quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Os melhores que não são

Janio de Freitas, na Folha de hoje.
A REGRA GERAL na designação de ministros, em conjunto ou nos casos isolados, indica que os políticos profissionais são os menos convenientes para setores de grandes recursos e relevância programática.
Raros são os casos dos que não sobrepõem interesses pessoais (mesmo que só com o objetivo de sua projeção) e de correntes políticas aos da eficácia do ministério e até do governo.
A regra é a transformação de meios de política de governo em instrumento político-partidário. Com a consequência costumeira das torrentes de nomeações impróprias e, por aí, de abertura do serviço público a variadas formas de corrupção.
Apesar disso, os sistemas político e de governo estão moldados para tornar-se, tanto quanto possível, uma coisa só, com o máximo de infiltração de políticos e seus agentes na administração pública e, como contrapartida, com o domínio das decisões parlamentares pelo governante. O sistema se opõe aos não políticos profissionais, por mais habilitados que sejam, e ao governante que os pretenda em altos cargos.
Por deformações que não são da política, mas de outros vícios também tradicionais, a própria sociedade é levada a admitir e reproduzir, como opinião pública e como eleitorado, a utilização extra dos instrumentos de governo pelos políticos. São estes, por exemplo, se ministros ou ocupantes de altos cargos, os que obtêm mais presença nos meios de comunicação, assim alcançando a projeção que é seu objetivo principal.
Os dedicados apenas à sua função, prontos a expor-se só quando fatos de governo o justifiquem, ficam relegados e sofrem os efeitos dessa distorção de critérios.
Ao caso já citado aqui de José Gomes Temporão no Ministério da Saúde, junta-se o exemplo de Fernando Haddad, com eficiente e modernizadora presença na Educação, e do ainda mais silencioso Miguel Jorge, com sua contribuição na abertura de mercados externos, como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Não há candidato à Presidência, a governo estadual ou a prefeitura que não prometa "governar com os melhores". Dilma Rousseff não abandonou a tradição. E é certo que impôs boas escolhas, a começar de quase todos os que manteve do governo Lula. Mas as presenças comprometedoras e as duvidosas mancham demais o novo ministério, até quando não precisavam fazê-lo tanto.
A indicação de Pedro Novais pela bancada do PMDB já era um despropósito, explicável pela voracidade do "baixo clero" pelas benesses a usurpar do Ministério do Turismo.
Depois de alcançado pela conta do motel pago com "verba indenizatória" da Câmara, a presença de Novais no governo soa a ultraje. Ideli Salvatti está em caso semelhante, com o duplo faturamento contra o dinheiro público. E assim outros quatro ou cinco.
Todos a justificarem a providência que não veio: "limpe a sua ficha, se puder fazê-lo, fora do governo". Nada pode justificar a complacência que mantém tais indicados por interesses políticos.
Por que o prefeito de Sobral como ministro de Portos, o que esperar de Mário Negromonte como ministro de Cidades, e o denunciado Afonso Florence no Desenvolvimento Agrário, e as voltas de Edison Lobão e Alfredo Nascimento? Quanto a Moreira Franco, ministro a pedido de Michel Temer, mas posto em último caso nos Assuntos Estratégicos, foi levada em consideração a frase recém-lembrada de Fernando Henrique: "Esse não pode ficar perto de cofre". Mas a falta de cofre nos AE não limpa fichas.
E, se habilitações duvidosas enfraquecem o ministério, fichas sujas sujam o governo.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Fala Federico Zucceli

“A vida não é trabalho, mas laboratório da mente e somente a mente tem o direito e dever de agitar-se. O negócio nos basta para viver e viver com a companhia do pensamento, entre as nuvens. Sonhar. Mas para sonhar é necessário desprender-se dos laços opressivos e contundentes do comércio, e olhar as estrelas. Como será possível erguer o olhar para o céu, quem tem a tarefa frenética e hiperativa de lucrar e ter os melhores ganhos?”

Leia mais em http://www.pan-horamarte.jor.br/noticia1.html

Lula no Bife Sujo, anos 80

A foto é de Alberto Viana, o bom Baiano, retirada da página dele no FB

De Roosevelt@edu para Lula@gov

Por Elio Gaspari, texto retirado da Folha de hoje.

CARO LULA,
Há oito anos, quando o senhor foi eleito presidente do Brasil, eu lhe mandei uma mensagem torcendo pelo seu sucesso e lembrando-lhe a essência do meu êxito.
Governei os Estados Unidos de 1933 a 1945, ganhei a maior guerra de nossa história, mas de Franklin Roosevelt ficou a lembrança de um presidente que mudou a vida do seu povo, criando uma América onde ninguém ficasse de fora.
O mundo aprendeu que ou haveria capitalismo para todos ou não haveria para ninguém. O senhor fez o mesmo no Brasil. Para quem dizia que seu país era uma Belíndia, o senhor tirou da Índia brasileira o equivalente à população de toda uma Bélgica.
Entre 2003 e 2009, o número de pobres passou de 30,4 milhões para 17 milhões. O desemprego caiu a níveis históricos, e pela primeira vez em muitos anos a maioria dos trabalhadores está no mercado formal. O crédito chegou a casas onde a pobreza era um estigma financeiro. Os plutocratas do seu país compreenderam que o acesso dos pobres aos instrumentos do capitalismo é a garantia de sua longevidade.
De tudo o que o senhor conseguiu, o que mais me comove é o resultado desse programa chamado ProUni, que coloca nas universidades jovens de famílias pobres com bom desempenho escolar. Eu fiz coisa parecida, abrindo o ensino superior para os soldados que voltavam da guerra.
Em cinco anos, o seu programa atendeu 540 mil jovens. O meu matriculou 2,2 milhões entre 1944 e 1949. Inicialmente, pensávamos apenas em proteger os veteranos da guerra. Trinta anos depois, verificou-se que a GI Bill foi um dos fatores determinantes para o surgimento de uma nova classe média.
Quando o Juscelino Kubitschek me contou que a oposição foi à Suprema Corte para destruir seu programa, percebi que o Padre Eterno fez pelo senhor o que fez por mim: presenteou-nos com uma oposição que assegura nosso lugar na história.
Antes de lhe escrever jantei com Getúlio Vargas, JK e Ernesto Geisel. Em graus variáveis, os três torciam pelo seu sucesso. Getúlio e JK invejaram sua capacidade de sobreviver ao mandato e eleger a sucessora.
Já o Geisel teme que esse sucesso traga um risco. Com a experiência de quem foi escolhido pelo antecessor (um general introvertido chamado Médici) e escolheu o sucessor (outro general, não sei se Figueiredo é o nome dele ou do cavalo que monta), pede que lhe avise: cuidado com a turma da copa e cozinha. É de lá que saem as intrigas. Um deles brigou por causa de uma irrelevância na Previdência do Rio Grande do Sul.
Parte de seu sucesso o senhor deve ao professor Cardoso. Não faz bem à sua biografia negar-lhe o crédito. Estive com Ruth, mulher dele, mas não posso contar o que ela me disse a respeito da última campanha eleitoral brasileira.
Senhor Silva, repito o que escrevi em 2002. Pouco temos em comum, eu vim de Harvard e de uma família que já havia dado aos Estados Unidos um presidente (que por pouco não morreu na floresta brasileira). O senhor veio de lugar nenhum. Dizem que fui o traidor da minha classe. Felicito-o por não ter traído a sua.
Despeço-me registrando que a admiração de Eleanor, minha mulher, pelo senhor é muito maior do que a minha.
Parabéns,
Franklin Roosevelt

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Brasil e a América Latina

Isaac Bigio*/Especial para BR Press

(Londres, BR Press) - O Brasil concentra 35% da população e 40% do território da América Latina. No entanto, ainda que os hispano-americanos possam ser identificados como latino-americanos, o mesmo não ocorre com os brasileiros.

Esta percepção me foi confirmada por Leslie Bethell, que é compilador da maior obra de História da América Latina (a da Universidade de Cambridge, composta por 12 volumes e que custa US$ 2 mil), e que hoje reside no Brasil.

Truque francês

O termo “América Latina” foi desenvolvido pelos franceses, nos anos 1860, para justificar sua conquista do México, reafirmando seus direitos sobre a América, que falava uma língua latina e rezava em latim. Segundo Bethell, este conceito foi reconhecido na América Hispânica como um sinônimo desta. No entanto, no Brasil, nunca foi popular, devido a sua diferente origem e evolução.

Entre a América de língua espanhola e a de língua portuguesa há uma grande diferença, que se aprofunda com a invasão francesa à península ibérica, em 1807-1814. Napoleão aprisionou o rei espanhol, o que deu origem a uma guerra civil inter-continental, que levou, entre 1810 e 1825, às independências em quase toda a América hispânica continental e à fundação de repúblicas independentes.

Quando da invasão francesa, a Casa Real portuguesa foi transportada por navios britânicos ao Brasil, pais elevado ao status de Reino (unido ao de Portugal) e sede do império português. Enquanto todos os quatro vice-reinados hispano-americanos se fragmentaram dando origem a 18 instáveis repúblicas, a América portuguesa se manteve unida, estável e sob uma monarquia.

Fico

Enquanto Londres e Washington anexavam muitos territórios hispano-americanos, o Brasil se expandia sobre seus sete vizinhos hispânicos. A “independência” brasileira foi relativamente pacífica e se deu quando um rei, que nasceu e morreu em Portugal (Pedro I) decidiu conservar seu reino contra seu pai, João VI, estabelecido em Lisboa.

A monarquia brasileira manteve a escravidão até 1888, um ano antes de ser derrocada, sendo o Brasil o país que tem mais descendentes de escravos no mundo. Diferentemente, as primeiras repúblicas latino-americanas limitaram e aboliram a escravidão pouco depois que o fez o Haiti, em 1804.

Enquanto os EUA invadiam países hispano-americanos, o Brasil se manteve afastado da disputa. Mais ainda, neste se desenvolveram vários dos mais entusiastas panamericanistas. O Brasil foi o primeiro país que apoiou militarmente os EUA na II Guerra Mundial.

Truque americano

Para Bethell, o Brasil passa a ser considerado parte da “América Latina” depois da citada guerra de 1939-1945 quando, sob esta designação, Washington agrupa toda a parte sul e menos desenvolvida de seu hemisfério.

Nos últimos 16 anos de governo, os presidentes brasileiros Cardoso e Lula voltaram o olhar para seu entorno. Hoje, o Brasil enfatiza muito seu “sul-americanismo” e o bloco que criou não apenas com países hispânicos, mas também com os de língua inglesa e holandesa da região.

Mas, como sugere Bethell, a virada brasileira marca não tanto a reafirmação de uma “América Latina”, mas a de uma América multilingüe, que está ao sul.

(*) Analista de política internacional, Isaac Bigio lecionou na London School of Economics e assina coluna no jornal peruano Diario Correo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Alencar, segura mais um pouco

Faltam oito dias para o vice José Alencar ir-se desta para melhor.
Coisas da vida.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ministra Ana de Hollanda

A foto é de Gianne Carvalho, professora de fotografia e chefona do site Foco Infinito.
A fotografada é Ana de Hollanda, futura ministra da cultura.
Além de cantora e pesquisadora das boas, Ana é socióloga como o pai, o grande Sérgio Buarque de Hollanda.
A imprensa, preconceituosamente, maliciosamente, apresentou-a como irmã de Chico Buarque.
Sorte à ministra, que por sinal é bem bonitinha.

Código de Hamurábi

117. Se alguém não cumprir a demanda por um débito, e tiver de se vender, ou à sua esposa, seu filho e filha por dinheiro ou tiver de dá-los para trabalhos forçados: eles deverão trabalhar por três anos na casa de quem os comprou, ou na casa do proprietário, mas no quarto ano eles deverão ser libertados.
118. Se ele der um escravo ou uma escrava para trabalhos forçados, e o mercador sublocá-los, ou vendê-los por dinheiro, tal ato será permitido.
119. Se alguém não pagar um débito, e vender uma criada que lhe deu filhos, por dinheiro, o dinheiro que o mercador pagou deverá ser devolvido e pago pela liberdade da escrava.

O olhar de Capitu - 14.ª parte de um romance insopitável

Eia, eia, vai que vai o cabide, sem nada prescrever de Deus, seu e deles deus, Manitu, Alá, Tupan, Yavé. Jamé, baby, jamé me possuirás, brada o gerânio ao mago cotonete. Artista, sobe e sabe o som, por isso e por isto se expõe. Grânulo, pedregulho, tecnocrata, pedra brita sobre e sob o céu da boca. Só chega aos três tristes tigres. Realmente, de fato, in verbis, arrota, regurgita o assoalho, o forro e o serralho. Desdenha a permissão do renascimento industrial do caralho. A quatro.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

WikiLeaks ou a vingança do mundo vigiado

Tirado de O Estado de S. Paulo
Eugênio Bucci*

Sorria, você está sendo filmado. Ou chore, você está sendo filmado.

A propósito, não é improvável que você esteja sendo filmado enquanto lê este artigo. Os seus hábitos de consumo estão catalogados em bancos de dados que são vendidos por aí. A marca de papel higiênico que você compra no supermercado faz parte da sua ficha pessoal em algum arquivo de marketing. Os exames do seu check-up, realizados naquele laboratório todo informatizado, bem, eles podem cair na rede. As chamadas do seu celular são rastreáveis, todas elas. A que horas você ligou para quem e de que lugar você chamou, tudo se sabe. Pelas pesquisas que você faz no Google, os administradores podem levantar o seu rol de preferências, mesmo aquelas que você não gostaria de declarar em público. Os radares da cidade registram por onde você passeia de automóvel. As consultas que você faz na Amazon fazem parte do seu perfil, devidamente armazenado. Pelo seu cartão de crédito, podem saber os restaurantes em que você anda almoçando, os vinhos que você pede, a dieta que você segue. As portarias de prédios que você cruzou, as catracas que atravessou, os elevadores em que subiu ou desceu, tudo isso é sabido.

E aqui não estamos falando de vírus espiões instalados em seu computador, das escutas encomendadas pelos rivais (amorosos, religiosos, políticos ou econômicos), mas apenas dos mecanismos supostamente lícitos pelos quais, como já foi dito, você está sendo filmado. Não é bem que a privacidade tenha diminuído de uns tempos para cá. A privacidade, nos moldes em que costumávamos imaginá-la, virou uma categoria impossível, irrealizável. A privacidade foi extinta pela História.

Mais ainda: no nosso tempo a vigilância se massificou. Todos da massa são potencialmente vigiados, o que, em lugar de incomodar, parece excitar o público. A bisbilhotice ganhou status de um gênero lucrativo da indústria do entretenimento, com os reality shows se disseminando como epidemia. Quanto à massa, além de usufruir a vigilância indiscreta, pratica alegremente o esporte de espionar os semelhantes. Câmeras instaladas em celulares fizeram de cada cidadão um agente voluntário a serviço da grande rede de vigilância global. O "Grande Irmão" não é mais o ditador imaginado por George Orwell, aquele que tudo via, protegido em seu bunker supertecnológico. Hoje, o "Grande Irmão" é a massa. Todo mundo bisbilhota todo mundo.

Para chegar a esse estado passamos por duas grandes inversões. A primeira delas transformou o controle de presidiários numa forma de controle dos cidadãos. Há séculos o inglês Jeremy Bentham (1748-1832) imaginou uma prisão que permitiria aos carcereiros verificar a qualquer instante os movimentos de cada um dos prisioneiros. As celas seriam dispostas numa linha circular, alinhadas e empilhadas num imenso edifício arredondado. A parede externa desse edifício, aquela voltada para o lado de fora da circunferência, seria opaca, mas, e aí vem o detalhe perverso, a parede interna do edifício seria transparente, de tal modo que quem se postasse no miolo da prisão poderia ver, ao mesmo tempo, o interior de todas as celas. Por uma fresta em seu escritório central, o carcereiro veria todos, mas não seria visto pelos presidiários, que também não poderiam ver uns aos outros. Muitos anos depois, como se sabe, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) refletiu caudalosamente sobre esse sistema, identificando nele uma forma de dominação que extrapolaria em muito a penitenciária de Jeremy Bentham. O panóptico estaria presente em todos os campos sociais e, ao saber-se visível o tempo todo, o sujeito, solto ou encarcerado, não importa, estaria intimidado, controlado, perderia a sua privacidade, a sua liberdade, a sua espontaneidade.

A segunda inversão tem um sabor de anedota: os vigiados, longe de se lamentar, entraram com tudo na brincadeira. Nas redes sociais, intimidades as mais improváveis roubam a cena; as pessoas encenam e vazam suas próprias privacidades. O exibicionismo e o voyeurismo digitais são a marca por excelência do século 21. Foi então que o voyeurismo, cansado de obscenidades da extinta vida privada, começou a explorar os segredos mais valiosos dos que bisbilhotam o planeta em nome dos governos mais poderosos da atualidade. Era inevitável: mais cedo ou mais tarde, a indústria da vigilância total cairia na rede ela também.

Dentro disso, qual a grande surpresa do WikiLeaks? Ora, ora, nenhuma.

Pelo WikiLeaks, a espionagem oficial, antes guardada pelos carimbos de "secreto" ou "confidencial" nos gabinetes diplomáticos, vai-se convertendo em divertimento planetário. A profusão dos documentos vazados e a irrelevância da imensa maioria das informações conferem ao circo um certo ar de banalidade, como se segredos de Estado não fossem lá grande coisa. E talvez não sejam mesmo. O WikiLeaks sobrevém, assim, como a vingança dos que não têm mais privacidade contra os que ainda se imaginavam controladores das privacidades dos comuns. Não há mais segredos bem guardados, nem mesmo na Casa Branca. O panóptico estilhaçou-se, caiu como a velha Bastilha. Reis e rainhas trafegam nus. Os esconderijos esfacelam-se.

Nesse meio tempo, as reações do poder - econômico e político - contra o WikiLeaks revelam uma mentalidade pateticamente totalitária. Num jogo combinado, típico de coalizões militares, as instituições financeiras internacionais fecham o cerco. Governos agem de modo análogo. Será que esse pessoal acreditava que controlava a sociedade de modo tão absoluto?

Quem acreditou nisso errou. O WikiLeaks não é um site, mas uma possibilidade da era digital que se materializou num site. Outros virão. O vazamento indiscriminado vai continuar. Outras caixas de Pandora estão para cair. Que caiam.

*Jornalista, é professor da ECA-USP e da ESPM

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Michael Moore paga fiança de Julian Assange

Retirado do blog de Michael Moore: http://www.michaelmoore.com/words/mike-friends-blog/why-im-posting-bail-money

Yesterday, in the Westminster Magistrates Court in London, the lawyers for WikiLeaks co-founder Julian Assange presented to the judge a document from me stating that I have put up $20,000 of my own money to help bail Mr. Assange out of jail.

Furthermore, I am publicly offering the assistance of my website, my servers, my domain names and anything else I can do to keep WikiLeaks alive and thriving as it continues its work to expose the crimes that were concocted in secret and carried out in our name and with our tax dollars.

We were taken to war in Iraq on a lie. Hundreds of thousands are now dead. Just imagine if the men who planned this war crime back in 2002 had had a WikiLeaks to deal with. They might not have been able to pull it off. The only reason they thought they could get away with it was because they had a guaranteed cloak of secrecy. That guarantee has now been ripped from them, and I hope they are never able to operate in secret again.

So why is WikiLeaks, after performing such an important public service, under such vicious attack? Because they have outed and embarrassed those who have covered up the truth. The assault on them has been over the top:

**Sen. Joe Lieberman says WikiLeaks "has violated the Espionage Act."

**The New Yorker's George Packer calls Assange "super-secretive, thin-skinned, [and] megalomaniacal."

**Sarah Palin claims he's "an anti-American operative with blood on his hands" whom we should pursue "with the same urgency we pursue al Qaeda and Taliban leaders."

**Democrat Bob Beckel (Walter Mondale's 1984 campaign manager) said about Assange on Fox: "A dead man can't leak stuff ... there's only one way to do it: illegally shoot the son of a bitch."

**Republican Mary Matalin says "he's a psychopath, a sociopath ... He's a terrorist."

**Rep. Peter A. King calls WikiLeaks a "terrorist organization."

And indeed they are! They exist to terrorize the liars and warmongers who have brought ruin to our nation and to others. Perhaps the next war won't be so easy because the tables have been turned -- and now it's Big Brother who's being watched ... by us!

WikiLeaks deserves our thanks for shining a huge spotlight on all this. But some in the corporate-owned press have dismissed the importance of WikiLeaks ("they've released little that's new!") or have painted them as simple anarchists ("WikiLeaks just releases everything without any editorial control!"). WikiLeaks exists, in part, because the mainstream media has failed to live up to its responsibility. The corporate owners have decimated newsrooms, making it impossible for good journalists to do their job. There's no time or money anymore for investigative journalism. Simply put, investors don't want those stories exposed. They like their secrets kept ... as secrets.

I ask you to imagine how much different our world would be if WikiLeaks had existed 10 years ago. Take a look at this photo. That's Mr. Bush about to be handed a "secret" document on August 6th, 2001. Its heading read: "Bin Ladin Determined To Strike in US." And on those pages it said the FBI had discovered "patterns of suspicious activity in this country consistent with preparations for hijackings." Mr. Bush decided to ignore it and went fishing for the next four weeks.

But if that document had been leaked, how would you or I have reacted? What would Congress or the FAA have done? Was there not a greater chance that someone, somewhere would have done something if all of us knew about bin Laden's impending attack using hijacked planes?

But back then only a few people had access to that document. Because the secret was kept, a flight school instructor in San Diego who noticed that two Saudi students took no interest in takeoffs or landings, did nothing. Had he read about the bin Laden threat in the paper, might he have called the FBI? (Please read this essay by former FBI Agent Coleen Rowley, Time's 2002 co-Person of the Year, about her belief that had WikiLeaks been around in 2001, 9/11 might have been prevented.)

Or what if the public in 2003 had been able to read "secret" memos from Dick Cheney as he pressured the CIA to give him the "facts" he wanted in order to build his false case for war? If a WikiLeaks had revealed at that time that there were, in fact, no weapons of mass destruction, do you think that the war would have been launched -- or rather, wouldn't there have been calls for Cheney's arrest?

Openness, transparency -- these are among the few weapons the citizenry has to protect itself from the powerful and the corrupt. What if within days of August 4th, 1964 -- after the Pentagon had made up the lie that our ship was attacked by the North Vietnamese in the Gulf of Tonkin -- there had been a WikiLeaks to tell the American people that the whole thing was made up? I guess 58,000 of our soldiers (and 2 million Vietnamese) might be alive today.

Instead, secrets killed them.

For those of you who think it's wrong to support Julian Assange because of the sexual assault allegations he's being held for, all I ask is that you not be naive about how the government works when it decides to go after its prey. Please -- never, ever believe the "official story." And regardless of Assange's guilt or innocence (see the strange nature of the allegations here), this man has the right to have bail posted and to defend himself. I have joined with filmmakers Ken Loach and John Pilger and writer Jemima Khan in putting up the bail money -- and we hope the judge will accept this and grant his release today.

Might WikiLeaks cause some unintended harm to diplomatic negotiations and U.S. interests around the world? Perhaps. But that's the price you pay when you and your government take us into a war based on a lie. Your punishment for misbehaving is that someone has to turn on all the lights in the room so that we can see what you're up to. You simply can't be trusted. So every cable, every email you write is now fair game. Sorry, but you brought this upon yourself. No one can hide from the truth now. No one can plot the next Big Lie if they know that they might be exposed.

And that is the best thing that WikiLeaks has done. WikiLeaks, God bless them, will save lives as a result of their actions. And any of you who join me in supporting them are committing a true act of patriotism. Period.

I stand today in absentia with Julian Assange in London and I ask the judge to grant him his release. I am willing to guarantee his return to court with the bail money I have wired to said court. I will not allow this injustice to continue unchallenged.

P.S. You can read the statement I filed today in the London court here.

P.P.S. If you're reading this in London, please go support Julian Assange and WikiLeaks at a demonstration at 1 PM today, Tuesday the 14th, in front of the Westminster court.

Federal forma primeira indígena

Da assessoria de comunicação da UFPR

Em cerimônia marcada pela emoção, o reitor Zaki Akel Sobrinho concedeu o grau de cirurgiã dentista para a primeira aluna indígena da UFPR. Tenile Mendes, que na língua kaigang se chama Kring Mág, estrela grande ou estrela da manhã, "porque era muito branquinha quando nasceu", será a primeira dentista em sua aldeia.

Após fazer o juramento do dentista e receber o diploma, a nova profissional se apresentou: "Eu agora sou Tenile Mendes, kaigang, cirurgiã dentista, de Chapecó, Santa Catarina, da aldeia Pinhalzinho, e agradeço a acolhida na Universidade Federal do Paraná". Agora, a cirurgiã dentista vai voltar para a aldeia, onde pretende trabalhar para ajudar sua comunidade.

Tenile ingressou na UFPR através do programa de políticas afirmativas, aprovado em 2004 e implementado no ano seguinte. No caso das cotas para índios, a UFPR tem parceria com a Funai. São dez vagas destinadas aos povos indígenas de qualquer região do país. No discurso do paraninfo, o professor Jairo Bordini Junior, que também foi tutor de Tenile, ressaltou a validade e a importância da inclusão social. "A inclusão é um caminho que deve ser seguindo e incentivado. As dificuldades quanto ao aprendizado são as mesmas para todos os alunos, mas não podia deixar que a pressão social interferisse no avanço dentro do curso. E com esforço e dedicação, a Tenile conseguiu".

Para o representante dos povos indígenas do Sul, Rildo Mendes, a iniciativa da UFPR é "um primeiro passo para o futuro", ao preparar "profissionais índios para tabalhar nas terras indígenas". Na ocasião, o reitor recebeu de Rildo um colar confeccionado na aldeia Pinhalzinho e que simboliza o desejo de um futuro de grandes conquistas na parceria entre UFPR com os povos indígenas.

A democratização do acesso à universidade, com mais alunos de diferentes comunidades sem esquecer a excelência do ensino, da pesquisa e da extensão foi lembrada pela pró-reitora de Graduação, Maria Amélia Sabbag Zainko. "É uma satisfação colher resultados de uma política colocada em prática, de excelência acadêmica com inclusão social. Ver alunos bem formados para atuar de maneira adequada, com competência e como agentes transformadores da sociedade", diz Maria Amélia.

"A formatura de Tenile vai passar para a história da UFPR", disse o reitor Akel ao parabenizar a primeira indígena a se formar na instituição. "Tenile vai fazer a diferença, é um paradigma para todos os povos, não só os indígenas, mas para todo o povo brasileiro". Ao lembrar a gestão do reitor Carlos Moreira, que implantou as políticas afirmativas, Akel afirmou que a tarefa atual é ampliar, aprofundar e fazer avançar a inclusão social, conciliando inclusão, expansão e excelência acadêmica.

Etnia: brasileira
Tenile Mendes tem 22 anos e sempre viveu na aldeia Pinhalzinho. Saiu de Chapecó e deixou a família para estudar na UFPR. É filha de uma mistura bem brasileira. A mãe, Janete, é descendente de italianos e largou tudo para viver na aldeia quando se casou com o índio kaigang Reny. Agora, é o irmão Tales quem quer seguir os passos da irmã dentista e estudar na universidade. Assim como Tales, outros jovens índios da aldeia querem seguir o exemplo de Tenile.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Vamos com calma

Por Wagner Moura - protagonista de Tropa de Elite I e II -, retirado do site Socialismo e Liberdade
Estamos todos muito contentes com o fato das comunidades do Cruzeiro e do Alemão estarem (pelo menos provisoriamente) livres do julgo do tráfico? Estamos felizes por ninguém ter morrido na invasão do Alemão? Claro, ou não são também os moradores dessas regiões, cariocas, brasileiros que têm direito de ir e vir? Estou feliz pelo Rio, pelo Brasil, por nós todos, mas principalmente, estou feliz por quem mora na Penha. No entanto preciso dizer: vamos com calma. A cobertura que grandes veículos de comunicação têm dado às operações policiais é de um triunfalismo perigoso que pode induzir a uma solução simplista (diga-se de passagem, muito mais sóbrias têm sido as declarações do Secretário de Segurança e do Governador do Rio). A população da Zona Sul carioca (como microcosmo de nossa classe média-alta brasileira) embalada com a cobertura televisiva, em geral, se divide entre a excitação com "o dia D" redentor e a frustração por não ter visto aqueles traficantes em fuga serem alvejados por um atirador num helicóptero.

As comunidades livres do traficantes? É possível. Está havendo uma mudança de paradigmas quando se fala em tráfico de drogas, talvez o modelo do jovem de periferia armado vendendo pó esteja mesmo acabando. O Estado agora não pode sair das favelas reconquistadas, sob pena de repetição do esquema polícia-invade-muita-gente-morre-polícia-sai-o-tráfico-volta-e-toca-o-terror-na-comunidade, mas também não pode se manter lá só com a força policial, ou a mesma pode estabelecer uma relação de dominação semelhante à do tráfico ou das milícias com os moradores. O Estado precisa se fazer presente por inteiro. As UPPs são um ótimo primeiro passo, embora a polícia não tenha efetivo para se instalar agora nem na Penha nem em outras centenas de favelas cariocas dominadas por poderes paralelos. Na Vila Cruzeiro e no Alemão, o jeito vai ser deixar o Exército tomando conta por sete meses enquanto esses policiais da futura UPP são contratados e treinados. De tudo, o melhor foi ouvir que a prefeitura do Rio tem um plano de urbanização e políticas sociais e culturais para as favelas invadidas. Torço para que os agentes desse plano já façam companhia às Forças Armadas nesses sete meses, deixando alguns soldados livres para auxiliar no patrulhamento de fronteiras, impedindo que trezentos fuzis entrem no Complexo do Alemão.

Acabar com o tráfico? Aí é mais complexo. A única coisa que pode acabar mesmo com o tráfico é a legalização das drogas. Uma equação simples: enquanto houver consumo ilegal, haverá tráfico. De qualquer forma, a conquista de territórios perdidos e consequentemente das liberdades civis de seus moradores (conquistas que não combinam com abusos da polícia, que segundo alguns, participam de uma caça aos tesouros deixados por traficantes que fugiram pelo esgoto do PAC), é um grande avanço e merece aplausos, faz a gente pensar por que demorou tanto (Copa, Olimpíadas, não importa, antes tarde do que nunca). Me chamou atenção uma entrevista do chefe da polícia civil dizendo algo do tipo: "os bandidos da Rocinha que não se metam com a Zona Sul, senão vai sobrar para eles". Os ataques dos bandidos à Zona Sul do Rio certamente precipitaram a reação do Governo, mas o domínio de uma parcela da cidade por um poder que não o instituído já não é motivo suficiente para uma ação como a da semana passada?

Enfim, a retomada da Vila Cruzeiro e do Alemão pelo Governo é exemplar e importante especialmente para devolver direitos civis aos moradores das respectivas comunidades e as UPPs são um grande projeto, pois é o Estado finalmente se fazendo presente em bolsões de pobreza historicamente negligenciados por políticos.

Mas vamos com calma. É fundamental que haja uma reforma profunda na polícia; os policiais ganham muito mal (vale pensar sobre a PEC 300), são muito mal treinados, trabalham em péssimas condições e têm na corrupção uma cultura instituída. É urgente fortalecer as corregedorias e combater a corrupção policial! É preciso que as polícias ajam com a inteligência que demonstraram nas invasões; coordenadas. É fundamental que haja um patrulhamento nas fronteiras e rodovias e que se combata o tráfico de armas, que haja reforma do código penal para que o bandido perigoso não saia logo e para que o ladrão de galinha apenas preste serviços comunitários e é importante que se construam presídios de segurança máxima que impeçam um bandido de comandar seus negócios da cadeia. Tenho certeza que isso vai evitar muito sangue derramado na pura e simples política de confronto. Mas, mais do que tudo: a questão da segurança pública passa necessariamente pela questão social e isso não é esquerdismo naif. As comunidades pobres precisam deixar de ser tratadas como um caso de polícia. Precisam de hospitais, saneamento básico, emprego, esporte, lazer e principalmente educação e cultura. Assim como é melhor não deixar o fuzil entrar do que trocar tiro com ele, é melhor cuidar para que o jovem de periferia tenha alternativas antes que ele se transforme num daqueles cem caras fugindo que a gente viu na tv.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Copa do Mundo é dela

A Fifa anuncia que a Copa do Mundo de 2018 será na Rússia. Ou seja, a máfia russa vai comandar a Copa do Mundo de 2018. Terceirização é isso aí.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Caem os gols como as folhas de outono - e viva o Barça

Do El País

Los goles caen en el Camp Nou como las hojas en otoño, de manera natural, con la cadencia justa, de forma bella y serena, signo de bonanza y salud futbolística. No hay mejor equipo por ahora que el Barça y cuando se le discute tal condición, en el momento en que más se cuestiona su jerarquía, el rival corre el serio riesgo de ser ridiculizado, como por ejemplo le pasó al famoso Madrid, que cargó con un saco de goles. La propaganda anunciaba que por fin había dado el equipo blanco con el antídoto azulgrana, que Mourinho no es Juande ni Pellegrini ni Schuster, que Cristiano Ronaldo le sacaba dos palmos a Messi, que Özil es la monda y no hay delantero mejor que Di María, que si patatín que si patatán. El día que Real Madrid tenía que ganar el Camp Nou salió marcado con una soberana tunda futbolística.

Fueron cinco goles y pudieron ser seis, siete, cuatro, tanto da, porque el monólogo del Barcelona fue imparable para el Madrid. Nunca le habían metido un 5-0 a un equipo de Mourinho, del que no hubo noticias en el que fue su estadio en los tiempos de aprendizaje, superado por Guardiola. Desde el liderato de la Liga, invicto hasta anoche, el técnico portugués había cuestionado la trayectoria barcelonista y hasta se había permitido señalar a los árbitros y a los entrenadores rivales como cómplices de la jerarquía azulgrana. Pagó muy cara su bravata porque enfureció al Barcelona, tan suave con su juego y sus goles como colérico en su determinación por la victoria, más enfebrecido que nunca, tan romántico que no se dio por satisfecho hasta que cayó el quinto, el dígito que mejor simboliza su hegemonía futbolística.

El Madrid se perdió desde la lesión de Higuaín, mal sustituido por Benzema, un delantero que le da grandeza a la alineación a cambio de empequeñecer al equipo, muy desmejorado, excesivamente contemplativo, nada protagonista, siempre espectador. El absentismo y la melancolía del ariete francés fueron contagiosos para el plantel de Mourinho, desbordado por la exuberancia del Barça, muy enchufado en el partido. Achicaban fuerte los zagueros, mezclaban bien los medios y se desmarcaban rápidamente los delanteros, todos muy concentrados y sintonizados en la misma frecuencia, como si hubieran convenido que el partido se decidía en cada jugada. Así que se imponía una defensa sin concesiones, siempre tensa, y una delantera muy concreta, nada retórica.

La intensidad azulgrana dejó en fuera del juego a los madridistas. Pasado el cuarto de hora, el Barça ya contaba dos goles, los dos inapelables, expresión inequívoca del dominio ejercido por los actores aparentemente secundarios del encuentro, jugadores que a menudo solo cuentan como acompañantes de figuras del calibre de Messi, peleado con la madera nada más empezar la contienda. A la cabeza del pelotón barcelonista está siempre Xavi, excelente en la conducción, barómetro inequívoco del juego, referente del equipo de Guardiola. El protagonismo de Xavi fue tan categórico que se permitió la licencia de inaugurar el marcador con un toque sutil, delicioso, la mejor de las respuestas al centro desde la banda izquierda de Iniesta y a la apurada defensa de Marcelo, vendido por los centrales.

Al rato repicó Pedro después de un centro malicioso de Villa, de manera que el clásico presumiblemente más igualado de los últimos años se había desequilibrado en un abrir y cerrar de ojos. Acababa el Barça las jugadas mientras el Madrid buscaba munición en las acciones episódicas, siempre fuera de las áreas, su zona preferida. La continuidad en el juego de los azulgrana solo fue interrumpida por Ronaldo, cuando empujó a Guardiola, y por Carvalho, que le dejó el codo en la barbilla de Messi, impaciente por meterse en el partido. Obcecados los madridistas con La Pulga, los barcelonistas marcaron las diferencias con el fútbol de sus medios y el oportunismo de los delanteros, más afilados y agresivos que los del rival, sorprendentemente dóciles, superados por el ímpetu del contrario y la carga ambiental.

Acostumbrado a atacar en línea recta, el Madrid fue sorprendido por el juego circular y de triangulación del Barça. A Mourinho no le quedó más remedio que recuperar su versión más conservadora, como si hubiera recuperado el traje del Inter después de tirar la zamarra del Madrid. Quitó a Özil, la bandera del futuro más atrevido y excelso del club, para poner a Lass, el símbolo del pasado, el hilo conductor de tantos entrenadores fracasado en Chamartín. Al Barcelona había que jugarle desde la trinchera y no a campo abierto, como un equipo pequeño y no con grandeza, desde el estraperlo y no del intercambio de propuestas futbolísticas. Ni dando un paso atrás atemperó el Madrid la fiebre del Barcelona, soberano, supremo y campeón, más efectivo que nunca, siempre dispuesto a poner punto y final a cada ocasión.

Desapareció la figura de Cristiano Ronaldo mientras Mourinho se retiraba al banquillo, encogido, incapaz de corregir un partido tan decantado a favor del juego colectivo barcelonista que permitió la defensa de las causas personales, como por ejemplo la de Villa, asistido doblemente por Messi, dos veces goleador el asturiano frente a Casillas. Acostumbrado a resolver los partidos de entretiempo, Messi fue más generoso que nunca la noche del clásico, como se pide a los fuera de serie. El bisturí de La Pulga se impuso al cañón enmudecido de Ronaldo. La velocidad del juego azulgrana cuestionó la calidad física del Madrid y su mejor organización con Mourinho. A los muchachos de Mou les queda todavía muchas sopas por tomar para alcanzar la madurez de los chicos de Guardiola.

La sala de prensa es propiedad de Mourinho y de Cristiano. El terreno de juego, en cambio, pertenece a Guardiola, Xavi y Messi, que pusieron cinco goles de diferencia en el que se anunciaba como el clásico más igualado de todos los tiempos. Alguien mentía y no era el Barça, más futbolero que nunca, siempre fiable, especialmente querido. No hay mejor respuesta a la mayor de las chulerías que un humillante 5-0. No hubo ni rastro del Grupo Salvaje de Mourinho sino que en el Camp Nou continúan cayendo los goles como las hojas en otoño. El Barça le cierra la boca al Madrid.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O Rio, Verissimo e o Popular

A guerra no Rio não torna o humor apropriado para analisá-la, mas, definitivamente, é inescapável a lembrança de um texto de Luis Fernando Verissimo, de 1973. Veio à mente na quinta-feira, quando uma amiga comentou uma foto em que dezenas de pessoas cercavam um local onde, presumivelmente, havia uma bomba prestes a explodir. Eram os famosos populares - aquele gente desconhecida que testemunha a notícia ali, a quente. Vale a leitura de O Popular.

O Popular, por Luis Fernando Verissimo (retirado da internet, sem recolhimento de direitos autorais que este blog é pobre de marré-de-si).

Um número recente da Veja trazia fotografias sensacionais das (como diria um inglês) “incomodações” na Irlanda do Norte. Todas eram de ganhar prêmio, mas uma me impressionou especialmente. Nela aparecia a versão irlandesa do Popular.
É uma figura que sempre me intrigou. A foto da Veja mostra um soldado inglês espichado na calçada, protegido pela quina de um prédio, o rosto tapado por uma máscara de gás, fazendo pontaria contra um franco-atirador local. Atrás dele, agachados no vão de uma porta, dois ou três dos seus companheiros, também em plena parafernália de guerra, esperam tensamente para entrar no tiroteio. Há fumaça por todos os lados, um clima de medo e drama. Mas ao lado do soldado que atira, em primeiro plano, está o Popular. De pé, olhando com algum interesse o que se passa, com as mãos nos bolsos e um embrulho embaixo do braço. O Popular foi no armazém e na volta parou para ver a guerra.
Sempre pensei que o Popular fosse uma figura exclusivamente brasileira. Nas nossas incomodações políticas, no tempo em que ainda havia política no Brasil, o Popular não perdia uma. Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baioneta calada e lá estava o Popular, com um embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na Avenida? Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia. Cheguei a imaginar, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular aparecia assistindo ao Descobrimento do Brasil, à Primeira Missa, ao Grito da Independência, à Proclamação da República... Sempre com seu embrulho debaixo do braço. E de camisa esporte clara para fora das calças. (O Popular irlandês veste terno e sobretudo contra o frio. O Popular tropical é muito mais Popular.)
Não se deve confundir o Popular com o Transeunte, também conhecido como o Passante. O Transeunte ou Passante às vezes leva uma bala perdida, o Popular nunca. O Transeunte às vezes vai preso por engano, o Popular é que fica assistindo à sua prisão. O Transeunte, não raro, se compromete com os acontecimentos. Aplaude o visitante ilustre que passa, por exemplo. O Popular fica com as mãos nos bolsos e quase sempre presta mais atenção ao motociclo dos batedores do que à figura ilustre. O Transeunte pode se entusiasmar momentaneamente com uma frase de comício ou um drama na rua, e aí o Popular é que fica olhando para o Transeunte.
O Popular não tem opinião sobre as coisas. Quando o rádio ou a televisão resolvem ouvir “a opinião de um popular” na rua, sempre se enganam. O Popular nunca é o entrevistado, é o sujeito que está atrás do entrevistado, olhando para a câmara.
O Popular não merece nem os méritos nem a calhordice que a imprensa lhe atribui. Alguém que é “socorrido por populares”, outro, menos feliz, que é linchado por populares... Engano. Onde há um bando de populares não há o Popular. O Popular é a antimultidão. Sua única virtude é a sua singularidade. E um certo ceticismo inconsciente diante da História e das coisas. Não é que o Popular desmereça o Poder e os grandes lances da Humanidade, é que ele tem uma fatal curiosidade pelo detalhe supérfluo, um fascínio irresistível pelo insignificante. Nas revoluções, o que atrai o Popular é a estranha postura de um soldado deitado no chão, o mecanismo de um tanque, as lentes de uma câmara.
O Popular é uma figura tipicamente urbana. Não tem domicílio certo. Seu habitat natural é a margem dos acontecimentos. E - este é o seu maior mistério, a chave da sua existência - ninguém jamais conseguiu descobrir o que o Popular leva naquele embrulho. E tem mais. O dia em que pegarem um Popular para desvendarem um mistério, será inútil. Vão se enganar outra vez. O Popular verdadeiro estará atrás do preso, assistindo a tudo.

O Olhar de Capitu - 13.ª parte de um romance inexpugnável

Mas os salões destituídos de brechas, xenófobos que só eles, cravam pistolas e alabastros intestinais, respeitosos cabedais, furam castiçais e choram os táxis ecumênicos. Justifica-se? Tal e qual, cavalga o guarani em crescente ópera impressionista, um santo do pau-oco realista, criativo, atacante de pâncreas e sereias.

Mandioca energética, do silêncio à prática um ano depois

Por Montezuma Cruz, do site Gente de Opinião

Manaus (AM) e Brasília - O ato da assinatura do projeto de geração de energia elétrica a partir do etanol de mandioca, em Itacoatiara (AM), nesta quinta-feira (25) teve um simbolismo especial para Amazônia: apesar de o governo federal não ter ainda incluído essa cultura na matriz energética nacional, a Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobras) deu a primeira arrancada rumo à produção desse etanol, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Inedes), Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a Vale Soluções em Energia (VSE). A inclusão da mandioca atenderia à principal recomendação do 13º Congresso Brasileiro da Mandioca de 2009, em Botucatu (SP).

Em Vila de Lindóia, pequena comunidade no município de Itacoatiara, a 177 quilômetros de Manaus, esse grupo instalará dois geradores modificados, de 250 quilowatts (kW) cada, na usina concessionária de energia elétrica. O projeto custa R$ 3,8 milhões e tem prazo de 27 meses para execução. Os primeiros resultados da produção saem em dez meses, estima-se.

Essas máquinas serão abastecidas com etanol produzido na Fazenda Experimental da Ufam, localizada na rodovia Manaus-Caracaraí-Boa Vista (BR-174). Utilizando a mais alta tecnologia mundial, o pólo energético alternativo será acionado on line, ou seja, com transmissão de dados via internet para a base em Manaus.

O uso do etanol de mandioca na produção de energia elétrica fora reivindicado há pouco mais de um ano pelo senador Tião Viana (PT-AC), durante reunião com os gerentes de Planejamento e Engenharia, Ademar Palocci, e de desenvolvimento Energético das Comunidades Isoladas, Ércio Muniz Lima, ambos da Eletrobras.

Naquela ocasião, Viana levava para análise da estatal dois fatores altamente positivos: 1) o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargem), Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho havia concluído com êxito a transformação da massa da mandioca (inclusive da variedade açucarada, do Pará) em etanol, numa experiência feita no barracão da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF); 2) projeto idealizado pelo doutor em energia renovável, Diones Assis Salla, do Acre, demonstrava a possibilidade da construção de uma microdestilaria para o processamento de raízes de mandioca colhidas por famílias de pequenos agricultores no Vale do Juruá.

O senador levou para aquela audiência na Eletrobras o deputado Fernando Melo (PT-AC) e o engenheiro agrônomo Diones Salla. Com estudos em mãos, disseram ao coordenador corporativo de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do Sistema Eletrobras, José Carlos Medeiros, que se tratava de um projeto simples, porém, capaz de revolucionar o fornecimento de energia para pequenas comunidades isoladas. “Uma tecnologia, que se obtiver sucesso poderá ser exportada”, assinalava Tião Viana.

Por que razão? O projeto acreano contempla o mercado local de mistura à gasolina, em torno de 25%, facilitando a produção do seu próprio combustível, o álcool hidratado a ser usado para acionar motores geradores de energia elétrica em comunidades isoladas. Custo inicial: R$ 1,4 milhão.

Mangiare

Na rua Rocha Pombo, no Juvevê, bem em frente ao caro e nem tão bom assim Mangiare Felice, floresce um refeitório de nome Spich. Comida a R$ 4,50, sem direito a mais de duas porções de ovo, quibe ou almôndega (ou seja, pegou uma terceira - e minúscula - almôndega, morre com mais milão). Saladas à vontade, mas só porque pobre gosta de comida que faz cimento no estombo e quase não dá bola pras verduras.
Ali comem peões da região, guardadores de carro ostentando seus coletes de autoridade e até moradores de rua. Nada contra essa plebe que faz lembrar a Revolução Francesa. Mas a ruindade da comida e do serviço tornam irresistível pespegar um trocadilhesco apodo ao local: Mangiare Infelice.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

#orgulhodesernordestino: Twitter, racismo e estupidez

Pedro Doria, no Estadão digital de hoje (segunda)
Os computadores do TSE ainda estavam quentes de tanto processar voto na segunda-feira passada, quando a estudante de Direito paulistana Mayara Petruso achou por bem navegar pela rede social. “Nordestino não é gente”, escreveu no Twitter. “Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!” Não satisfeita, de lá pulou para o Facebook – “Deem direito de voto pros nordestinos e afundem o País de quem trabalha para sustentar os vagabundos que fazem filho para ganhar o bolsa 171.”

Estupidez pura.

Mayara não foi a única a atacar nordestinos naquela segunda-feira. Uma parcela de eleitores insatisfeitos com o resultado do pleito tomou o caminho do preconceito. É como se dissessem: quem vota contra minha opção algum defeito há de ter. Há um equívoco essencial aí: Dilma não venceu apenas no Nordeste. Também teve maioria em Estados do Sudeste, como Rio e Minas. Mas não importa. Aos preconceituosos, qualquer estereótipo é irresistível.

Mayara não é um caso isolado embora talvez tenha sido a mais agressiva. Também não dá para dizer que a reação racista ao resultado do pleito tenha sido generalizada. Foi pontual.

Mais impressionante do que a estupidez dos comentários, no entanto, foi o tamanho da repercussão na rede. Na terça-feira, a hashtag que dominou o Twitter foi #orgulhodesernordestino. Era gente contando histórias pessoais, prestando solidariedade, desabafando. Perante o ódio, a internet serviu a um levante contra o preconceito.

E a uma surra sem precedentes na moça. Ela apagou seu perfil no Twitter, no Facebook, desapareceu. Terminou demitida do escritório de advocacia onde fazia estágio e tem uma ameaça de processo por crime de racismo movida pela OAB de Pernambuco. Há quem peça sua prisão. Advogados, como jornalistas, têm a obrigação de medir o que escrevem. Que lhe sirva de lição.

Na forte reação aos comentários de Mayara, é importante entender que lições ficam para nós. A principal está na resposta para uma pergunta fundamenta: São Paulo é tão preconceituosa quanto a moça fez parecer?

A resposta pode estar escondida no Google Insights for Search, a ferramenta do serviço que nos permite compreender que padrão uma busca específica segue. Buscas pelo nome “Mayara Petruso” começaram a pipocar no dia primeiro, tiveram queda ligeira no feriado de Finados e deram um salto ainda maior no dia 3. Tudo faz sentido: a notícia de que a internet tinha uma nova vilã corria e teve gente indo ao Google procurando detalhes da história.

O mais interessante, no entanto, é saber quem estava buscando por Mayara. E não eram nordestinos. Eram, principalmente, paulistas.

Buscas pela palavra “nordestino” também cresceram nos três primeiros dias de novembro. E, novamente, foram buscas realizadas de dentro de São Paulo, não no resto do País. “Preconceito” e “racismo” foram outras palavras cuja frequência de buscas aumentou. Nestes casos, a Bahia dividiu com São Paulo o interesse.

Segundo o TrendsMap.com, ferramenta que acumula a história dos assuntos mais populares do Twitter e os divide geograficamente, gente de São Paulo se engajou ativamente na campanha #orgulhodesernordestino. Mais do que gente do Rio Grande do Norte e no mínimo tanto quanto baianos, cearenses e pernambucanos.

Há racismo em São Paulo, mas São Paulo não é racista. Os números do Google mostram que nenhum lugar do Brasil se mobilizou mais por conta das declarações de Mayara do que São Paulo. E a ampla população paulista no Twitter se entregou de alma no movimento de resposta, encampando o mote do orgulho geográfico.

Estereótipos não são tentadores apenas para os preconceituosos. Estão aí para que qualquer um lance mão deles quando busca um argumento fácil. As declarações de Mayara Petruso não circularam apenas no Brasil. Ela apareceu na imprensa britânica, na americana, na espanhola.

A notícia que circulou pouco foi a notícia melhor. Perante uma estupidez, o Brasil inteiro, independentemente de geografia, se incomodou e respondeu. Somos todos muito melhores do que isso. Ainda bem.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Estupidamente incorreto

Nelson Motta, no Estadão de hoje (05)
A estupidez humana não conhece limites, principalmente quando acredita estar agindo em nome de Deus ou "fazendo o bem". Além de tentar controlar e censurar a liberdade de opinião, o politicamente correto agora quer reescrever a História.

Nos Estados Unidos, Huckleberry Finn, de Mark Twain, um clássico da literatura americana, foi banido em muitas escolas, sob a acusação de racismo. Porque no livro, que se passa no século 19, os negros são chamados de "nigger", um pejorativo pior do que "crioulo". Por ironia, os negros americanos modernos resgataram criticamente a palavra maldita e se tratam entre si pelo vocativo "nigga", um equivalente afetuoso de "negão". Garotos negros e brancos continuam se encantando com os livros de Mark Twain. E o racismo é história.
No Brasil, macaqueando o gringo, querem banir das escolas o clássico infantil Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, por suposto conteúdo racista, ao comparar Tia Nastácia a uma macaca quando ela trepa agilmente em uma árvore fugindo de uma onça. Numa edição mais correta, Tia Nastácia deveria ser comida pela onça. E não haveria nenhuma caçada, porque a onça é um animal em extinção e a simples ideia de caçá-la é intolerável em "um mundo melhor".

Tia Nastácia foi um dos grandes amores de minha infância e de todos que leram os livros de Monteiro Lobato. Era carinhosa, sabida, engraçada, popular, uma queridona. A cor de sua pele sempre foi um detalhe e só serviu para me incutir a ideia de que gente de qualquer cor poderia ser adorável. Ou detestável. Foi uma vigorosa contribuição contra os preconceitos e a intolerância.

Graças ao amor e à sabedoria de uma velha caipira e uma negra analfabeta, Pedrinho, Narizinho e várias gerações de brasileiros receberam uma rica educação, baseada na cultura e na aventura, na liberdade e na alegria. Com impecável ética pessoal, Dona Benta e Tia Nastácia, além de divertir e ensinar, passavam às crianças valores universais. Mais correto seria adotar em todas as escolas brasileiras o Guia politicamente incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch. Para educar os educadores.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Código de Hamurábi

112. Se durante uma jornada, a alguém forem confiados prata, ouro, pedras preciosas ou outra propriedade móvel de outrem, e o dono quiser reaver o que é seu: se este alguém não trouxer toda a propriedade no local apropriado e se apropriar dos bens para seu próprio uso, então esta pessoa deverá ser condenada, e terá de pagar cinco vezes o valor daquilo que foi confiado a ele.
113. Se alguém tiver um depósito de cereais ou dinheiro, e tomar do depósito ou caixa sem o conhecimento do dono, aquele que retirou algo do depósito ou caixa sem o conhecimento do proprietário deve ser legalmente condenado, e pagar os cereais que pegou. Ele deve também perder qualquer comissão que lhe fosse devida.
114. Se alguém tiver uma demanda por cereais ou dinheiro com relação ao outrem e tentar obter o que lhe é devido à força, este alguém deverá pagar 1/3 de mina em prata em cada caso.
115. Se alguém tiver uma demanda por cereais ou dinheiro com relação ao outrem e levar este outrem à prisão: se a pessoa morrer na prisão por causas naturais, o caso se encerra ali.
116. Se o prisioneiro morrer na prisão por mau tratamento, o chefe da prisão deverá condenar o mercador frente ao juiz. Caso o prisioneiro seja um homem livre, o filho do mercador deverá ser condenado à morte; se ele era um escravo, ele deverá pagar 1/3 de uma mina em outro, e o chefe de prisão deve pagar pela negligência.

Eleição

Serra vai dançar por obra e graça de seus amigos. Primeiro o Paulo Afrodescendente, agora os caras do rolo do metrô. E quem acaba com ele é justamente a Folha, lídimo representante do PIG. Serra só se salva se destruir a Dilma no debate. A ela, basta defender-se (as pesquisas apontam que nada cola em Dilma e Lula) e contra-atacar no momento certo.

Microconto 13 de 100

Na ação de divórcio, ela abriu mão de quase tudo. Pediu para ficar com o sofá da sala. Tudo começou ali, ele depois rindo e limpando o pinto na cortina.

O olhar de Capitu - 12.ª parte de um romance impublicável

Como se dará a execução deste parvo cigarro quase apagado?, indaga o monge anelar. Gera-se o polegar merceeiro secular, seguro de ser alveolar, como se fabricado em oxigenado laticínio, parido em estação farisaica auricular. Industrial, idolatrado quadricular calçado, lendo, modorrento, madrugueiro torneiro. Onde, onde?, provoca o cocainômano, espirrando, salgado, triangular manhã de peras e chaves-de-fenda.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Carta da educação à candidata Dilma Rouseff

Candidata Dilma Rousseff,

Considerando-se a necessidade de um maior detalhamento do Programa de Governo apresentado por sua candidatura em relação à EDUCAÇÃO, nós, servidores do Ministério da Educação, aqui representados por meio do Movimento de Valorização dos Trabalhadores em Educação do MEC – MOVATE, solicitamos a Vossa Senhoria manifestar-se perante os seguintes compromissos – os quais esperamos que sejam acolhidos em seu possível mandato:

* cumprir e colaborar efetivamente com as determinações legais do Plano Nacional de Educação – PNE, direcionando as ações do MEC no rumo dos PLANOS DE ESTADO, em detrimento de Planos de Governo, de forma que possamos assegurar um regime de continuidade da políticas públicas em educação;
* apoiar efetivamente os municípios na elaboração e acompanhamento dos respectivos Planos Municipais de Educação;
* estabelecer uma gestão técnica do Plano de Ações Articuladas – PAR para que esse instrumento possa de fato servir às políticas do MEC, não sendo implementado apenas com o atual viés político;
* priorizar a competência técnica e a clareza de princípios dos agentes que venham a ocupar cargos de direção no MEC, não mais utilizando a estrutura de cargos como forma de angariar apoio político de entidades ligadas a educação e de partidos políticos – muitos com interesses dissonantes dos reais propósitos do Órgão;
* reestruturar a força de trabalho do MEC priorizando abertura imediata de concurso público para provimento das vagas de nível superior – sobretudo da área fim do Ministério da Educação;
* priorizar a capacitação técnica dos servidores de acordo com o estabelecido no Art. 6º do Decreto 5.707/06 e garantir a isonomia salarial da estrutura remuneratória do MEC com as demais instituições vinculadas a este órgão, tais como FNDE, INEP, CAPES – estes já possuem planos de carreira, enquanto o MEC luta há mais de 20 anos pela estruturação de seus quadros;
* respeitar o Decreto 5151/04 e não mais contratar serviços de consultoria como forma de recompor a força de trabalho do MEC ou de atender a anseios fisiologistas de determinados grupos, reconhecendo o concurso público como forma legítima de acesso ao Ministério para trabalhadores que hoje prestam serviços ao Órgão de forma ilegal;
* comprometer-se com a inserção de servidores públicos efetivos na elaboração, execução e acompanhamento das políticas públicas, criando condições para o fortalecimento da memória institucional do MEC;
* investigar a lisura dos procedimentos que envolveram os contratos do MEC com organismos internacionais realizados nos últimos anos;
* cessar com as perseguições políticas desencadeadas pela atual administração do MEC contra servidores públicos que levaram a órgãos de controle denúncias de irregularidades praticadas por dirigentes do Ministério;
* permitir a reunião dos trabalhadores em seu local de trabalho, não mais impedindo o acesso de servidores do MEC aos auditórios que eram habitualmente utilizados como espaços de reuniões da categoria;
* elucidar à população brasileira o real alcance do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, transparecendo o que de fato é mensurado pelo Índice e criando mecanismos contra a manipulação política dos dados (como o aumento artificial do IDEB por intervenções no fluxo escolar). Também combater qualquer tipo de discriminação das escolas ou sistemas de ensino baseada na pontuação do IDEB;
* assegurar a autonomia e restabelecer a missão política-administrativa do Conselho Nacional de Educação – CNE, dotando-o de meios para ampliar sua contribuição à educação brasileira;
* comprometer-se com a discussão ampla da Administração Pública, criando propostas alternativas que superem a lógica burocrática da administração clássica e a lógica da administração gerencial do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, mantidas em boa parte pela atual gestão do MPOG.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ao mestre, com carinho

Da Agência Fapesp
Estudioso do padrão de evolução dos répteis na América do Sul por mais de 60 anos, o zoólogo Paulo Emílio Vanzolini é um dos autores da Teoria dos Refúgios, que explica o surgimento da diversidade da fauna no continente.

A incalculável contribuição de Vanzolini para a ciência poderá ser apreciada em sua totalidade no livro Evolução ao Nível de Espécie: Répteis da América do Sul, lançado na última sexta-feira (15/10), na sede da Fapesp, com a presença do autor.

Publicada pela Editora Beca, com apoio da Fa´pesp, a obra traz na íntegra os 153 artigos científicos publicados por Vanzolini entre 1945 e 2004. O volume de 704 páginas, contendo 47 publicações selecionadas, é acompanhado por um CD-ROM com os outros 106 artigos do período.

De acordo com Vanzolini, o livro possibilita uma compreensão geral de sua obra, dedicada ao estudo sistemático dos répteis e à busca por um modelo evolutivo capaz de explicar a sua diversidade.

“Foi uma iniciativa muito interessante, porque muitos desses artigos estavam dispersos em revistas que não estão disponíveis mundialmente. O conteúdo é bastante representativo da minha carreira e é bom ter tudo isso reunido em um lugar só”, disse ele à Agência Fapesp.

Segundo Celso Lafer, presidente da Fapesp, a publicação do livro é um reconhecimento da contribuição de Paulo Vanzolini para o desenvolvimento da ciência no campo da zoologia. “É também uma maneira de sublinhar como a história de sua vida está ligada de maneira tão construtiva à da Fapesp, desde a década de 50 do século passado”, disse Lafer.

Vanzolini teve participação ativa nos movimentos organizados por pesquisadores de instituições paulistas voltados para tornar real a criação do órgão de fomento à pesquisa científica que era previsto na Constituição Estadual Paulista de 1947.

A ação desses cientistas resultou na elaboração do Projeto de Lei que levou à criação da Fapesp, também com a participação de Vanzolini. “Ele contribuiu para a estruturação da Fundação e para a concepção do seu modelo de organização”, afirmou Lafer.

Vanzolini também integrou a primeira composição do Conselho Superior da Fapesp, de 1961 a 1967, e cumpriu mandatos de conselheiro de 1977 a 1979 e de 1986 a 1993, além de coordenar inúmeros projetos com apoio da Fundação.

Formado em Medicina na Universidade de São Paulo (USP), Vanzolini concluiu o doutorado em 1951 na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e decidiu trabalhar com herpetologia, o estudo de répteis e anfíbios.

Diretor do Museu de Zoologia da USP de 1962 a 1993, teve forte atuação na organização da coleção da instituição. Em sua gestão, a coleção passou de pouco mais de mil exemplares catalogados para mais de 300 mil.

Além de zoólogo, Vanzolini se destacou também como compositor de música popular. É um dos maiores nomes do cancioneiro nacional, autor de músicas - gravadas por dezenas de cantores - como Ronda, Praça Clóvis e Volta por cima.

Gênese de uma teoria

No fim da década de 1960, em conjunto com o biólogo norte-americano Ernest Williams e com a colaboração do geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber, Vanzolini resgatou conceitos que eram usados para explicar a diferenciação de aves na Europa e apresentou a Teoria dos Refúgios. A mesma proposta foi feita simultaneamente pelo alemão Jurgen Haffer, de forma independente.

Até ali, a hipótese mais aceita para explicar a existência da biodiversidade nas florestas sul-americanas era a influência de longos períodos de estabilidade climática e geológica, que teriam representado ambiente propício para cruzamentos e reprodução, gerando grande número de espécies.

“Mas havia diferenciações que não se explicavam pelas diferenças da ecologia das florestas. A Amazônia, por exemplo, não foi sempre igual. No passado houve períodos de redução da floresta e certas formas de vida, isoladas nesses refúgios remanescentes, não se misturaram mais e geraram novas espécies”, explicou Vanzolini.

A Teoria dos Refúgios estabelece que o continente teria passado, no último 1,6 milhão de anos, por ciclos de variações climáticas intensas. Quando o continente enfrentou a última glaciação – entre 18 mil e 14 mil anos atrás –, o frio teria formado nichos geográficos com florestas tropicais – ou refúgios –, que garantiram a sobrevivência de espécies menos acostumadas ao frio.

“A diversidade e a especiação não surgiram a partir de uma evolução estável, mas graças à formação das ilhas de isolamento e a mudanças frequentes”, disse.

Haffer, de acordo com Vanzolini, foi mesmo o primeiro a chegar a essa ideia, não a partir de dados experimentais, mas de uma perspectiva teórica. “Quem inventou a Teoria dos Refúgios foi ele, a partir de um brilhante trabalho conceitual. Eu apenas confirmei tudo isso, de forma independente, a partir da análise de um grupo de lagartos com base em um amplo trabalho de campo. Chegamos ao mesmo ponto, quase simultaneamente, por caminhos inversos”, disse.

Em 1969, Vanzolini trabalhava no Museu de Zoologia da USP na companhia de Williams – que viera da Universidade Harvard para o Brasil especialmente para desenvolver a pesquisa que fundamentava a Teoria dos Refúgios – quando recebeu um envelope da revista norte-americana Science.

“Eles estavam me pedindo um parecer sobre o artigo do professor Haffer. Ele era meu amigo, mas eu não sabia que estava desenvolvendo essa teoria, pois até ali não havia documentação alguma. Eu e Williams ficamos surpresos e enviamos para Haffer o trabalho sobre a distribuição de répteis. Ele veio em seguida para o Brasil e publicamos simultaneamente, em 1970, os dois artigos”, relembrou.

Vanzolini, no entanto, não considera a Teoria dos Refúgios como o foco central de seus trabalhos e sim como uma de suas consequências.

“Meu foco científico sempre foi o padrão de evolução dos répteis na América do Sul no Terciário Superior e no Quaternário. A Teoria dos Refúgios é um aspecto desse trabalho. Uma consequência de uma visão interdisciplinar da pesquisa. Sou zoólogo de profissão, mas tive que aprender a usar ferramentas estatísticas e interagir com os geógrafos. Eu me diverti muito fazendo isso”, afirmou.

Ab’Saber, segundo Vanzolini, foi o responsável por fornecer a bibliografia necessária na área de geomorfologia. “Nossa sorte foi que existia em São Paulo uma faculdade de geografia de qualidade muito alta”, afirmou.

Apesar da grande influência da Teoria dos Refúgios, há estudos que procuram contestá-la ou até negá-la completamente. Vanzolini, no entanto, afirma que até o momento ninguém apresentou nenhuma explicação científica mais convincente.

“Eu, pessoalmente, não tenho dúvida alguma. As contestações levantadas até agora eram superficiais. Podemos dizer até mesmo que a Teoria dos Refúgios é algo que ficou no passado, como algo consolidado. Trata-se de uma teoria tão lógica que o primeiro que estudou o assunto a fundo chegou a ela”, apontou.

Futuro promissor

Para Vanzolini, no entanto, a partir da base fornecida pela Teoria dos Refúgios, os estudos na área de zoologia deverão avançar com muita rapidez, nos próximos anos, graças às novas ferramentas e metodologias disponíveis.

“Quando comecei minha carreira, a zoologia brasileira era uma tristeza. O mais importante era competir com os estrangeiros em termos de nomenclatura. Hoje já avançamos muito. E o futuro é muito promissor”, afirmou.

Vanzolini citou a tese de doutorado defendida em 2009 por Fernando Mendonça d'Horta, no Instituto de Biociências da USP, orientada pela professora Cristina Yumi Miyaki, como exemplo das possibilidades de avanço da zoologia a partir de novas ferramentas.

“Ele trata da Teoria dos Refúgios a partir da perspectiva da genética, que gera resultados incomparavelmente mais robustos que a perspectiva da estatística. Há 20 anos, isso seria impensável. Hoje, temos essa interação com geneticistas. No Museu de Zoologia, temos teses sobre peixes nessa mesma linha”, disse.

Consenso conservador cria falsa divergência entre Serra e Dilma

Do Correio da Cidadania

Aqueles que esperavam se deparar com um digno debate político no primeiro turno, que pudesse ajudar na escolha de um candidato, acabaram bastante frustrados. Denuncismo hipócrita, promessas excessivas, citações de feitos passados, desfile de números e siglas invadiram o cotidiano dos eleitores, sem nada lhes dizer dos problemas reais do Brasil e de projeções efetivas para o futuro.

Entre os adversários à frente nas pesquisas, e que agora disputarão o segundo turno, nós cidadãos, vimos, de um lado, um candidato que não se arriscaria jamais a uma crítica cerrada ao presidente Lula, com medo de perder mais popularidade; de outro lado, uma candidata que não poderia levantar os temas cruciais da nação, temerosa de perder o apoio da burguesia.

A ausência de radicalização por parte de Serra e de Dilma perfaz um retrato cabal da despolitização a que assistimos, de forma a só cortejar as visões mais consensuais e conservadoras. O estilo comum aos dois candidatos consiste, ademais, em uma demonstração inequívoca da sua conformação ao modelo de sociedade neoliberal.

Para o sociólogo Francisco de Oliveira, nosso entrevistado especial, não é necessário ir longe e nem divagar pela questão religiosa ou ambiental para buscar as causas do crescimento de Marina no primeiro turno. Foi em meio à convergência entre Serra e Dilma que pôde surfar uma candidata, que, para Oliveira, não tem proposta alguma, prega um ambientalismo vago e genérico, não entra em bola dividida e sequer se pronuncia em assuntos cruciais.

O futuro, pelo menos o mais próximo, não se apresenta muito alvissareiro para o sociólogo. Dilma será a provável vitoriosa, os debates entre ela e o adversário devem prosseguir bastante rasteiros no segundo turno e a maioria parlamentar obtida no Congresso pelo bloco liderado pelo PT deverá reforçar o conservadorismo do partido, assim como a regressiva característica de uma agremiação que passou a se constituir em uma mistura entre o PRI (Partido Revolucionário Institucional, no México) e o peronismo.

Confira abaixo.

Correio da Cidadania: Como o senhor avalia os resultados das eleições presidenciais até o momento, que definiu o 2º turno entre Dilma Rousseff e José Serra? Por que Dilma não ganhou no primeiro turno, conforme muitos esperavam?

Francisco de Oliveira: Acho que está tudo dentro das margens de erro das próprias pesquisas. Não houve grande surpresa. A surpresa, de fato, foi a Marina Silva com quase 20%, que as pesquisas não detectavam e ninguém acreditava. Essa é a grande surpresa. Mas os resultados entre Serra e Dilma não são nada surpreendentes.

Correio da Cidadania: Há diversas teorias sobre o crescimento da candidatura Marina na reta final - um dos motivos apontados, inclusive, para a existência do segundo turno. Alguns crêem na força do eleitorado religioso e anti-aborto, tema usado grosseiramente para denegrir Dilma; outros desmistificam tal questão e dizem que Marina entrou no vácuo de uma classe média desorientada politicamente, mas que de alguma maneira se opõe à atual política. Enfim, como o senhor define essa 'onda verde'?

Francisco de Oliveira: Olha, o fenômeno Marina não é tão enigmático assim. Na verdade, ela cresceu porque a campanha dos outros dois principais candidatos não se radicalizou. Eles são, de fato, muito convergentes e, evidentemente, uma brecha no eleitorado foi bem aproveitada por Marina. Não creio que tenha sido voto religioso, ou em função de a candidata se declarar contra o aborto... Acredito que foi produto da não radicalização das outras duas campanhas.

Correio da Cidadania: A existência do 2º turno representa, a seu ver, algo positivo para o país nestas eleições?

Francisco de Oliveira: Acho que é positivo sempre, não só nessa eleição, como em todas. Não é bom para a democracia termos unanimidades burras, como dizia Nelson Rodrigues. É bom haver mais discussão, espaço, mais candidatos. Acho que lucramos. Esse segundo turno poderia servir pra aprofundar o debate. Não é certo que vá acontecer, mas existe a possibilidade.

Correio da Cidadania: Como o senhor enxergou o debate eleitoral realizado para o primeiro turno, no que se refere à priorização de temas e à profundidade com que foram tratados?

Francisco de Oliveira: Sempre muito pobre. O único que tinha algo a dizer era o Plínio, mas não tinha muito tempo. Foi tudo muito raso, de parte a parte. O Serra não tinha muito a prometer, pois, na verdade, tem muito pouca divergência com a Dilma, e vice-versa. Ambos são tidos como desenvolvimentistas, favoráveis a ritmos acelerados de crescimento. Serra conflitou-se com FHC quando era ministro do Planejamento em questões monetárias, cambiais, mas com a Dilma há muita convergência. E é isso que leva à não radicalização de propostas.

A Dilma deve ter também suas divergências com Lula, a não ser que ela seja um fantoche mesmo, o que ainda não está provado. Que ela é uma invenção do Lula, é, mas pode não ser um fantoche. Porém, o fato é que existe muita convergência com o Serra. Em princípio, estamos em um ciclo virtuoso e não há muito a corrigir nos rumos do país, uma vez que a herança de Lula é bem vista. Aumenta um pouquinho o Bolsa-família e por aí vai, de modo que o debate seria morno mesmo.

E foi essa convergência entre Serra e Dilma que, como mencionei, abriu o espaço para a Marina. Mas, se repararmos direito, ela não tem proposta alguma. Prega um ambientalismo vago, genérico, não entra em bola dividida, como se diz em futebol. Em nenhum assunto crucial ela sequer se pronuncia, de modo que foi uma ascensão muito específica, conjuntural, e não avaliza nenhuma promessa futura.

Correio da Cidadania: Como avalia a atuação da esquerda socialista nesta eleição, representada essencialmente pelo PSOL, PCB, PSTU e PCO?

Francisco de Oliveira: A esquerda teria muitos motivos para criticar o sistema e a forma como vem funcionando no país, mas não tinha tempo e nem recursos, e hoje eleição é isso. Foi muito complicado o desempenho. O Plínio ainda conseguiu ser convidado para os debates principais, os demais nem sequer foram convidados. Mas, de toda forma, a grande imprensa ignorou a todos.

Por conta disso, não dá pra dizer que os resultados foram decepcionantes, porque uma coisa que não é exposta, proposta, não chega ao grande público, não pode mesmo se transformar em voto. A Marina teve condições maiores de exposição devido à entrada do dono da Natura, que lhe deu recursos e, ao que parece, tomou gosto pela política, ao menos de acordo com declarações nos jornais. Assim, ela pôde fazer campanha. E a imprensa também se interessou muito por ela, por ser uma espécie de ser exótico, que estava ali no meio com uma história pessoal muito dignificante, uma pessoa pobre que nasceu em seringais, disputando a presidência, muito parecida com o Lula.

Portanto, todos esses fatores criaram muito interesse sobre ela. Até porque o ambientalismo dela é genérico e não contesta o todo, o sistema. Quanto ao seu partido, o Partido Verde, só tem alguma expressão na Alemanha, em nenhum outro país tem expressão política ou eleitoral. De modo que no Brasil não há nada muito promissor. Creio que sua ascensão foi bastante conjuntural devido às características dessa eleição.

Correio da Cidadania: O senhor discorda, portanto, de várias análises que vêm circulando, e que ressaltam a expressiva votação obtida por Marina como um capital para que a candidata se confirme como força política de peso no país, carregando a bandeira da Terceira Via e do Ambientalismo?

Francisco de Oliveira: Não acho que seja um capital que vá render muitos juros... Como disse, só na Alemanha existe Partido Verde com certo peso; em outros países, os verdes nem existem. E não vejo no Brasil tal perspectiva. Seria muito surpreendente que os brasileiros se transformassem em ambientalistas militantes. Isso é mais coisa de religião que de cultura política. Não acredito que Marina tenha se constituído num capital que vá ter desdobramentos adiante e abrir uma via alternativa.

Correio da Cidadania: Qual a sua opinião quanto aos resultados eleitorais no que se refere ao Parlamento, com o avanço do PT e sua base aliada nas duas casas, ao lado da regressão de partidos como PSDB e DEM?

Francisco de Oliveira: É a velha história. PSDB e DEM estão na verdade como defuntos, foram arrastados para o buraco; o PT e o PMDB nadam, por sua vez, de braçada, com muito dinheiro, como se foi sabendo aos poucos; e o PMDB permanece com sua eterna característica de ser um partido muito regionalizado, sem uma liderança nacional (o Temer não será tal liderança), e muito fraturado em todos os lados. Mas essas características também concedem ao PMDB uma capilaridade importante para eleger muitos deputados. Nada excepcional, já que, se não houver nenhuma trombada histórica, o PMDB sempre terá tais resultados.

Enquanto isso, o PT também nada de braçada, com muito dinheiro, todo mundo querendo agradar ao rei, sem nenhuma dificuldade, além de carregar uma campanha muito vitoriosa, com um resultado positivo em votos proporcionais. Não acredito que essa bancada poderosa constituída por PT e PMDB vá resultar em diferença política. Vão se comportar como já estão: de maneira fisiológica e muito conservadora.

Correio da Cidadania: Caso Dilma vença as eleições, governar com esta maioria não levará a um predomínio ainda maior do Executivo na política nacional, na medida em que poderá crescer a sua ingerência sobre o Legislativo?

Francisco de Oliveira: Essa ingerência já ocorre em elevado grau. Mais do que com Lula, não dá nem pra imaginar. Para o povão, não tem nenhuma importância. O povo vai no velho ditado de que todo político é ladrão, não tem apreço por essa discussão. O Legislativo é uma instituição que existe desde o Império e que nunca se firmou para nada. Sempre fazia a vontade do rei no Império.

Não se criou, portanto, uma cultura política nacional que desse destaque e importância ao Legislativo. Situação que permanece, com os parlamentares como espécies de reis civis. E com a tendência crescente de maior importância da economia sobre a política, leva-se o Executivo a dar de braço e cutelo sobre o Legislativo.

O Legislativo não tem autorização e nem poder pra criar despesas, onde já se viu isso? Trata-se de algo que ficou da ditadura e não foi reformado pela nova Constituição. Não há nenhum ato ou lei que saia do Legislativo que implique em despesas que o Executivo seja obrigado a obedecer.

Portanto, mesmo com muita desinformação, caciquismo, de alguma maneira o povo sabe disso: que, para arranjar um empreguinho, um deputado ou senador podem ser eficientes; mas, para algo mais, sabe também que o Legislativo não funciona.

Correio da Cidadania: De todo modo, o governo Lula freou diversas pautas progressistas e reformistas, alegando não haver uma correlação de forças favorável para levar adiante as mudanças, o que acabou tornando célebre o discurso da governabilidade. Acredita que, com maioria no Congresso, haveria alguma chance de serem levadas adiante questões mais polêmicas e combatidas por uma elite ainda muito conservadora, como o aborto, a reforma agrária e a afirmação de direitos de minorias, entre outras?

Francisco de Oliveira: Não, vai ser pior. Essa maioria vai tornar o PT mais conservador do que já é. É um equívoco pensar que assim o PT se liberta de algumas amarras e pode retomar um papel transformador. É o contrário, essa maioria vai dar liberdade para que seja mais explícito em seu fisiologismo e conservadorismo. Não tenho a menor esperança.

Correio da Cidadania: Ainda na hipótese de vitória de Dilma, fala-se muito a respeito da mexicanização de nossa política, em alusão ao longo período em que o PRI - o Partido Revolucionário Institucional - permaneceu no poder no México. O que pensa disso?

Francisco de Oliveira: Acho que o PT já é uma mistura entre o PRI e o peronismo. O lado PRI é o de apropriar-se e usurpar os cargos do Estado, manipular e cevar-se nos fundos públicos. O lado peronista, decadente na Argentina, é o lado propriamente político, uma vez que o peronismo fincou raízes realmente populares e com isso manobrou o tempo todo. O PT tem a mesma raiz popular, mas esse lado sugere uma peronização do PT, ou seja, a inclinação pela cultura do favor, do clientelismo, da corrupção, uma mistura muito estranha, desagradável e politicamente regressiva.

Correio da Cidadania: Findo o primeiro turno, já começaram as especulações sobre as estratégias dos candidatos para o segundo turno, onde a candidata petista já deu claras demonstrações de recuo em alguns temas polêmicos, como, por exemplo, na questão do aborto. Como acha que vão caminhar os debates eleitorais do segundo turno?

Francisco de Oliveira: Vão continuar mornos. Eles vão tentar apenas encontrar motivos de perturbação para o adversário, mas nada de debater os grandes temas nacionais. Nem a Dilma e nem o Serra, a nenhum deles interessa esse debate. O Serra não pode fazer uma crítica cerrada ao Lula, com medo de perder mais popularidade; a Dilma não pode levantar temas importantes, com medo de perder o apoio do que resta da burguesia nacional e da grande burguesia internacional. Não acredito que saia algo interessante, portanto; creio que procurarão os flancos abertos dos adversários para tirar proveito eleitoral.

Correio da Cidadania: Vários setores de esquerda críticos ao governo Lula, e já há bastante tempo descrentes do chamado programa democrático popular, sentem-se em uma sinuca de bico neste segundo turno. Afinal, se o governo Lula não avançou em questões essenciais, como a reforma agrária, com Serra, nem mesmo o diálogo com os movimentos sociais tem sido possível. O que o senhor diria a estes setores neste momento?

Francisco de Oliveira: Eles têm absoluta razão nesse temor. Eu diria para que não esperem nenhuma facilidade de ambos os lados. Do lado tucano, porque estão ideologicamente comprometidos com tudo que é antipopular. Do lado lulista, não haverá abertura para os movimentos sociais a fim de se buscar uma nova estruturação do poder no Brasil.

A vitória do lulismo não é muito promissora, pois, no meu modo de ver, reforçará o estilo de governo que o Lula implantou nos últimos oito anos, a ser confirmado pela eleição de sua candidata, como se fosse a confirmação de que é disso que o povo gosta. Essa é a tese do André Singer, agora o principal intelectual a defender as posições do petismo e do governo Lula. Tudo seguro, sem conflito. Lembra um menino que dançava frevo em Recife e abria os bracinhos dizendo: "dá pra todo mundo, dá pra todo mundo". A mensagem do lulismo é assim, "tem pouquinho, mas dá pra todo mundo. Não precisa brigar, de conflito, porque dá pra todo mundo!".

Esse é o estilo de um governo muito conservador, mais do que se pensa e mais até do que os próprios tucanos supõem. É um governo muito privatista, mais até do que o do FHC. FHC privatizou as empresas; Lula, sobre essa tendência, empurrou o Brasil para o campo do capitalismo monopolista de Estado, no qual não há avanço e nunca se produziram bons resultados em política interna.

O André Singer andou utilizando muito o exemplo do Roosevelt, dizendo que o Lula é sua versão brasileira, esquecendo-se somente que o êxito da administração Roosevelt acabou com o movimento de trabalhadores dos EUA, levando à fusão das centrais sindicais que eram competidoras, e que viraram uma única confederação. E ironicamente, o maior país capitalista do mundo nunca teve condições de formar um partido de trabalhadores. Lá, os trabalhadores sempre foram a reboque do Partido Democrata. É disso que Singer esquece. Roosevelt foi um grande estadista, é verdade, impulsionador do capitalismo americano, mas acabou com o movimento dos trabalhadores norte-americanos. Se é isso que se deseja para o Brasil, então, tome-se lulismo.

A vitória da Dilma traria mais imobilismo. Ela terá muitos problemas, até porque a economia não vai surfar numa onda contínua de progressão como a existente nos oito anos de Lula, sobretudo no segundo mandato. As contradições crescem na medida em que o capitalismo se desenvolve. A tendência é subjugar e fraturar o movimento dos trabalhadores até ele ficar inerte politicamente, sem nenhuma expressão.

Correio da Cidadania: Nesse sentido do imobilismo a que foram conduzidos os movimentos sociais sob o governo Lula, o senhor comungaria, de alguma forma, com a idéia de que a vitória de uma candidatura escancaradamente conservadora como a de Serra seria mais benéfica para as lutas sociais e políticas a longo prazo, no sentido de chacoalhar movimentos paralisados e cooptados pelos anos Lula?

Francisco de Oliveira: Não sei. É uma pergunta interessante, mas difícil de responder, até porque a história pregressa dos tucanos é negativa a esse respeito. Pode haver diferenças pessoais entre Serra e Dilma, mas nada nos autoriza a pensar que uma vitória tucana abriria o campo das contradições e movimentaria mais o campo da luta política. Isto poderia ocorrer se o PT retomasse seu papel de transformação na história brasileira. Mas esse é um cenário tão ilusório quanto pensar que os tucanos possam ter esse impacto no movimento social.

Correio da Cidadania: Qual a importância e quais as chances de reconstituição de uma frente de esquerda de agora em diante?

Francisco de Oliveira: Ainda são poucas, porque, com o crescimento de algumas bancadas no Congresso, vai se deixar pouco espaço para a esquerda atuar. Nossa responsabilidade é tentar descobrir os novos motivos e questões que o povo possa ter e perceber na política.

Não vai haver descanso, folga alguma. A tendência é de se sufocar qualquer manifestação de insubordinação, de críticas. Mas a história caminha e surpresas são sempre bem vindas, além de muitas contradições que vão aparecer e reforçar o destino quase inarredável do Brasil de sua condição de país sub-imperialista.

Essa história de política progressista para a América Latina é uma farsa, pois dominamos o Paraguai, a Bolívia, não temos nenhuma política externa progressista, isso é uma mentira. E do ponto de vista interno, caminhamos para um capitalismo monopolista de Estado, implacável, de olho apenas nos grandes lucros. E vem aí o Pré-Sal, que pode ser um desastre, porque reforçaria estruturas capitalistas mais monopólicas no país... Não vejo nada de promissor.

Acho que a esquerda continuará com as mesmas divisões, uma frente de esquerda ainda não é visível, pelo menos no futuro imediato. Os partidos são todos pequenos e, primeiramente, têm de fazer um esforço extraordinário para sobreviver e ampliar um pouco sua penetração, porque o fogo de barragem sobre qualquer projeto crítico é enorme. E esse fogo de barragem não é só dos demais partidos, mas também da mídia. Que espaço os jornais deram para a discussão dos pequenos partidos? Já eram logo ridicularizados como nanicos, delirantes...

Os partidos pequenos da esquerda têm de fazer um esforço enorme para sobreviver, explorar todas as debilidades do sistema e fazer uma crítica que possa chegar ao povo.

Correio da Cidadania: Arriscaria fazer uma previsão para o segundo turno e, ademais, a projetar qual candidato faria melhor por nosso país?

Francisco de Oliveira: Acho que tudo indica que a Dilma ganha no segundo turno. Não acredito numa transferência maciça de votos da Marina para o Serra. Seus votos vão se dispersar entre ambos; portanto, o mais provável é que a Dilma se eleja presidente.

Mas não sei que governo ela fará, penso apenas na tentativa de continuar os governos do Lula, que na verdade será o personagem atrás do trono, que irá mantê-la com rédea curta. Até porque ela não tem muita experiência na política nacional, nem dentro do PT, e estará cercada de chacais por todos os lados.

Até mesmo pensando em seu futuro, se quiser retornar à presidência, Lula tem de proteger a Dilma, senão ela será estraçalhada na luta política miúda que agora vai se abrir no Estado. Quanto ao seu desempenho no governo, as linhas gerais indicam que ela só dará continuidade ao que o Lula implementou.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O desemprego e o Nobel de Economia

Da Agência Fapesp
O Prêmio Nobel de Economia de 2010 foi concedido a três pesquisadores que formularam e desenvolveram uma teoria capaz de explicar por que há tanta gente sem emprego ao mesmo tempo em que as empresas não param de abrir postos de trabalho.

Pela criação de modelos matemáticos que explicam situações de mercado em que há ruídos ou imperfeições entre a demanda e a oferta de bens ou serviços, os norte-americanos Peter A. Diamond, de 70 anos, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e Dale T. Mortensen, 71, da Universidade Northwestern, dividirão o prêmio com Christopher A. Pissarides, cidadão cipriota e inglês de 62 anos que dá aulas na London School of Economics and Political Science.

Os três dividirão o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 2,5 milhões), que receberão com diplomas e medalhas de ouro em cerimônia no dia 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Bernhard Nobel (1833-1896), o inventor da dinamite.

“Felizmente, estava sentado e não estava dirigindo [quando recebi a notícia do Nobel]”, disse Diamond em entrevista coletiva no MIT. “É algo que tira o seu fôlego.”

Pissarides reagiu de forma semelhante ao anúncio do prêmio, concedido pela Real Academia Sueca de Ciências e o Sveriges Riksbank (o Banco Central da Suécia). Disse que sentiu um “misto de surpresa e alegria.”

O terceiro premiado, Mortensen, estava na Dinamarca, onde dá no momento aulas como professor visitante, e só soube que era um Nobel durante um almoço com colegas. “Eles sabem guardar segredo lá em Estocolmo. Não tinha ideia do prêmio”, comentou.

Os primeiros trabalhos dos economistas nesse campo datam dos anos 1970 e redundaram no chamado modelo Diamond-Mortensen-Pissarides (DMP), atualmente a ferramenta mais utilizada para analisar o desemprego, o mecanismo de formação de salários e o impacto das políticas públicas sobre nesse setor.

Embora o mercado de trabalho seja a área em que a teoria é mais empregada, o modelo também pode ser usado para entender o mercado imobiliário e outras esferas da economia.

Segundo a academia sueca, o mérito do trabalho dos economistas consiste em mostrar que a visão clássica do mercado perfeito não encontra amparo no mundo concreto.

A teoria tradicional defende a ideia de que compradores e vendedores de bens e serviços se encontram rapidamente no mercado, sem qualquer custo para as partes, e que todos estão bem informados sobre os preços das mercadorias. Não há oferta ou demanda em excesso de um produto e todos os recursos são usados em sua plenitude.

Nessa situação ideal, o preço de bens e serviço expressa a igualdade de oferta e da demanda. “Mas não é isso que ocorre no mundo real. Custos elevados são frequentemente associados às dificuldades dos compradores em encontrar vendedores. Mesmo depois de eles terem se encontrado, as mercadorias em questão podem não corresponder aos requerimentos do compradores. O comprador pode considerar o preço do vendedor muito alto, ou o vendedor pode achar a oferta do comprador muito baixa. Então, a transação não ocorre e as duas partes continuam a procurar (a mercadoria) em outro lugar”, destacou o comitê do Nobel.

Esse mecanismo é típico de muitos setores da economia, inclusive o mercado de trabalho.

Mais informações sobre o Nobel: http://nobelprize.org

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O drama dos mineiros

Ivan Lessa, no BBC Brasil
Há algumas semanas o metrô em que eu fazia meu trajeto humilde ficou parado entre duas estações. Poucas pessoas no vagão. Um aviso do condutor pelo alto-falante nos informou de que teríamos de esperar por um trem emperrado mais adiante. Passam-se os primeiros dez minutos. O cavalheiro à minha frente faz muxoxos repetidos de impaciência. Uma senhora se abana. A maior parte continua a ler os letreiros dos anúncios ou a se concentrar (sem sair da mesma página) no jornal aberto diante de si.

Eu, que não chego a ser apavorado com lugares fechados, mas sou impaciente, olho repetidamente o relógio e, para passar o tempo, vou tentando me lembrar da letra inteira de uma velha valsa de Orestes Barbosa. A situação era chata. Nada de muito grave. Aos 20 minutos, um cidadão se levantou e começou a dizer qualquer coisa em voz alta. Não ouvi. Meu coração batia um pouco mais rápido e eu empacara naquele trecho de Serenata que vem logo depois de “na serpente de seda de teus braços”. Estava, definitivamente, deflagrada uma crise.

A coisa – a crise – durou uns bons 40 minutos. A bem da verdade, uns horrendos 40 minutos. Enfim, a voz do condutor, segura de si, nos informou que a situação fora resolvida e iríamos seguir viagem. Assim foi. Que não seja nunca mais. Não tenho temperamento para essas coisas.

Por isso mesmo é que venho acompanhando o drama dos mineiros chilenos com o maior interesse. Deixei há algum tempo de ter o “maior interesse” em qualquer coisa. No entanto, por um desses mistérios insondáveis, os mineiros chilenos passaram a ocupar boa parte de minha vida acordado e, às vezes, sob a forma de pesadelo, dormindo também.

Estou do lado deles que chego ao ponto de quase mandar carta para a imprensa britânica quando não noticiam nada. Quero, porque quero, saber como vão as coisas. E como deverão ir.

Não acompanho visitas papais, recessões, greves no metrô (os metrôs ocultam perigos, digo para mim mesmo como um paraguaio paranóico), escândalos políticos. A mim, no momento, e até o futuro previsível – meu Deus, será mesmo só no Natal? – meu pensamento, meu sofrimento, minha solidariedade é com os 33 mineiros chilenos presos a 700 metros de profundidade no deserto de Atacama. O resto do mundo que continue na sua: que se vire.

Sei de cor dos planos e previsões e das medidas até agora tomadas. Fico torcendo, em vão, bem sei, para que um segundo milagre aconteça (não morrer ninguém e eles estarem vivos foi o primeiro) e a ciência, de mãos dadas à tecnologia, traga todos os 33 para o solo firme chileno, onde há sol, nuvens, árvores e mesmo que chova um pouco não faz mal.

Uma das coisas mais comoventes que vi este ano foi o desenho feito num guardanapo por um dos 33, o José Ojeda, um viúvo de 45 anos, e cuja especialidade é a broca e a dinamite. Na tela improvisada, que uma revista americana publicou, lá está o esboço de onde e como vivem desde 5 de agosto.

Fui de lupa, para melhor saber como vivem, se é essa a palavra. Lá está a rampa. O “quarto” central de 50 metros onde os mineiros se reúnem para as refeições, papo e companhia. Lá estão os túneis que os 33 usam para dormir naquela noite constante em que vêm vivendo. Lá está o local onde fazem suas “necessidades”. Lá assinalados os tubos por onde recebem comida e coisas essenciais: um buraco de nada com 15 centímetros de diâmetro.

Mais que tudo, de doer, é o cuidado de Ojeda em mostrar onde ficam a maior parte do tempo (não há muita escolha) seus companheiros e amigos. A simples menção de seus nomes, nos garatujos que o homem escrevinhou dá uma coisinha lá dentro: Jonny Barrio, Carlos Barrio, Jimmy Sanchez, Dick Vega, Claudio Acuña – e paro por aqui, que já estou ficando sem ar, talvez por solidariedade, que sei indevida.

Penso no que os noticiosos informam, quando não tem mais escândalo a expor. Quando chegar o tempo, por volta do Natal, dizem, cada um dos 33 será literalmente içado à superfície numa viagem de duas horas, depois de sedados (para manter a calma) e terem os olhos vedados. A operação toda levará cerca de três dias.

Não consigo deixar de pensar no último a fazer a dolorosa, inda que tão ansiada, viagem. Consolo-me de minha (inútil) aflição sabendo que, entre os livros que os mineiros chilenos estão lendo, está um Manual de Como Falar em Público.

Desta distância toda, e cá em cima no que me asseguram que é a superfície, não consigo deixar de dar um palpite: mineiros chilenos, deixem esse livro de lado, que não deveriam ter mandado, como não mandaram nem a bebida alcoólica nem os cigarros pedidos. Cá em cima, de volta ao mundo dos homens, sejam o que estão sendo: de uma sobre-humana naturalidade.