Letra de uma canção feita em 1980. Por Jorge Teles.
Retirada do site 50 anos de textos, criado, teúdo e manteúdo pelo grande Sérgio Vaz. Confira o http://50anosdetextos.com.br
Eu quero, agora, cantar Curitiba,
cidade branca, limpa e sadia,
pedindo à Musa que me não proíba.
Quero cantar miséria e alegria,
munido de poética coragem
e equipado de inspirada ousadia.
Começo, então, esta minha viagem
procurando arrolar seus disparates,
o seu trabalho e sua vadiagem.
Rua das Flores, dolés, chocolates,
cafés e churros. Todos misturados,
estelionatários e engraxates,
mendigos, bichas loucas, advogados,
confusão de inquietos e teimosos,
de ofendidos e de humilhados.
Boca Maldita, encontro de ociosos
com o linguajar ferino criticando,
mas sem nada assumir, de tão medrosos.
Batel, com suas bruxas convidando
outras bruxas pros chás beneficentes,
e o jornalista idiota, publicando
suas recepções e seus presentes,
suas viagens pela Argentina,
seus filhos belos, vis e delinqüentes.
Enquanto as filhas, diante da vitrina
discutem de vestidos dispensáveis
pra debutar a vaidade cretina.
Nas marechais, políticos vendáveis,
executivos, ladrões, contadores,
corruptos, banqueiros execráveis,
subornos, mordomias, mil horrores,
tudo de acordo com a justiça cega
e a proteção dos desembargadores.
E o dinheiro secreto que escorrega
pros cofres da canalha protetora
que despoja, assassina e sonega.
Rua Riachuelo, a domadora
provocando o passante com o convite
em troca da moeda enganadora.
Sede das pragas mil de Afrodite,
fome e dor simuladas e escondidas,
nas máscaras de um prazer sem limite.
Madrugadas eternas e sofridas,
batidas, cassetetes, frio e sono,
té que o sol afugente as desvalidas.
Passeio Público, o filho sem dono,
filho que é só filho da empregada
mal paga pela mãe do abandono.
Na areia a criança é negligenciada
enquanto a pobre moça fica à espera
do soldadinho que está de emboscada.
Nas áreas verdes, a alegria austera
dos papais e mamães endomingados
que a TV anunciou a primavera.
Em volta disso tudo, os amontoados
de cães, caixotes, latas, ferro velho,
lixo e alguns casebres definhados;
as roupas com remendos no joelho,
nas panelas só cabeças de bagre,
os bens aventurados do evangelho.
Filhos do fel diário e do vinagre,
disputando o diabólico pão:
sustentáculos do podre milagre.
Guabirotuba, Xaxim, Boqueirão,
Abranches, Oficinas, Barigüi,
Pinheirinho, Los Angeles, Portão,
Juvevê, Vila América, Tingüi,
Uberaba, Boa Vista, Cajuru,
Barreirinha, Cabral, Bacacheri,
Bigorrilho, Água Verde e Ahu,
Alto da Quinze, Mercês e Taboão.
Curitiba, querida, I love you.
Jorge Teles é formado em Letras-Português, apesar de ter trabalhado mais especificamente com Arte na Educação. Durante todo o magistério foi diretor de grupos de teatro amador e esteve à frente de textos de Gil Vicente, Plauto, Cervantes, Camões e outros. Em 1986 conheceu o Esperanto, tendo publicado duas obras de ficção em edição bilingue. Gosta de brincar de fazer música.
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