bater um título de 1 x 32, bolar uma manchete que venda e por aí afora. É por aí que o debate deveria caminhar.
Continuo sem saber se o curso de jornalismo é dispensável, mas a base intelectual que ele dá, mais a base profissionalizante (via as matérias jornalísticas mesmo), é essencial para termos profissionais capacitados a exercer a profissão. A partir disso – e aí concordo com os fogueteiros -, prevalecerão os mais esforçados, estudiosos, talentosos, os gênios, os santos da profissão.
Cursos como sociologia, direito ou economia, por exemplo, podem dar uma ótima base para formar bons jornalistas, mas as matérias profissionalizantes não podem ser desprezadas. Solte um economista recém-formado na rua e o mande produzir uma reportagem sobre o caos do trânsito de Curitiba. Ele terá, certamente, uma visão de economista.
Acho que aí está a diferença: o jornalista tem a visão de povo. Ou, como ouvi certa vez o grande Reynaldo Jardim definir: “O repórter é o povo na redação.”
Tudo bem. Jardim não tinha curso de jornalismo, mas cresceu dentro de uma redação. Também não têm diploma Janio de Freitas, Alberto Dines, Ricardo Kotscho, Augusto Nunes, meus amigos Zé Beto, Dirceu Pio, Luiz Augusto Xavier, Sílvio Andrade, Nilson Monteiro, Mussa José Assis, Francisco Camargo e tantos outros. Mas todos se fizeram jornalistas por opção de vida e pisaram numa redação como se desde sempre estivessem ali. Outros, de igual quilate, têm o diploma, como Clóvis Rossi, Nilson Laje, Luiz Amaral, Celso Kinjô, Antero Greco, Paulo Calçade, Adélia Lopes, Teresa Urban, Miriam Karam, Sandra Pacheco, Zeca Correia Leite, Laurentino Gomes (hoje escritor), Armindo Berri, Eduardo Sganzerla, Chico Duarte (futuro advogado), Analucia Veloso (minha sócia no escritório de advocacia), Luiz Claudio de Oliveira, Luiz Fernando Sá, Ana Cecília Pontes de Souza, Lorena Klenk e tantos e tantos outros.
Onde ficamos? Na mesma, creio. Ah, com a diferença de que, a partir de agora, cursará jornalismo quem quiser. Poderá ser como foi até os anos 60, quando um estudante de medicina ou engenharia trabalhava em jornal para pagar a faculdade, e muitos abraçavam ou se abraçavam à profissão. De dezenas de exemplos de que me recordo, fiquemos apenas com o do médico João Dedeus Freitas Neto, jornalista de primeira linha, além de herói na campanha da Itália.
Mas, com certeza, nos dias de hoje, não encontrarei ninguém que estude medicina para ser jornalista. E, obviamente, ninguém que estude jornalismo para ser médico.
Que se fortaleçam as boas faculdades e que se fechem as más. Acaba sendo um desafio, agora lançado pelo STF, mesmo contra a vontade da maioria dos jornalistas.
Ainda sem certeza do que devo achar disso tudo (mas sem ficar em cima do muro), acho que estamos diante de um caminhão de melancias. O tempo e o chacoalhar da viagem as acomodarão e cada qual encontrará o seu lugar.
Quem escreve é apenas uma velha melancia (com diploma). Que um dia já foi um orgulhoso foca.
Inté.

4 comentários:

  1. Jorge,

    excelente análise acerca da recente decisão do STF.

    Parabéns!!!

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  2. Querido Jorjão

    A decisão vai deixar muita gente por aqui feliz. Existem tantas publicações
    de brasileiros para brasileiros editadas por gente que não fez a faculdade e
    mais que isso que não se "formou", no verdadeiro sentido da palavra, numa
    redação, que a gente fica de cabelo em pé. Posso mandar para seu amigo
    alguns dos textos "brilhantes" desses comunicadores de massa, que ganham
    dinheiro à custa de leitores ávidos de informação sobre a terrinha e que nem
    percebem se tem erros ou não. Vale dizer que muitos não sabem realmente
    "ler", ficam catando as letras e tentando formar a palavra. Não importa, são
    conterrâneos, bem servidos pelos meios de comunicação que escolhem.
    Daí venho eu com o CIGA-Informando, fazendo tudo de graça, às vezes quase
    pagando do bolso a edição e apresentando um trabalho bem feito (para os meus
    padrões). Pelo menos quem está acostumado com as letras percebe a diferença
    e manda algum comentário.
    Não posso dizer que me fiz jornalista na faculdade. Longe disso. Foi no
    dia-a-dia da redação, como foca, dando furos sobre a agricultura paranaense
    totalmente equivocados que depois o Osmar Dias teve de desmentir numa
    conferência de imprensa. Foi assim que aprendi. Sob o olhar criterioso do
    Professor Aroldo, convivendo com o Chico Duarte (sem diploma), o Pio (também
    sem diploma), a Miriam Gasparin, o Eduardo Pereira e Ferreira, o Gladimir
    Nascimento e tantos outros, fui aprendendo o que é sair para a rua com uma
    pauta e voltar com o material para escrever um texto. Depois fui exercitar
    um pouco mais na Prefeitura de Curitiba junto com você, Jorjão, com a Marisa
    Boroni Valério, com o Ivens Pacheco e outros colegas. Se o resultado desse
    exercício me fez uma profissional de primeira linha não sei, mas me
    considero uma boa jornalista e não me envergonho dos textos que escrevo.
    Agora me arrisco até a escrever em alemão, muito mais difícil em função das
    diversas declinações e artigos, que me embaralham a vida.
    Acabar com a obrigatoriedade do diploma de jornalista não é um mal em si,
    pois não é o papel que faz o profissional. Mesmo assim, se fizermos um
    paralelo com outras profissões, há muitos ótimos médicos sem faculdade que
    não podem exercer a medicina por falta de diploma e muitos charlatões
    diplomados fazendo barbaridades com a vida dos outros. Concordo com você,
    que se estabeleçam os bons profissionais, os competentes, aqueles que fazem
    do jornalismo uma forma de retratar a realidade como ela é.
    Seu amigo Francisco certamente vai achar alguns deslizes no meu texto,
    afinal ninguém é perfeito e estou há muito tempo longe do Brasil e da vida
    diária na redação. Mas não importa, gosto de escrever e tenho orgulho do meu
    diploma.
    Beijos grandes

    Irene
    (Irene Zwetsch é jornalista com diploma e atualmente vive na suiça com o marido Rubens e os dois filhos)

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  3. Jorjão querido, obrigada pela menção, que não mereço, mas, vinda de você, muito me alegra.

    Adorei seu texto - tem muito do que eu também penso a respeito. A discussão é pertinente, tem nuances e eu tenho também muitas dúvidas, mas acho que a decisão do Supremo se baseou em argumentos equivocados - a exigência do diploma não obsta a liberdade de expressão. Exemplos citados por aí, como o de um médico escrevendo sobre medicina, são impróprios (para isso já existem os espaços de opinião - estamos falando de reportagem) e distantes da realidade (como vc. observou, ninguém vai estudar medicina pra ser jornalista).

    O risco real, acredito, é o aviltamento de uma profissão que não pode ser mais aviltada, pelo papel que, com todos os problemas, exerce numa sociedade que se pretende democrática. Muitos talentos já estão longe das redações não porque querem, mas por absoluta falta de perspectiva e valorização. O resultado a gente vê todo dia nos jornais.

    Sem regulamentação, onde isso pode parar?

    Abração
    Lorena

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  4. Amigo Jorge, de tão recente conhecimento e de uma amizade que, tudo farei para ampliá-la e preservá-la. O histórico do seu curso de jornalismo dentro e fora da faculdade é riquíssimo. Confesso que eu tenho uma pontinha de inveja de vocês jornalistas, tanto os práticos como os referendados pelo diploma; quando ainda pré adolescente 11 para 12 anos eu procurei uma Gráfica para trabalhar, despresando o convite do dono de um Jornal (O JORNAL DE CONQUISTA do saudoso Aníbal Lopes Viana). Na Gráfica era tudo muito diferente do que eu via o meu tio na sua lide diária no jornal, eu achava que aquilo lá era para garotos mais encorpados que conseguissem levantar uma chapa de página do tamanho 4 para fazer a distribuição nas devidas caixas de tipos.
    No que tange o julgado pelo STF,confesso que eu fiquei meio que dividido; não sei se rejeito a idéia da desobrigação do diploma ou se regozijo com aqueles que não frequentaram a faculdade e ganham o status de jor nalista. Claro que, depois da conversa que tivemos a respeito das manchetes, para mim, atravessadas, eu mudei de conceito; vi na sua explicaçao a maneira mais simples de falar com o mais diversificado público alvo avído por notícias. Sei que, para nós advogados, teremos e muito que "pisar no vernáculo" haja vista, o nosso público alvo.
    A nossa amiga (já posso assim considerar) Irene Zwetsch foi muito gentil, você Irene, se quiser escrever errado, mesmo que tente, ainda assim não conseguirá, se lhe escapar algum erro, com certeza o amigo aqui, copiando o pensamento do Rui Barbosa, acrescentará na nossa ortografia oficial como correto. Quando em uma platéia seleta o Rui disparou a seguinte frase: "NÓS 'É' QUE SOMOS RESPONSAVEIS PELOS DESTINO DA NOSSA PÁTRIA" os que o ouviam na ocasião acharam um absurdo, tiveram a súbita impressão de havia um grande erro de estrutura na formação da frase. Rapidamente recorreram aos dicionários e outras formas de auxà ­lio que os fizessem pegar o Rui no erro; não acharam. Conclusão: se foi o Rui Barbosa quem falou está corretíssimo!
    Abraços,
    Francisco - Curitiba-PR

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