Por Marco Damiani, no portal Brasil 247 (www.brasil247.com.br)
Foi o que eu entendi. O Reinaldo Azevedo quer jogar o ex-presidente Lula em prisão domiciliar. Ou mandá-lo para o exílio. Ou para uma cadeia mesmo, cela de dois por dois, latrina, aquelas coisas. Matar, ele disse hoje que não quer. Na melhor das hipóteses, pelo que eu entendi, o Reinaldo Azevedo quer mudar a Constituição da República Federativa do Brasil. Para incluir um artigo, unzinho apenas.
Algo assim: à exceção do sr. Luiz Inácio Lula da Silva (seguindo-se, para não errar, dos qualificativos R.G., CPF, endereço, todas aquelas certidões para provar que se está falando mesmo de Lula, este que os brasileiros fizeram presidente da República duas vezes), os demais brasileiros podem falar, escrever, ir, vir, estacionar, assistir a uma sessão de cinema, comer pipoca, expressar com palavras, gestos e atos o que pensam.
E já que, na melhor das hipóteses, Reinaldo Azevedo pleiteia uma mudança na Constituição, no momento da redação certamente virá aquela coceirinha autoritária e, então, a alteração ficaria completa: outros brasileiros que falarem o que o sr. Reinaldo Azevedo não gostar de ouvir, e também os brasileiros que se movimentarem de forma “saliente” no tabuleiro da política, não mais poderão falar ou se movimentar.
Fica bom assim, Reinaldo? Pode ser melhor? Ok, então vá ao seu dicionário de sinônimos, rapaz, pesque lá umas palavras inusuais, dessas que impressionam, e experimente uma redação melhorada para os novos artigos constitucionais. Vai dar no mesmo, o importante será manter o espírito da nova lei: quem falar, escrever, expressar, divulgar etc o que o sr. Reinaldo Azevedo não gostar de ler, ouvir ou saber por terceiros ou quaisquer outras fontes, tem de ficar quieto no seu canto. Se insistir – e já temos aqui mais um artigo --, prisão no atrevido “saliente”. Domiciliar, em xilindró, por tempo indeterminado – ou, apenas, perseguição pela internet, com direito a comentários humilhantes, toda a sorte de enxovalhamentos.
Chega a ser engraçado. Lula perdeu três no voto, ganhou duas, levou sua candidata aos palanques, desceu a rampa e agora anda pelo País. Por que ele não pode fazer isso, xará? Ao contrário do FHC, que arrancou para si, no cargo, a reeleição, Lula jamais tentou mudar a regra do jogo com o jogo em andamento. Ele sempre foi pela democracia. Se na outra ponta do seu artigo de hoje você diz que o remédio para ele é mais democracia, o melhor é passar a outro tema, porque essa lição o Lula não precisa ouvir. Ele é o cara das assembléias de 100 mil trabalhadores diante dele, você não se lembra? Eu estava lá, reportando, para a Voz da Unidade (o jornal dos "comunas", como você diz, nós que recebíamos cartas que podiam explodir). Ele é o cara que foi preso por falar o que pensava e, isso mesmo, guiar a massa para o avanço. Ele é o cara que sempre foi do voto, da disputa leal, dentro das regras estabelecidas. Cite um, unzinho gesto autoritário do Lula, de suprimir regras, inverter ordens, suplantar códigos. Qual foi o dia que ele teve medo de voto? Onde é que esse cara solapou a democracia? Na boa, ensinar democracia para o Lula ou sobre o Lula é absolutamente desnecessário, vai por mim.
E lá está Getúlio Vargas. Sai prá lá não só ele, é o que você diz, como a CLT, os sindicatos (quase 400 categorias profissionais obtiveram reajustes salariais acima da inflação no primeiro semestre), as associações de moradores, de cidadãos, o MST. Saiam para lá todos, porque não é assim que o sr. Reinaldo Azevedo quer. Aqui, de resto, temos mais elementos para mais um capítulo da nova Constituição: o povo está terminantemente proibido de se organizar. Nessa frase eu não mexeria, Reinaldo, está claríssima na defesa do seu interesse.
E que tal, para comemorar a reforma constitucional, uma fogueira com carteiras de trabalho, no melhor estilo dos nazis? Não seria legal coroar a desorganização completa do povo – assim P-O-V-O – com a queima do pouquinho que temos de garantias trabalhistas, aquelas que se não fosse Getúlio Vargas, de muitos erros, contradições e também monstruosidades, mas de impressionantes benfeitorias ao Brasil, talvez não existissem até hoje? Pensa só no tamanho da fogueira, tantos foram os empregos criados nos últimos tempos...
Caro, na boa, passe lá na Saraiva e procure na obra de Voltaire, o iluminista, a frase famosa. Aquela que diz: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. Mas vê se não esquece: Voltaire, aquele a que somos apresentados no segundo ano do colégio. Porque, em matéria de democracia, eu tô achando que você precisa começar do começo.
Entenda: o Lula pode falar sobre o que quiser, em qualquer lugar, a qualquer hora. É um direito (D-I-R-E-I-T-O) dele. Não dá para caçar assim, como se fazia antes.
Eu nunca usei meu tempo lendo o que o Reinaldo Azevedo escreve. Fui até sua página uma vez só, lá atrás, e deu para perceber que é um autoritário. Estou enganado? Pode ser, mas tenho mais o que fazer para tirar a dúvida. Não vi motivo para ler mais. Não tem informação, não tem entrevista, não tem fato. É opinião. Beleza! Entre aqueles textos longos e a recém publicada autobiografia do patriota comunista Gregório Bezerra (Memórias, Boitempo Editorial), você acha que eu prefiro qual? Ontem, porém, mandei para o Reinaldo Azevedo um e-mail buscando uma entrevista com ele para o 247. Ele não respondeu. Direito dele, normal. Ele não merece um plantão, não vou insistir. Hoje, recebi por e-mail a coluna dele. Com a tal campanha #desencarnalula, o que ele vai conseguir é mobilizar o outro lado, o do Lula, e perder por maioria (sendo que esta maioria em seguida será desqualificada pelo próprio Reinaldo Azevedo). O colunista diz que Lula barra o assunto 2014 exatamente para levantar 2014. E se for isso? Qual é o problema? E se o Lula quer mesmo ser candidato outra vez? É isso que vai desestabilizar o governo (bem que você gostaria, será que não?)? Isso é uma "doença"? Ele é uma "doença"? Quanta grosseria, Reinaldo!
O certo é que o próprio Reinaldo Azevedo, pela antítese, embarcou na do Lula, e também passou a falar de 2014 agora. Tornou-se um seguidor do, como diz o Elio, Nosso Guia. Por essa eu não esperava.
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