terça-feira, 6 de setembro de 2011

O julgamento de Otelo, no Guairão

É tradição nos (bons) cursos de direito promover julgamentos de figuras da história, da mitologia e da literatura. Jesus, Judas Iscariotis, Julio Cesar, Napoleão, Hitler, Sacco e Vanzetti, o casal Rosenberg e outros que essa cabeça de abóbora agora esquece sentaram-se no banco dos réus mundo afora.

Como você, raro leitor, verá abaixo, dia 23 deste setembro, uma sexta-feira, o Guairão receberá professores, estudantes, curiosos e ratos de tribunal para acompanhar o julgamento de Otelo - o de Shakespeare, que matou Desdêmona pelas fofocas de Iago (um casal de amigos tem um filho com este nome, bonito por sinal, mas feio por sina literária).

Será um julgamento pra valer, com feras do direito penal, ator, diretor e jurados. A lei penal e o processo idem serão brasileiros, creio. Programa melhor que muito teatrinho que anda por aí.

Como ex-aluno da faculdade de direito da Federal - pela qual não me formei, por razões que não me cabem aqui comentar -, pretendo estar na plateia. No palco, feras que admiro, como o professor René Dotti, de quem fui aluno, e o professor Jacinto Coutinho, de quem fui veterano na faculdade. Jacinto foi também namorado da Annamaria Marchesini, que entrou comigo no curso de comunicação da Federal, em 75 (a dama em primeiro lugar, este cavalheiro em segundo).

O evento comemora os 80 anos do glorioso Centro Acadêmico Hugo Simas, do qual fui associado. E ao qual concorri, como orador da chapa de oposição encabeçada pelo amigo Haroldo Montanha Teixeira (colega também do Colégio Estadual do Paraná), bestamente falecido pouco tempo atrás. Faziam parte de nossa chapa colegas insatisfeitos com os rumos do CAHS, claramente de direita, entre eles o Xixo Ramos, baita advogado trabalhista. Era 1976 e eu tinha 21 anos. Ditadura Geisel, lembre-se.

O candidato da situação era o Luís Eduardo de Mello Leitão Salmon - salvo engano, hoje promotor em Paranaguá -, mas quem assustava era o orador da chapa adversária: Luiz Carlos de Lima Vianna, que ainda no segundo ano do curso dava a aula trote nos calouros. Era, e tenho certeza de que ainda é, um craque da oratória, um sujeito imponente pela voz e pelo seu mais de 1,90 metro de altura, barba bem cortada, pose de lorde, discurso irretocável. Vianna já estava no terceiro ou quarto ano do curso. Já mostrava seu talento, hoje hospedado na Procuradoria da Justiça do Paraná. Sério: quando eu for governador, vou brigar para que seja procurador-geral da justiça do estado.

Do lado dele, da situação, quase toda a minha turma, torcendo pra que nós nós fodêssemos. Inimigos. Até o turco Riad, festeiro, mais Cícero Portugal, Juraci Barbosa Sobrinho, Marta Weber, Mary Nogueira e tal. "Traidores". Do nosso lado, algumas meninas tímidas, o Tidinho (Aristides Prado), Emilson Schafron e uns poucos.

Pois houve o debate entre as chapas, e quem as defendiam eram, por óbvio, os oradores. Vianna de lá, eu de cá. Minha turma me escalou meio na marra. Na manhã do debate - programado para uma sala igual a um tribunal (existirá ainda?) no prédio central da UFPR - levaram-me a um bar do outro lado da rua. Conhaque pra criar coragem. Haroldo me ajudou. Devo ter tomado uns três Domecqs pra quebrar a timidez e o respeito pelo Vianna, de quem, antes disso, tornara-me amigo via Riad.

Foi uma pugna febril. Ele batia em minha chapa e eu batia no Salmon - coisa de briga de rua, quando você, mais fraco, escolhe um - e, de quebra, nos pontos fracos deles. Vianna batia e eu devolvia. Eu batia e Vianna me destroçava.

No final, perdemos, cobertos de hematomas. A pressão da situação era muito forte e a campanha deles, no boca-a-boca, cartazes, promessas e tal, era mesmo imbatível. Mas, contados os votos, eis que tive 12 votos individuais para o orador. Nem lembro quantos foram os do Vianna, mas minha fantasia me leva a acreditar que o venci. Afinal, fui inseguro, mas incisivo, verdadeiro, sincero, livre atirador. Tive 12 votos como orador, vejam só, eu, o tímido eterno, calado. Falei pra carajo.

Memórias, meu bem, memórias de um quase senhor.

Longa vida a todos nós. Minhas homenagens ao Vianna.

O CAHS continuou dominado pela direita - que o Vianna definitivamente não era, mas navegava sobre as circunstâncias -, e a esquerda só veio a tomar o CAHS muito tempo depois.

Pois essa pequena viagem me veio a essa cabeça de porongo por causa desse belo espetáculo do CAHS. Será um debate e tanto, e quero estar lá pra rever os amigos e reverenciar a bela e trágica história do bardo inglês.

Gosto do Otelo e sei que o Jacinto fará um belo trabalho. Mas, convenhamos: no teatro e na vida real, em qualquer tempo, Otelo, meu caro infeliz, você perdeu.

Quanto ao Iago (nem falo do babaca do Cassio), esse é um grande filhodaputa.

Todos ao Guairão, pois.

Segue o reliss.



Um julgamento que nem Shakespeare poderia prever: este é o mote do espetáculo O Julgamento de Otelo, montagem que homenageia os 80 anos do Centro Acadêmico Hugo Simas (CAHS). No próximo dia 23 de setembro, juristas de renome sobem ao palco do Guairão para julgar o general mouro da literatura shakespeariana pelo assassinato de sua esposa, Desdêmona. Seria possível culpar Otelo pela morte da amada? Seria impulso, motivado pelas armações do traiçoeiro Iago? Ou será que o general poderia ser inocentado pelo homicídio que cometera tomado pela vingança?

A ideia de montar o espetáculo surge da proposta de resgate histórico da gestão O Tempo Não Para (CAHS 2010/2011). Isso porque O Julgamento de Otelo foi já foi realizado uma vez, há exatos 50 anos, pelo Centro Acadêmico, à época presidido pelo desembargador do Tribunal de Justiça, Munir Karam. O próprio desembargador, já aposentado, por sinal, coordena o evento ao lado do professor René Ariel Dotti, um dos maiores juristas do país. Aproveitando a data comemorativa dos 80 anos do Centro Acadêmico, a gestão do CAHS não demorou a solicitar a tutoria de ambos, pela experiência com a apresentação anterior.

A edição atual contará com o advogado Técio Lins e Silva na acusação, e o professor titular de direito penal da UFPR, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, como defesa. O juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, do Tribunal do Júri de Curitiba, será o responsável pela presidência d’O Julgamento, e, como protagonista do espetáculo, o ator Danilo Avelleda interpretará o réu, Otelo. A direção cênica ficou por conta de José Plínio Taques Martins. E, para quem pensa que o resultado pode ser previsível, esta edição contará com um diferencial que, necessariamente, a torna diferente da anterior: enquanto a primeira teve o júri composto pelo modelo inglês, com doze participantes, a nova será feita pelo modelo brasileiro, composto por sete jurados. Deste modo, o empate, como no resultado da adaptação de 1961, fica impossibilitado.

Outro diferencial é que toda a renda líquida do evento será doada a uma instituição de caridade, o Centro de Educação Dom Pedro II. O espetáculo tem o apoio do HSBC, da OAB/PR, do Curso Prof. Luiz Carlos, da EMAP, do Teatro Guaíra e da Faculdade de Direito da UFPR. Os ingressos já estão à venda na bilheteria e site do Teatro Guaíra, no Tribunal do Júri, na Escola da Magistratura e com os membros do CAHS (Mayara, Amália, André Luiz, Ananda e Sérgio). O valor do ingresso é R$ 30 (trinta reais), sendo R$ 15 (quinze reais) a meia-entrada, para os estudantes.

Participe deste grande evento cultural e jurídico, que marcará época na já gloriosa história do Centro Acadêmico Hugo Simas.

O JULGAMENTO DE OTELO
Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto – Guairão
Endereço: Rua XV de Novembro, 971
Data: 23/09/2011
Horário: 20h30
Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada)
Locais de venda: Teatro Guaíra, Tribunal do Júri, EMAP e CAHS
Informações: contato@cahs.or

Um comentário:

  1. Valeu Jorge...lembranças maravilhosas de um tempo que jamais voltará -o Riad costuma dizer que esse tempo "foram os anos dourados da minha vida!-. Creio que o foram da vida de todos nós. Só um "porém" no teu escrito: na verdade,naquele dia do debate, você me deu é uma baita de uma surra completa!!! Percebo que a modéstia continua a ser uma das tuas qualidades. Um forte abraço.

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