segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A pergunta é: a gente vai se divertir?

Marcelo Mirisola, no site Congresso em Foco
Quando Lucio Costa rabiscou o cruzeiro em sua prancheta, no final dos anos 50, as idéias precisavam de concreto, pólvora, sangue, suor e lágrimas para existir. De um lado, diria o guia para escoteiros, temos o Poder Legislativo, logo ali o Judiciário e na direção oposta o Executivo. Ah, é? E aonde é que amarramos o jegue? Nos jardins suspensos da Babilônia? Sim, foi o que fez Yoani Sánches depois que o etéreo ocupou o lugar da pólvora. Para quem ainda não sabe, a blogueira é a voz mais forte e veemente da oposição cubana, mais macho que todos os machos da ilha de Fidel.

Sem exagero, a internet é a única democracia que existe de fato, inclusive nas ditaduras: transforma homens em poodles e vice-versa. Vivemos num lugar onde as coisas acontecem – efetivamente - suspensas no ar. Sob esse aspecto, hoje, não faria a menor diferença se Brasília não tivesse saído da prancheta de Lucio Costa. As idéias da poodle da Eliana (que tem blogue e também está bombando no tuíter) podem ser tão decisivas quanto a sentença daquelas antigas figuras chamadas “formadores de opinião”.

Por outro lado, a gente acha que está ligado,on line, mas é o contrário. Tá todo mundo pulverizado, perdidinho. Se você quiser estender esse desligamento ao seu respectivo lar, aos seus filhos adolescentes entediados e às dívidas que acumulou no cartão de crédito, não se acanhe. Seja bem-vindo ao século XXI.

Voltando a Brasília. Será que Brasília existe? Segundo a poodle da Eliana (ou seria a iguana da Gisele Bundchen?), de um lado temos uns tiozinhos nojentos que se locupletam e, do outro, os trouxas que votam neles e pagam suas contas. Aí, fulano vai me dizer: “A democracia tem suas falhas, porém as outras opções são catastróficas”. Também acho. Mas já que Montesquieu não serve nem para enredo de escola de samba, e já que o Stédile afinou e o Che Guevara virou Emo no filme do Waltinho Salles ... bem – já que não temos opção diferente do mundo virtual - só nos resta, como diria o Bandido da Luz Vermelha, a esculhambação.

Somente sob esse ponto de vista dá para acreditar naquele lugar que os místicos chamam de planalto central. Somente assim consigo fazer algumas associações. Como, por exemplo, juntar a poodle da Eliana com a época em que Itamar Franco governou o Brasil. Nunca me diverti tanto na vida. E eu acho, honestamente, que essa é a mistura das próximas décadas: a da esculhambação com a tecnologia.

Claro que Brasília existe. E o mais engraçado, o Brasil é o país do futuro. Só fazer as contas: 70 milhões de internautas + 510 anos de savoir-faire no quesito esculhambação = futuro aqui e agora.

Itamar Franco foi o grande profeta. Nem ele sabia. Mas ele foi o primeiro sintoma do avanço tecnológico da nossa jequice. Quem não lembra do fusca do Itamar? Naquela época, o acusaram de ressuscitar os anos 50. Na verdade, ele antecipava a esculhambação dos 00. Ninguém entendeu. Itamar abriu as portas da nossa percepção: só não tinha a Internet para escancará-las de vez. Também teve o episódio da Lílian Ramos nos camarotes da Marquês de Sapucaí. Lembram da calcinha que foi sem nunca ter sido?

Acredito que Lula vai entrar para a história porque não passou um segundo – ao longo de oito anos - sem repetir Itamar Franco. Além, é claro, de ter contado com uma grande ajuda do sobrenatural. Qualquer outro teria sucumbido ao mensalão e àquelas festas juninas na Granja do Torto. Resultado: crescimento econômico, distribuição de renda e inflação sob controle. Só o sobrenatural e nossa vocação para a esculhambação poderiam explicar esse fenômeno. Lula, sem dúvida, ocupará o trono do saudoso Itamar, o topetudo que declarou seu amor a Lílian Ramos no Jornal Nacional, criou o Real e acabou com a inflação no país – viram como a esculhambação funciona?

Pensando bem, só consigo vislumbrar um homem na República com perfil de estadista para substituir Lula, mas infelizmente deixaram esse gigante fora do pleito. O nome dele é Sérgio Mallandro. O que sobrou? O mundo virtual se imiscuindo no real. Vejam só. Os EUA perderam a oportunidade de ter um Itamar, digo, uma Sarah Palin na Casa Branca – ainda que vice de McCain. Já pensaram em Sarah Palin, com aquela cara de secretária bilíngüe de filme pornô, fazendo performances no Pole Dance para delírio & desespero dos jornalistas da Al Jazira? Guardadas as proporções, seria como se a Mulher Melancia fosse vice do Serra. Todavia, José Serra, o Nosferatu mais insosso e imprevisível da República, resolveu fazer uma aposta ainda mais arriscada e divertida: arrumou um leitor da Veja, digo, um Índio fluminense de vice – e parece que o sujeito é canibal al dente, feroz e sanguinolento. Ou seja, piada pronta e contraponto perfeito.

Talvez Serra tenha garantido um bom circo até as eleições de outubro, o que já o qualifica (se as pesquisas não conspirarem contra...) como um candidato – no mínimo - atento às forças do absurdo e da esculhambação.

Dilma? O que a gente pode esperar dela, e do seu vice? Será que o mordomo da casa assombrada, ou melhor, Michel Temer, tem potencial para Itamar? Acho que não. E ela? Qual a qualidade de Dilma para a comédia?

Em Dilma, consigo tatear uma nesga de humor no mau humor. Tem a vantagem de ser dentuça e nunca estar à vontade dentro daqueles terninhos vermelhos que escondem suas verdadeiras banhas e intenções. Dá até para antecipar as charges e paródias: a presidente acoplada a uma cinta-pinto intimidando os Ministros do STF e, ao mesmo tempo, punindo seus subalternos na base de palmatórias e chicotadas. Ia ser engraçado.

Sinceramente? Acho que só os chargistas e humoristas é que deviam votar no Brasil. A piada está lançada. Que vença o mais ridículo(a), para o bem da pátria e a felicidade do povão – que vai continuar se fodendo, é claro.

De resto, no mundo real e em Brasília, vai continuar tudo na mesma. Os eleitores conservadores podem ficar sossegados que nem a Dilma vai ser um Chávez de saias, nem Serra vai europeizar o Afro Reggae. Muito menos a Marina será eleita: o Brasil não combina com tanta seriedade, realidade e cara feia.

* Considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

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